Wednesday, April 09, 2008

Liberdade politica e económica (I)

Antecedentes:

Raul Proença, liberalismo politico e liberalismo económico, de Ricardo Alves
Liberdade sem dicotomias, de Miguel Botelho Moniz
Liberdade só para o mais forte, de Ricardo Alves
Liberdade sem dicotomias II, de Miguel Botelho Moniz
Re: "Liberdade" económica, de Ricardo Alves

Os textos de Ricardo Alves e Miguel Botelho Moniz são sobre a relação entre a liberdade politica e económica.

Neste post, vou argumentar que, em certas circunstâncias, a "liberdade económica" (entendida no sentido que os liberais dão à expressão) pode pôr em perigo a liberdade politica. Num post posterior, irei argumentar que restrições à liberdade económica não põem necessariamente em perigo a liberdade politica (depende do tipo de restrições).

Porque é que a liberdade económica pode limitar a liberdade politica? Para já, vamos admitir que maior liberdade económica leva a maior desigualdade de rendimentos e riqueza (mais para a frente vou voltar a isto).

Em primeiro lugar, maior desigualdade económica leva a maior criminalidade; ora, mais criminalidade tende a levar a politicas securitárias de reforço dos poderes policiais, com possível redução das liberdades civis e politicas (nomeadamente, porque os governos podem ser tentados a usar esses poderes policiais reforçados contra os opositores).

Em segundo lugar, maior desigualdade económica aumenta as pressões politicas para redistribuir a riqueza (olhe-se para as zonas rurais de Península Ibérica - há uma ligação quase perfeita entre a concentração da propriedade da terra e o voto nos partidos de esquerda: compare-se o Alentejo ou a Andaluzia com o Minho); assim, para preservar a liberdade económica numa sociedade em que a maioria do povo defende politicas redistributivas, será necessário limitar ou suprimir a liberdade politica.

Pode-se argumentar, a respeito do meu parágrafo anterior, que a contradição não é entre liberdade económica e liberdade política, mas sim entre liberdade económica e democracia política: em teoria podemos ter - e tivemos no século XIX - regimes "liberais" (com pluralismo politico, liberdade de expressão, de associação, de manifestação, de imprensa, etc.) sem sufrágio universal (logo, sem a maioria a votar por politicas redistributivas); mas esses sistemas dificilmente se mantêm: com liberdades políticas, normalmente a população sem direito a voto em breve começa a exigi-lo (até porque dificilmente tem a reverência e/ou o medo perante os governantes que há nos regimes autoritários) e o regime, ou cede, tornando-se democrático, ou suprime a agitação, deixando de ser liberal.

E, se manter em funcionamento uma oligarquia liberal sem se transformar em democracia é difícil, ainda mais difícil será transformar uma democracia numa oligarquia liberal - a partir do momento em que a democracia está implementada e os cidadãos se habituaram a ela, é duvidoso que seja possível implantar um regime não-democrático (i.e., sem sufrágio universal) sem ser por métodos ditatoriais.

Agora há a tal questão - será que maior liberdade económica leva necessariamente a maior desigualdade económica? Realmente, durante a maior parte da História da Humanidade o papel económico do Estado foi cobrar tributos aos camponeses para sustentar reis, imperadores e os seus séquitos de sacerdotes e aristocratas, e há quem sustente que, mesmo actualmente, grande parte das desigualdades económicas são resultado de intervenções estatais (presentes ou passadas) - e, nos casos referidos do Alentejo, da Andaluzia ou da Guatemala, as politicas estatais seguidas nos ultimos séculos tiverem seguramente grande responsabilidade. No entanto, à primeira vista, parece-me que grande parte das intervenções nos estados modernos são no sentido oposto - financiar serviços públicos universais com impostos relativamente progressivos, o que significa um redistribuição "de cima para baixo".

7 comments:

Anonymous said...

Este post parece-me ter uma argumentação frágil, e não identifica corretamente a contradição.

A contradição existente não é entre liberdade política e económica. A verdadeira contradição é entre capitalismo e democracia.

Pois que, o princípio básico da democracia é "um homem, um voto", ou seja, todos os homens são iguais no seu poder político. O princípio básico do capitalismo, pelo contrário, é que o poder de um homem é proporcional à quantidade de dinheiro de que ele dispõe.

Aqui sim, reside uma contradição clara. Na medida em que, no capitalismo, é perfeitamente legítimo e adequado que as políticas públicas sejam "compradas" pelas classes mais ricas. Na democracia, pelo contrário, as políticas públicas são supostas ser determinadas em partes iguais por todos os homens, indistitntamente da sua riqueza.

Luís Lavoura

Ricardo Alves said...

Concordo com o Luis Lavoura.

O problema da chamada «liberdade económica» é que não é liberdade alguma. Não é sequer uma liberdade individual. Aquilo a que os (neo)liberais chamam «liberdade económica» é poder despedir sem entraves, pagar poucos ou nenhuns impostos, e poder decidir os salários dos trabalhadores de forma, no limite, ad hoc. Isto só é «liberdade» no sentido em que alarga as opções de indivíduos que já beneficiam de relações de poder sobre outros indivíduos. Portanto, é a «liberdade» de oprimir outrém.

CN said...

O capitalismo descobriu a democracia muito cedo, ao aparecerem as sociedades colectivas de investimento (empresas) ou associações.

O capitalismo não é o poder do dinheiro. Todos os nossos direitos nascem com os nossos direitos naturais (livre arbítrio, livre contrato, propriedade honesta), assim , o que nos protege é uma ideologia de direitos individuais.

A democracia tem de partir da presunção de participação voluntária das pessoas onde estas estão dispostos a acatar decisões colectivas contra a sua vontade (impostos, etc) porque lhes reconhece utilidade.

Assim, Democracia sim desde que exista direito de secessão / auto-determinação.

Ninguém pode ser obrigado (pela violência) a participar e submeter-se a sistemas de decisão colectiva (voto universal) para o qual não entrou e permanece voluntáriamente.

Sendo assim, e mesmo com restrições de ordem prática (qual a dimensão minima territorial e humana a que conceder o direito de secessão? bem, um que faça sentido mas não seja demasiado grande) podemos imanginar, com o tempo, a secessão, conduz a uma maior atomização do Estado-Nação, assim com a uma maior descentralização dos que subsistirem.

Mas, creio, conduzirá a maior capitalismo e menos democracia no sentido actual do termo.

Por outro, torna mais possível que existam comunidades com ordens sociais diferentes.
Mas as ordens socialistas

Anonymous said...

Discalimer:

O facto de o Ricardo Alves concordar comigo não quer dizer que eu concorde com ele.

Eu sou em geral a favor da liberdade económica, a qual considero de facto, ao contrário do Ricardo, ser uma extensão da restante liberdade.

Eu sou a favor do capitalismo (= economia de mercado live) e a favor da democracia, embora reconheça que eles são em última instância contaditórios, isto é, que se regem por lógicas diferentes. Considero pois que devemos procurar ter tanto capitalismo com democracia, recohecendo no entanto que em alguns casos vamos ter que procurar compromissos entre as suas lógicas contraditórias.

Anonymous said...

O comentário anterior é meu: Luís Lavoura.

Ricardo Alves said...

Existe a liberdade de emigrar, CN. Quanto à secessão, não pode ser arbitrária (ver Cosovo).

Anonymous said...

"Existe a liberdade de emigrar, CN."

Também existe a liberdade de se suicidar, é o mesmo argumento. Curioso, mesmo argumento usado por nazis e outros ditadores.