Sunday, April 30, 2017

Jonathan Demme (1944-2017)

Dois filmes que gostei bastante de Jonathan Demme, falecido esta semana:




Sobretudo o primeiro (mas ambos parecem ter sido eclipsados pelas obras posteriores, como O Silêncio dos Inocentes e Filadélfia - os dois de que falo talvez sejam demasiado "leves" para se tornarem obras de referência).

Demme tinha também o hábito de terminar o genérico dos seus filmes com a expressão "A Luta Continua" (assim mesmo, em português) - não me perguntem porquê.

Wednesday, April 12, 2017

Hitler e as armas químicas

Está tudo indignado com as declarações da Casa Branca de que "nem Hitler desceu tão baixo ao ponto de usar armas químicas"; mas em certo sentido é verdade - a Alemanha nazi não usou armas químicas em combate, até porque Hitler foi gaseado na I Guerra Mundial e ficou com uma aversão a armas químicas. Claro, em compensação, usaram-nas sobre civis aprisionados.

Tuesday, April 11, 2017

"Fake news": um não-assunto

De há uns tempos para cá, tornou-se moda dizer que as fake news difundidas pelas redes sociais foram respnsáveis pelo Brexit, pela vitória de Trump ou até que estarão a por em perigo a democracia (!).

Mas haverá alguma evidência disso? Há várias razões que me levam a pensar que a influência das fake news não passa, ela própria, de uma fake new.

Em primeiro lugar, quase não há qualquer indicio sólido que "fake news" terão afetado os resultados, do género "no dia X começou a ser partilhada a falsa história Y sobre Hillary Clinton, e nos dias a seguir todos os agregadores de sondagens mostraram um subida das intenções de voto em Trump"; em segundo lugar, quase não há referências a "fake news" concretas que possam ter afetado o resultado (durante a campanha, o que mais se falava era dos e-mails de John Podesta e do DNC divulgados pelo Wikileaks e da investigação do FBI - por mais polémicos que esses assuntos sejam, não eram "fake") - o mais parecido será o "pizzagate", que praticamente só começou a circular depois das eleições; em terceiro lugar, praticamente só se começou a falar em "fake news" após as eleições (dados do Google Trends):


Há efetivamente um pequeno aumento nos dias antes das eleições (nesses dias começaram a surgir noticias de que a cidade macedónia de Veles viveria de produzir fake news), mas o conceito só começa a receber atenção depois das eleições (e os artigos da wikipedia sobre o assunto só foram criados ou re-criados cerca de uma semana a seguir às eleições), o que indicia uma justificação criada à posteriori, não algo que tenha mesmo tido um impacto visível durante a campanha; durante a campanha, e mesmo nos dias a seguir às eleições, as criticas dos apoiantes de Clinton - p.ex., os artigos de Paul Krugman - dirigiam-se sobretudo à decisão do FBI de reabrir o inquérito ao caso do e-mail e apresentavam isso até como a causa da vitória de Trump; só depois é que se lembraram da história das fake news (talvez por a partir daí a estratégia dominante entre os Clintonistas ter passado a ser procurar uma aliança com o deep state contra Trump, logo tiveram que arranjar outra alvo que não o FBI).

E, de qualquer maneira, se olharmos para os movimentos das sondagens, são perfeitamente explicáveis sem precisarmos de ir buscar a explicação "fake news" - primeiro Hillary apresentava uma pequena vantagem sobre Trump (da ordem dos 3 pontos percentuais), depois quando foi a história do "grab them by the pussy" a vantagem ampliou-se, e depois reduziu-se quando do anúncio do reinicio da investigação do FBI; no final, Clinton ficou à frente por 2 pontos percentuais, mais ou menos o que as sondagem previam, pelo que o resultado final pode ser perfeitamente explicado com base na sucessões de histórias verdadeiras (umas mais favoráveis a Clinton, outras a Trump) que foram sendo divulgadas durante a campanha.

Finalmente, em quarto lugar, o que me parece ser o argumento definitivo - quer o Brexit, quer a votação em Trump, quer a votação na extrema-direita europeia (veja-se as eleições austríacas na mesma altura) tiveram o seu pico de apoio entre as pessoas mais velhas e nas zonas rurais e pequenas cidades; exatamente as mesmas que é suposto passarem menos tempo na internet (pela demografia, imagina-se mais facilmente o típico eleitor de Trump ou de Hofer no café do bairro a queixar-se que "os miúdos de hoje estão sempre agarrados à máquina e já não fazem desporto nem convivem" do que no Facebook até às 3 da manhã a partilhar links) - note-se que no caso de Brexit poderia efetivamente ser argumentado que os votantes pela saída serão os que mais lêem tablóides, mas não é esse ângulo de crítica às "fake news" que mais tem sido feito (o alvo é a internet e as redes sociais, não a imprensa sensacionalista).

