Friday, February 08, 2008

Ainda os EUA: a esquerda face a Ron Paul

Tárique escreve a respeito das presidenciais norte-americanas:"certos anti-capitalistas preferem um minarquista isolacionista como Ron Paul à mudança de cadeiras do costume. O desmantelamento do complexo militar-industrial americano (a expressão, a propósito, é do republicano Dwight Eisenhower*) seria imensamente mais benéfico do que quaisquer migalhas reformistas do sistema de saúde" (ainda hão de dizer que o Carlos Novais tem fellow travellers perigosos...).

Quer no "libertarian" LewRockwell.com, quer na "esquerdista" Counterpunch por vezes aparecem uns artigos na linha "Porque a (ou alguma) esquerda deve apoiar Ron Paul", p. ex., aqui, aqui, aqui, aqui e aqui (ver aqui a tese oposta).

Penso que efectivamente há um argumento que pode ser feito a favor de Ron Paul: não conheço bem a constituição norte-americana, mas penso que um "Presidente Paul" só teria autoridade para pôr em prática a "parte boa" do seu programa - retirar as tropas do Iraque e do resto do mundo; quando ao seu vasto programa "direitista", grande parte dependeria da aprovação do Congresso, onde possivelmente seria rejeitado. Ou seja, até haveria um ganho liquido para a esquerda.

No entanto, este raciocínio faria (algum) sentido se estivéssemos perante uma alternativa real, p.ex., Hillary Clinton X Ron Paul. Ora Paul (e o mesmo vale/valia para Kucinich, Gravel ou Nader) não tem hipóteses reais de ganhar (e, apesar do que os seus apoiantes acham, duvido que concorra para isso). Assim de momento, vejo três possíveis razões para apoiar um candidato sem hipótese de ganhar:

a) uma ética da convicção levada ao extremo - apoiar o candidato mais de acordo com os nossos princípios, mesmo que isso não leve a nada

b) a lógica do "vamos ganhar, não sabemos é quando" - apoiar um candidato/corrente sem hipóteses na esperança de, de ano para ano, a sua base de apoio ir crescendo e passar a ter hipóteses

c) apoiar um candidato sem hipóteses na esperança que uma votação relativamente alta influencie o comportamento dos candidatos vencedores; p.ex., há pessoas que votam no PCP para verem se o PS faz uma politica de esquerda.

No caso de Ron Paul, acho que nenhum destes factores se aplica: se for por uma questão de princípios ou para ir construindo uma corrente, mais vale a esquerda apoiar algum dos "3ºs partidos" esquerdistas (Verdes, Paz e Liberdade ou coisa de género); se for para influenciar os vencedores, também duvido que valha a pena: uma boa votação em Gravel ou em Kucinich poderia efectivamente levar os "grandes" do Partido Democrático a virarem um bocadinho à esquerda; mas duvido que uma boa votação em Paul leve a uma viragem anti-imperialista (ou pró-liberalização das drogas) no Partido Republicano (mais facilmente levará a uma viragem no sentido de mais liberalismo económico).

Ou seja, esquerdistas apoiarem Ron Paul é como uns colegas meus do 10º ano, que iam ter 6 a Português (numa escala de 20) e quiseram ir ao teste de recuperação no último dia de aulas para ver se chegavam ao 7 (chumbado por chumbado...)*.

Agora, se falássemos, não das primárias, mas de uma candidatura nas eleições de Novembro (que parece que Paul já rejeitou), a história já poderia ser diferente - uma votação elevada num candidato anti-guerra (digamos, na casa dos 10%) efectivamente pode levar o novo Presidente (seja ele/ela quem for) a ponderar a sua politica externa (e até pode salvar algumas vidas algures pelo mundo).

*Eu (que estava entre o passar ou chumbar) tive 8 de nota final; não sei quanto tive nesse teste, mas deve ter sido menos que 9.

1 comment:

Anonymous said...

Permite-me só deixar um esclarecimento:

com "preferem" leia-se talvez "prefeririam". E com "prefeririam" leia-se "prefeririam a Clinton / Obama" e não a gravel/kucinich. Não estou a falar de potencial real de voto, ou de apoio factual, até porque não penso que haja esquerdistas registados como republicanos, muito menos portugueses a influenciarem as primárias do GOP. E também é evidente que compreendemos que, na política americana, pelo menos tanto quanto os meus horizontes me permitem vislumbrar "isto já está como há de ir". A conjectura era hipotética: um Ron Paul candidato seria mais consequência do que causa de uma mudança radical de doutrina hegemónica americana (menos que Kucinich, obviamente, mas mais que Obama/Clinton).

ilustrando: aqui há um cluster republicano/democrata ortodoxo da "ditadura bipartidária" : http://www.politicalcompass.org/usprimaries2008

Quem está fora desse cluster? Gravel e Kucinich obviamente. MAS também Ron Paul.