Wednesday, January 11, 2012

O que é um ateu?

Há dias, João César das Neves escrevia que "o ateísmo é a crença que Deus não existe". De vez em quando também surgem discussões sobre se para ser ateu basta não ter motivos para acreditar que Deus exista ou se é necessário acreditar que Deus não existe (sendo a anterior posição "agnosticismo" e não "ateísmo").

Acho que isso é largamente o resultado de termos 3 nomes (crente, agnóstico e ateu) para designar o que são, pelo menos, quatro posições distintas:

a) "Eu estou convencido que Deus existe"

b) "Não tenho motivos suficientes, nem para achar que Deus existe, nem que não existe"

c) "Na ausência de razões que me levem a achar que Deus existe, parto do principio que não existe"

d) "Eu estou convencido que Deus não existe"

Ora, se a posição a) é inequivocamente "crente", a b) "agnóstica" e a d) "ateia", já não é muito claro em que gaveta por os que seguem a linha c) - são "agnósticos" ou "ateus"?

Poderá-se por em causa a razoabilidade de assumir que algo não existe só por não haver razão para supor que existe (afinal, como por vezes diz, "ausência de prova não é prova de ausência"); mas a verdade é que é o que fazemos na maior parte das situações da vida - quando chego a casa e me preparo para abrir a porta, não sou "agnóstico" face à hipótese de estar um gang de assassinos canibais à minha espera; se não notar nada de estranho, parto do principio que não está. Da mesma maneira, se perguntarmos a alguém se é multimilionário, a resposta mais provável é "não", em vez de "não sei", mesmo que o perguntado não olhe para o extracto de conta há horas ou dias (quem lhe garante que nenhum benfeitor anónimo lhe não depositou 3 milhões de euros há um minuto)?. Ou seja, há montes de possíveis situações ou eventos que, na ausência de razões para achar que existem ou ocorreram, simplesmente partimos do principio que não existem/não aconteceram (em vez de sermos "agnósticos" e dizermos "talvez tenha acontecido, talvez não").

Uma maneira alternativa de ver a questão - um individuo estima uma dada probabilidade para a existência de Deus; a partir de que probabilidade deixa de ser um agnóstico para passar a ser um ateu? Aos 0% (quem ache que a probabilidade de Deus existir é 0% e quem a estime como maior que 0% mas menor que 100% é agnóstico)? Aos 49,9999..% (isto é, ateus são todos aqueles que acham mais provável que Deus não exista do que exista)? Um valor intermédio?

3 comments:

RPR said...

Falta aí a hipótese evangélica
e) Eu sei que Deus existe.

Anonymous said...

http://www.youtube.com/watch?v=WJ25Ai__FYU

O Jung era envagélico?

tiago

João Vasco said...

A questão colocada no texto.

Uma vez vi uma estruturação que fazia sentido do ponto de vista conceptual. Ela separava o ateísmo/crença e agnosticismo/convicção em duas questões diferentes: a ontológica e a epistemológica.

Assim sendo, na questão ontológica a pessoa poderia ser crente ou ateu. A ausência de crença em Deus (mesmo que sem convicção a respeito da sua inexistência) seria ateísmo.

Na questão epistemológica (será que podemos ter a certeza que Deus existe) a pessoa poderia ser convicta ou agnóstica.

Assim, poderiam haver ateus agnósticos, crentes agnósticos, ateus convictos, crentes convictos.

Depois os ateus poderiam ser divididos entre ateus implícitos (não acreditam em Deus nem na sua inexistência), ateus explícitos (acreditam que Deus não existe) e um subgrupo destes seriam os ateus fortes (têm a certeza que Deus não existe) - os ateus não agnósticos. Os ateus fracos corresponderiam a todos os ateus implícitos mais os ateus explícitos com uma convicção inferior à certeza.

Nesta classificação eu seria um ateu explícito fraco, e portanto agnóstico.

Mas estas divisões, apesar da sua elegância conceptual, falham completamente em captar a forma como os termos são usados na linguagem comum.


Esta tem o problema de ser mais indefinida.
O crente é o crente, seja convicto ou não.

Quem está certo que Deus não existe é ateu, e aqui não existe confusão.

O problema é quando não existe uma crença de que Deus existe, mas não existe certeza de que não exista. Aqui a coisa não pode ser resolvida por uma estimativa da probabilidade de existência, pois o termo «ateu» está algo conotado de forma hostil à religião. Assim, mesmo quem considera pouco provável a existência de Deus pode auto-intitular-se agnóstica, caso tenha uma vontade de se identificar de forma pouco hostil. E por essa razão, poderiam em princípio haver pessoas que se considerem ateístas que estimassem uma probabilidade de inexistência mais baixa que algumas que se consideram agnósticas. O problema complica-se mais ainda pelo facto de muitas pessoas nem sequer em termos intuitivos estimarem essa probabilidade.

Não há portanto resposta simples. No fundo o ateu é aquele que não tem receio de dizer «face aos actuais dados, acredito que Deus não existe» esteja aberto ou não a reconsiderar essa crença caso surjam novos dados (tal recusa parece-me indefensável do ponto de vista intelectual, mas já vi quem a professasse...).