Para justificar a teoria das "fake news", por vezes vêm-se com argumentos do estilo "uma grande percentagem dos eleitores de Trump acredita que..." (qualquer absurda ou escabrosa), mas isso não distingue causa e efeito: essas pessoas apoiam Trump porque acreditam em montes de coisas muito provavelmente falsas? Ou são as suas simpatias ideológicas pre-existentes que os levam a votar Trump, por um lado, e a ser fãs do Infowars, por outro?

Portanto, de onde é que vem a fascinação pela teoria das fake news? Ocorre-me várias hipóteses, não necessariamente exclusivas:

- Negação: recusam-se a acreditar que grande parte dos votantes simpatiza mesmo com as ideias e valores protagonizados por Trump, e por isso têm que se convencer a si próprios que a culpa é de estarem mal informados (ou seja, não querem acreditar que 40 e tal % dos votantes são mesmo deploráveis, preferindo acreditar que eles são é facilmente enganados)

- Recusa em reconhecer que Hillary Clinton era uma péssima candidata - recorde-se que ela perdeu as primárias Democratas de 2008 para um quase desconhecido, ia perdendo as de 2016 para um candidato que nem está inscrito no partido, e finalmente perdeu as gerais de 2016 para um semi-louco; sou só eu que noto um padrão?

- Interesse dos media estabelecidos em denegrir a concorrência, dando a entender que o melhor é as pessoas cingirem-se às fontes mainstream.


[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Monday, April 10, 2017

Os robots estão a destruir empregos? (post n+2 sobre o assunto)

Ainda a respeito desta questão, ocorre-me que talvez haja uma maneira de termos simultaneamente dois fenómenos que à partida parecem incompatíveis - desemprego tecnológico via substituição do trabalho humano por máquinas; e estagnação do crescimento da produtividade.

Imaginemos que para produzir 100 unidades de produto (p.ex., 100 kgs de peixe) é preciso 100 horas de trabalho e mais 100 unidades de capital (p.ex., maquinaria no valor de 100 mil euros).

Agora vamos comparar 3 cenários alternativos; em todos um gabinete de engenharia descobre/inventa um processo de produção mais eficiente, mas as implicações desse processo são diferente:

No cenário A, pelo novo processo são preciso apenas 50 horas de trabalho e 50 unidades de capital para produzir 100 unidades de produto.

No cenário B, serão precisos 50 horas de trabalho e 100 unidades de capital.

No cenário C, 50 horas de trabalho e 150 unidades de capital.

Em todos estes cenários, a produtividade aparente do trabalho aumenta 100%; quando à produtividade aparente do capital, aumenta 100% no cenário A, fica na mesma no cenário B, e diminui 33% no cenário C (convém ter em atenção que, na linguagem semi-corrente, "produtividade aparente do trabalho" e "produtividade aparente do capital" passam frequentemente a "produtividade do trabalho" e "produtividade do capital"; e, na linguagem corrente, "produtividade aparente do trabalho"/"produtividade do trabalho" fica mesmo só "produtividade"; e estes detalhes talvez não sejam tão irrelevantes assim).

Agora, vamos lá ver - em qual deste cenários a introdução da nova tecnologia levará a mais (se alguma) destruição de postos de trabalho? Se a produtividade aparente do trabalho duplica, a variação do número de horas trabalhadas irá ser (crescimento da produção% - 1)/2; isto é, se a produção aumentar 100% (ou seja, também duplicar), o nível de trabalho fica na mesma (é preciso metade dos trabalhadores para produzir o mesmo, mas como se passa a produzir o dobro, fica tudo na mesma); se aumentar 50%, passam 25% dos trabalhadores a estar a mais (onde antes eram precisos 100 horas para produzir 100 unidades, agora são precisas 75 horas para produzir 75 unidades)

No cenário A, em que é preciso menos trabalhadores e menos máquinas para produzir a mesma quantidade, os custos de produção descem para metade; no cenário B, não descem tanto, já que os custos com capital mantêm-se; no cenário C, os custos com trabalho diminuem e os com o capital aumentam - sabemos que no total diminuem, porque se não fosse assim o cenário C nunca seria sequer posto em prática, mas diminuem ainda menos que no B. Assumindo uma relação entre preços e custos, podemos concluir que os preços descem mais no cenário A, depois no B e finalmente no C salvo situações muito excecionais, quanto mais baixarem os preços, mais aumenta a procura e, logo, a produção. Assim, se a produção aumenta mais no cenário A do que no C, isso significa que a introdução da nova tecnologia vai destruir mais empregos no cenário C do que A.

Agora vamos ao outro ponto - em qual destes cenários a produtividade (aparente do trabalho...) crescerá mais? É verdade que em todos cresce 100%, desde que a nova tecnologia se aplique. Mas em qual dos cenários é maior o incentivo para aplicar a nova tecnologia? De novo, no A - um empresário, à partida, tem muito mais incentivo para adotar uma nova tecnologia se essa reduzir a metade todos os custos, do que se reduzir a metade os custos salariais mas manter ou até aumentar os custos com capital (e, além dos custos, por vezes nem sequer há capital disponível para modernizações que impliquem grandes investimentos - como é no cenário C, em que a nova tecnologia implicaria duplicar o valor do equipamento).

