Monday, August 03, 2009

Re: BE, o trotskismo de corpo inteiro.

Tomás Vasques, no Simplex, escreve sobre o BE e o trotskismo (sendo subscrito, parece-me, pelo A.A.Alves e pelo Henrique Raposo).

Em primeiro lugar, um "disclosure": eu fui trotskista muitos anos, desde a adolescência até a um momento indefenido por volta dos 30 anos, quando me converti a uma espécie de semi-anarquismo; algumas criticas que tenho ao trotskismo - aqui, aqui e aqui (e mais um post que eu vou escrever daqui a uns tempos - já está na minha agenda mental há vários meses).

De qualquer forma, subscrevo o que o economista inglês Chris Dillow escreve aqui acerca do grupo Militant, que creio se aplicar a todas as variantes trotskistas:

On this point, Oliver [Kahm] contrives to be 100% wrong. He claims that Militant had/has "an ideology alien to Labour's democratic values."

But this is not true. Yes, Militant was democratically centrist. But that only meant that, once the group had taken a decision, its members should stick to it - it's the same principle as cabinet collective responsibility.

I was attracted to Militant largely because it was (is?) more democratic than old Labour. It aimed to empower ordinary people by increasing democratic control over the economy. And its slogan "a workers MP on a workers wage" was a rejection of the notion that politicians should be a separate elite causing a "potentially dangerous gap between politicians and the public."

(...)

Of course, there's much about Militant that I now dislike - the notion of a centrally planned economy is daft. But for Oliver to call it and me alien to democratic values is plain wrong.

Mas agora, vamos à questão do bloco ser ou não trotskista - o facto de Louçã ser trotskista não torna o BE trotskista; afinal, penso que Paulo Portas é monárquico (posso estar errado, mas creio ter lido qualquer coisa nesse sentido) - isso não torna o CDS um partido monárquico; no núcleo de Portimão do BE, p.ex., não há ninguém trotskista (há estudantes trotskistas portimonenses que militam nas localidades onde estudam, mas esses até são adeptos do Gil Garcia, não do Louçã). Mas pronto, realmente é um facto que as duas correntes com uma doutrina mais clara no BE são a APSR (Louçã) e a Ruptura/FER (Garcia), ambas trotskistas; logo poderemos considerar que há uma forte componente trotskista no BE.

Mas, então, olhemos para as ideias defendidas pela APSR - aqui ou aqui (são ambos textos compridos que têm que ser lidos com atênção do principio ao fim). É um sistema bastante diferente da chamada "democracia burguesa"? É. É um sistema autoritário ou totalitário? Não (recomendo sobretudos as passagens a argumentar que a "democracia socialista" só é possível com vários partidos - e recorde-se que isto foi escrito em 1985, antes de ser moda dizer isso). É um sistema estatista e iliberal? É (nalgumas passagens falam em "desaparecimento do Estado", mas na realidade o que eles querem dizer é "desaparecimento do Governo"), mas, à sua maneira, também o é o PS que Tomás Vasques apoia.

Tomás Vasques e sobretudo o comentador Paulo Garrido andam muito à volta da questão "democracia representativa vs. directa". Mas, mesmo que Louçã defenda a democracia directa (eu defendo, mas eu estou muito mais à esquerda que Louçã), e depois? Recordo que os regimes da Europa de Leste (ou, já agora, muitas das ditaduras actualmente existentes em zonas como África) eram, formalmente, democracias representativas, logo essa associação "democracia representativa > verdadeira democracia; democracia directa > falsa democracia" não tem bases históricas.

No entanto, convém lembrar que o Bloco de Esquerda funciona a nível nacional de acordo com os principios da democracia representativa, e todas as propostas de reforçar a componente de democracia directa (representantes na mesa nacional destituiveis pelas assembleias regionais; baixar o mínimo de assinaturas necessárias para se convocar uma convenção extraordinária; fixar estatutariamente um minimo anual de plenários de base a serem realizados, etc.) têm sido rejeitadas nas convenções. Ou seja, essa ideia de que o BE são um grupo de radicais que querem acabar com a "democracia representativa" só demonstra ignorancia da vida interna do partido; a acusação (ou elogio, na minha perspectiva) de defender a "democracia directa" seria melhor dirigida a grupos como a "moção B" do que à direcção do Bloco.

Um ponto final acerca do comentário de Henrique Raposo ("O BE é pior que o PCP; o PCP não esconde o que é"): desde quando o PCP "não esconde o que é"?; na verdade, os programas que ambos os partidos apresentam ao eleitorado são quase iguais - se o BE não fala na "República Universal dos Conselhos Operários" (mesmo que a maioria dos seus militantes defendesse isso, o que duvido...), também o PCP não fala no partido único. A única razão porque o PCP "não esconde o que é" é porque o modelo comunista ortodoxo é bastante conhecido por toda a gente - se fossémos apenas ler o seu programa, pareceria um partido socialista quase normal.

É verdade que às vezes o Bernardino dá entrevistas a defender a Coreia do Norte, Cuba, etc., enquanto o Louçã, quando fala, não defende os regimes "trotskistas" actualmente existentes. Mas como poderia ele fazer isso, mesmo que quisesse? Afinal, não existem (nem nunca existiram) regimes "trotskistas"...

Adenda: lá atrás, houve um link que tinha ficado esquecido; a diferença é pequena (um "aqui" a preto passa a ser um "aqui" a verde), mas é dos tais textos grandes que têm que ser lidos com atenção até ao fim.

2 comments:

tomasvasques said...

Miguel: o tema dá pano para mangas.Vamos falando sobre o assunto.

Anonymous said...

os comentários no simplex assustam. o ps vai rumando para a direita a olhos vistos e o que falam do be não passa de puro desconhecimento. parecem os d'o insurgente a falar. simpatizo consigo miguel, tem aqui um belo blog.