Tuesday, June 04, 2019

O que são extamente "conservadores nos costumes"?

É frequente (nomeadamente em discussões políticas) pessoas classificarem-se ou serem classificadas como "conservadores nos costumes". Mas o que é que isso quer dizer exatamente?

Consigo imaginar pelo menos 3 maneiras diferentes e não necessariamente associadas entre si (na verdade, até suspeito que uma delas terá uma correlação negativa com as outras duas) em que se pode ser "conservador nos costumes" (inicialmente até pensei em 5 maneiras, mas as duas adicionais parecem-me pouco mais que variante de uma das outras 3).

1) "Conservador nos costumes" na vida pessoal - alguém levar uma via pessoal convencional e tradicional.

2) "Conservador nos costumes" na moral - alguém achar que os estilos de vida tradicionais são moralmente "bons" e que os estilos de vida "alternativos" são moralmente maus. Não há necessariamente uma ligação entre "conservador nos costumes" do tipo 2 e do tipo 1: alguém pode levar uma vida perfeitamente "quadrada" mas considerar isso como uma simples preferência individual, não como uma escolha moralmente melhor que as outras; e inversamente alguém pode levar uma vida dissoluta e desregrada mas achar ("reconhecer", dirá ele) que está no mau caminho e que deveria "entrar nos eixos" (provavelmente fazendo resoluções "Para o próximo mês é que é; vou dar uma volta a sério na minha vida e passar a ser uma pessoa como deve ser").

Não só não há uma ligação necessária entre estes dois tipos de "conservadorismo nos costumes", como não me admiraria que, a existir uma correlação entre os dois, hoje em dia até seja negativa, no sentido das pessoas que levam vidas pessoais mais "conservadoras" tenderem a ser menos defensoras explicitas de valores conservadores e vice-versa. Mais exatamente, o que eu suspeito é que pessoas com um temperamento cerebral e analítico tendem a ser conservadoras na vida pessoal e pouco conservadoras na moral, enquanto pessoas mais espontâneas e impulsivas tenderão a ser pouco conservadoras na vida pessoal e relativamente mais conservadoras nos valores morais (mais à frente explico melhor o raciocínio que estou a fazer).

3) "Conservador nos costumes" na política - defender políticas públicas que protejam os costumes tradicionais e/ou sejam inspiradas por estes.

Também aqui acho que alguém pode ser "conservador" no tipo 1) ou 2) sem o ser no tipo 3). Já mais complicado me parecer ser no tipo 3) sem o ser no tipo 2) - isto é, ser politicamente "conservador nos costumes" sem o ser moralmente. Inicialmente até pensei que um possivel exemplo seria o de alguém que defendesse políticas conservadores nos costumes não por motivos moralistas mas por razões utilitárias, como achar que os estilos de vida tradicionais têm externalidades positivas e por isso devem ser incentivados; mas pensando melhor, acho que isso continua a ser uma posição moral (neste caso, uma moral utilitarista)

Quando alguém, a meio de uma conversa sobre política, diz que é um "conservador nos costumes", penso que faz sentido assumir (se nada for dito explicitamente em contrário) que é neste sentido, já que é de política que se está a falar; ainda mais quando se trata de partidos e não de pessoas a se definirem assim (afinal, em principio a missão de um partido é influenciar a vida política, não dar lições de moral ou sugestões de "lifestyle"); também a famosa expressão "liberal na economia, conservador nos costumes" parece-me (caso nada seja dito em contrário) ter implícito o sentido 3: afinal, em 99,9% dos casos, quando alguém se define como "liberal na economia" está a falar das suas opiniões a respeito de política económica: que é a favor de baixos impostos, de privatizações, de menos despesa pública, etc. (não a dizer que, p.ex., dá mesadas grandes aos filhos), pelo que assumo que se junta logo a seguir um "conservador no costumes" continua a falar de política (uma história diferente é quando as pessoas se auto-identificam como "liberais na política, conservadores nos costumes": aí já assumo que não é na política que são "conservadores nos costumes").

De qualquer maneira, acho que ninguém ou quase ninguém se identifica como "socialista autogestionário que gosta de jogos de computador do tipo ação/aventura" ou como "neofascista fã de ficção científica" ou como "social-democrata motard", o que me parece mais um ponto a favor de se considerar que a auto-identificação como "conservador nos costumes", no contexto de uma descrição ideológica, se refere a posições políticas e não a estilos de vida pessoais.

Uma complicação adicional é o que me parece se o "conservador nos costumes de Schrödinger", que é quase impossível perceber se é apenas conservador no sentido 2) ou também no sentido 3), tão ambíguas que são as suas explicações (normalmente são conservadores tipo 3 mas que defendem só benefícios fiscais aos estilos de vida tradicionais ou algo parecido, não proibições ou imposições absolutas, e começam por dizer algo como "sou um conservador nos costumes, mas não acho que o Estado deva impor os meus valores", o que parece a posição 2-mas-não-3, e só quando e se a  conversa continua e acaba por entrar em detalhes se percebe que realmente querem que o Estado faça alguma coisa - obrigar não, mas dar um empurrãozinho...).

Ainda pensei se o "conservador nos costumes" político não poderia ter dois subtipos - o que defende políticas de proteção aos estilos de vida tradicionais, e o que apenas defende que o estado não os hostilize, mas o segundo acaba sempre por, das duas uma: a) ou defende que o Estado não deve promover/proteger nem estilos de vida progressistas nem tradicionais, e aí acho que nem faz sentido chamá-lo "conservador" (afinal, é tão "conservador" como "progressista"); ou b) é contra o Estado promover estilos de vida progressistas mas não é totalmente contra que promova estilos de vida conservadores, e aí acho que acaba por ser uma variante soft dos tais conservadores que acham que o Estado deve proteger os estilos de vida tradicionais.

[O outro tipo de conservador no costumes em que pensei foi o tal utilitário, que acha que os estilos de vida tradicionais têm externalidades positivas, mas como já disse, isso acaba por ser um subtipo do conservador moral]

Já agora, explicando melhor a minha suspeita da correlação negativa entre conservadorismo pessoal e conservadorismo moral (de que alguns exemplos - todos a respeito dos EUA, mas não me admirava que haja similares em Portugal - podem ser vistos aqui, aqui e aqui) - paradoxalmente, tanto o desejo de ter comportamentos desviantes como o repúdio por comportamentos desviantes são coisas que vêm mais dos impulsos viscerais do que do raciocinio (exceção - os tais conservadores utilitaristas), pelo que por isso desconfio que as tais pessoas espontâneas e impulsivas tendem a ser pouco conservadoras na vida pessoal e mais conservadoras nas atitudes morais, e o contrário para as pessoas cerebrais e analíticas (embora haja muitas maneiras de ser não-conservador na vida pessoal: alcoolismo, drogas, gravidezes precoces, andar sempre a mudar de mulher/marido, trabalho irregular, etc acho que será mais comum entre as tais pessoas espontâneas/impulsivas; mas há efetivamente outros estilos de vida não-convencionais que se calhar são mais comuns entre as pessoas cerebrais/analíticas, como chegar aos 40 e tal anos solteiro/a, sem filhos e com a casa cheia de animais de estimação).

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