E agora temos o meu cenário de como se poderá ter ao mesmo tempo muito desemprego tecnológico e pequeno crescimento da produtividade - se o progresso tecnológico for bastante capital-intensivo (quanto mais capital-intensivo for o progresso tecnológico, mais demora a ser aplicado, por um lado, e mais empregos destrói quando é aplicado, por outro), o que no fundo talvez seja algo similar à velha história marxista do colapso final do capitalismo vítima do aumento da "composição orgânica do capital" (isto é, do progresso técnico capital-intensivo).

Mas será que este cenário pode pode corresponder à realidade na prática? Talvez (sobretudo, não nos esqueçamos que, para efeitos deste modelo, tanto faz que o investimento sejam em máquinas ou em licenças de software), mas tenho muitas dúvidas. Aliás, mesmo na teoria tenho dúvidas que isto faça sentido.

Tuesday, April 04, 2017

Os robots estão a destruir empregos? (post n+1 sobre o assunto)

Ultimamente tem-se discutido muito a questões sobre se a automatização está a destruir postos de trabalho - nos últimos dias tem sido apresentado o paper Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets, de Daron Acemoglu e Pascual Restrepo, como evidência que essa destruição está efetivamente a ocorrer.

Mas antes acho que é necessário clarificar alguns conceitos: primeiro, o que se quer dizer quando se fala em destruição de empregos pelos robots? Tanto podemos estar a falar da destruição de empregos concretos (isto é, haver empregos específicos que são destruídos pelos robots), como de destruição líquida de empregos (isto é, não apenas que os robots destroem alguns empregos, mas que esses empregos, no conjunto da economia, não são compensados por outros que surgem); para nos orientarmos, vou chamar à primeira situação "micro-destruição de empregos" e à segunda "macro-destruição de empregos".

Por outro lado, entre as pessoas que negam ou minimizam o problema da destruição de empregos, há duas grandes linhas de argumentação - há os que consideram que a automatização não vai causar problema nenhum, que desde a Revolução Industrial que há substituição do trabalho humano por máquinas e não estamos todos no desemprego por causa disso, e que os empregos que se destroem num lado são compensados com empregos que surgem noutros (o meu professor de matemática do secundário dava o exemplo da automatização, creio, da FIAT: segundo ele, desaparecerem muitos trabalhos nas linhas de montagem, mas como passou a produzir-se e vender-se mais carros, surgiram depois empregos nas oficinas de reparação automóvel que mais que compensaram a destruição de empregos nas fábricas); e há os que consideram que, pura e simplesmente, não parece estar a acontecer nenhuma automatização significativa (ver este meu post e os seis últimos parágrafos deste post do Pedro Romano). Dito de outra maneira (e usando a terminologia que inventei) - os primeiros consideram que a micro-destruição de empregos não irá originar macro-destruição; já os segundos contestam que esteja a existir mesmo micro-destruição, pelo menos a nível significativo.

E agora entra aqui o estudo de Acemoglu e Restrepo - o que esse estudo argumenta é que as industrias e regiões onde houve mais introdução de robots nas últimas décadas foram aquelas onde houve maior redução de emprego e/ou dos salários; isso parece refutar (sobretudo no que diz respeito às regiões) o argumento de que os robots, quando são introduzidos, não levam a uma destruição líquida de postos de trabalho; mas parece-me largamente irrelevante para o argumento de que não está a haver grande introdução de robots (imagine-se uma analogia - vamos supor que estamos a discutir se o vírus Lujo causa grande mortalidade; mesmo que uma alta percentagem de pessoas infetadas com o vírus morra, isso pode não ser muito relevante se muitas poucas pessoas forem infetadas).

Agora, o estudo também, ainda que de passagem, aborda a questão sobre se está a haver muita robotização: nas páginas 16 e 17, é referido que "In our sample of European countries, robot usage starts near 0.6 robots per thousand workers in the early 1990s and increases rapidly to 2.6 robots per thousand workers in the late 2000s. In the United States, robot usage is lower but follows a similar trend; it starts near 0.4 robots per thousand workers in the early 1990s and increases rapidly to 1.4 robots per thousand workers in the late 2000s", dando a entender que entre entre o principio dos anos 90 e o final dos "anos 0" terá havido grande crescimento da quantidade de robots utilizados (para aí uns 10% ao ano, se estivermos a falar de um período de uns 15 anos); no entanto, pelo menos na Europa, a partir daí parece ter havido estagnação do uso de robots (página 41) - o que é paradoxal, porque tem sido sobretudo desde então que mais tem estado na moda a conversa que os robots vão ficar com os nossos empregos:

Já nos EUA, o crescimento do número de robots parece ter-se mantido mais ou menos ao mesmo ritmo.