No Idéias Livres, Luiz do Ó tem escrito algumas coisas sobre a questão da propriedade da terra (questão que se cruza com o que tem sido discutido aqui):
De certa forma, a premissa por trás de ambas as teorias, a mutualista e a georgista, é a de que os recursos naturais são uma propriedade comum, e que a propriedade individual sobre a terra é um “presente do público”, de forma que ela pode ser condicionada segundo certas regras (o single tax e as cláusulas de abandono). (...)
Embora esta seja uma premissa aceita por liberais clássicos (como exemplo, o trecho de Paine já citado) e que é indicada pelo próprio John Locke (o pai da teoria de apropriação classicamente liberal), ela é uma premissa insustentável. (...)
Alguns lockeanos desafiaram a idéia de proviso, afirmando que recursos que não tenham sido apropriados por meio de homesteading não são bens comuns, são simplesmente sem donos.
Não me parece que o cerne da diferença entre os georgistas e mutualistas, por um lado, e os rothbardianos, por outro, resida nos primeiros acharem que a terra é propriedade comum, enquanto os segundos achem que é, originalmente, sem dono. Por norma, quando georgistas ou mutualistas criticam a propriedade privada da terra, o argumento não costuma ser "a Luísa não tem o direito de utilizar aquele pedaço de terra sem a autorização da comunidade" (p.ex., o georgista Todd Altman rejeita explicitamente essa posição); é mais "a Luísa não tem o direito de exigir que o Pedro ou a Maria só possam utilizar aquele pedaço de terreno com autorização dela" (pelo que, claro, não terá direito de cobrar rendas ou mesmo preços de venda).
De certa forma, georgistas e mutualistas até são mais radicais na afirmação que a terra é um bem sem dono - os rothbardianos ainda aceitam que possa passar a ter dono; pelo contrário, georgistas e mutualistas parecem andar perto de achar que nunca ninguém tem o direito moral de impedir outra pessoa de usar um dado pedaço de terra. Claro que, na prática, os mutualistas e georgistas aceitam a propriedade privada (e, logo, esse direito) mas sempre numa base de "a Luísa só tem direito de impedir outros de usar uma terra que ela use pessoalmente" (caso mutualista) ou "a Luísa tem que pagar aos outros para os compensar pelo facto de ela ter o poder de impedi-los de usar aquela terra" (caso georgista), ou seja, tanto o mutualismo como o georgismo acabam por pretender ser uma aproximação prática a uma sociedade em que qualquer individuo pudesse ter livre acesso à terra.
E, assim, o exemplo de Rothbard (de o paquistanês não ter direitos sobre uma quinta no Iowa ou do norte-americano não ter direitos sobre uma quinta no Paquistão) acaba por se tornar um bocado irrelevante: o que os mutualistas e georgistas criticam é o poder do proprietário fundiário para impedir outros de usarem a "sua" propriedade (e assim poder cobrar-lhe rendas, que para os mutualistas e georgistas são o equivalente a impostos, já que consideram os proprietários fundiários como governos em ponto pequeno). Ora, um paquistanês não pode fisicamente utilizar terra no Iowa nem um norte-americano terra no Punjab (a menos que se mudem), logo não são os supostos direitos deles que estão em causa nas argumentações georgista e mutualista.
Uma última nota: não sei se o homesteading será mesmo um ponto relevante para os georgistas (como é para os mutualistas e rothbardianos) - eles até podem defender o homesteading como critério de aquisição original, mas atendendo a que frequentemente os georgistas defendem que os proprietários fundiários devem pagar impostos de valor equivalente ao valor dos terrenos que possuem e que depois essa verba deve ser distribuida igualitariamente por todos os indivíduos (de forma a que cada individuo recebe um subsidio equivalente ao valor de um terreno de dimensão média), a questão da "justa aquisição original" torna-se um bocado irrelevante (de qualquer forma, a desigualdade na propriedade da terra será compensada pelo imposto e pelo subsidio, logo não interessa muito se essa desigualdade se originou de forma justa ou injusta).
De certa forma, a premissa por trás de ambas as teorias, a mutualista e a georgista, é a de que os recursos naturais são uma propriedade comum, e que a propriedade individual sobre a terra é um “presente do público”, de forma que ela pode ser condicionada segundo certas regras (o single tax e as cláusulas de abandono). (...)
Embora esta seja uma premissa aceita por liberais clássicos (como exemplo, o trecho de Paine já citado) e que é indicada pelo próprio John Locke (o pai da teoria de apropriação classicamente liberal), ela é uma premissa insustentável. (...)
Alguns lockeanos desafiaram a idéia de proviso, afirmando que recursos que não tenham sido apropriados por meio de homesteading não são bens comuns, são simplesmente sem donos.
Não me parece que o cerne da diferença entre os georgistas e mutualistas, por um lado, e os rothbardianos, por outro, resida nos primeiros acharem que a terra é propriedade comum, enquanto os segundos achem que é, originalmente, sem dono. Por norma, quando georgistas ou mutualistas criticam a propriedade privada da terra, o argumento não costuma ser "a Luísa não tem o direito de utilizar aquele pedaço de terra sem a autorização da comunidade" (p.ex., o georgista Todd Altman rejeita explicitamente essa posição); é mais "a Luísa não tem o direito de exigir que o Pedro ou a Maria só possam utilizar aquele pedaço de terreno com autorização dela" (pelo que, claro, não terá direito de cobrar rendas ou mesmo preços de venda).
De certa forma, georgistas e mutualistas até são mais radicais na afirmação que a terra é um bem sem dono - os rothbardianos ainda aceitam que possa passar a ter dono; pelo contrário, georgistas e mutualistas parecem andar perto de achar que nunca ninguém tem o direito moral de impedir outra pessoa de usar um dado pedaço de terra. Claro que, na prática, os mutualistas e georgistas aceitam a propriedade privada (e, logo, esse direito) mas sempre numa base de "a Luísa só tem direito de impedir outros de usar uma terra que ela use pessoalmente" (caso mutualista) ou "a Luísa tem que pagar aos outros para os compensar pelo facto de ela ter o poder de impedi-los de usar aquela terra" (caso georgista), ou seja, tanto o mutualismo como o georgismo acabam por pretender ser uma aproximação prática a uma sociedade em que qualquer individuo pudesse ter livre acesso à terra.
E, assim, o exemplo de Rothbard (de o paquistanês não ter direitos sobre uma quinta no Iowa ou do norte-americano não ter direitos sobre uma quinta no Paquistão) acaba por se tornar um bocado irrelevante: o que os mutualistas e georgistas criticam é o poder do proprietário fundiário para impedir outros de usarem a "sua" propriedade (e assim poder cobrar-lhe rendas, que para os mutualistas e georgistas são o equivalente a impostos, já que consideram os proprietários fundiários como governos em ponto pequeno). Ora, um paquistanês não pode fisicamente utilizar terra no Iowa nem um norte-americano terra no Punjab (a menos que se mudem), logo não são os supostos direitos deles que estão em causa nas argumentações georgista e mutualista.
Uma última nota: não sei se o homesteading será mesmo um ponto relevante para os georgistas (como é para os mutualistas e rothbardianos) - eles até podem defender o homesteading como critério de aquisição original, mas atendendo a que frequentemente os georgistas defendem que os proprietários fundiários devem pagar impostos de valor equivalente ao valor dos terrenos que possuem e que depois essa verba deve ser distribuida igualitariamente por todos os indivíduos (de forma a que cada individuo recebe um subsidio equivalente ao valor de um terreno de dimensão média), a questão da "justa aquisição original" torna-se um bocado irrelevante (de qualquer forma, a desigualdade na propriedade da terra será compensada pelo imposto e pelo subsidio, logo não interessa muito se essa desigualdade se originou de forma justa ou injusta).
No comments:
Post a Comment