Tuesday, May 04, 2010

Cidadãos pela laicidade

Petição «Cidadãos pela Laicidade»

Senhor Presidente da República Portuguesa,

Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.

Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.

Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.

Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.

Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.

Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, auto-determinação sexual de adultos, e outras matérias políticas.

Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.

Subscritores iniciais:
Alexandre Andrade, Andrea Peniche, António Serzedelo, Carlos Esperança, Eugénio de Oliveira, Francisco Carromeu, João Pedro Cachopo, João Tunes, Joana Amaral Dias, Joana Lopes, José Rebelo, Ludwig Krippahl, Luís Grave Rodrigues, Luís Mateus, Luis Sousa, Maria Augusta Babo, Miguel Cardina, Miguel Duarte, Miguel Madeira, Miguel Serras Pereira, Onofre Varela, Palmira Silva, Pedro Viana, Porfírio Silva, Ricardo Gaio Alves, Rui Tavares, J. Xavier de Basto.

A petição pode ser assinada aqui.

3 comments:

Filipe Abrantes said...

O que é a religião?

"A religião pode ser definida como um conjunto de crenças e práticas (ritos), relativos a certos sentimentos manifestados perante o divino por uma dada comunidade de crentes, obrigando-os a agir segundo uma lei divina para puderem ser salvos, libertos ou atingirem a perfeição. Cada religião defende um conjunto de valores cuja validade pretende ser universal."

http://afilosofia.no.sapo.pt/10valRelig.htm

O que é o "divino"? Subjectivo.
O esquerdismo, por exemplo, ou o liberalismo podem ser considerados religiões, segundo a definição supra. (ok, mais o liberalismo, que se baseia em axiomas irrefutáveis)

Miguel Madeira said...

Eu não concordo muito com a definição acima; eu diria só:

"A religião pode ser definida como um conjunto coerente de crenças relativas ao sobrenatural".

1 - Substituia "divino" por "sobrenatural" - "divino" implica referência a "deus", o que deixa de fora religiões como o budismo, que acreditam numa alma mas não propiriamente num deus; mas é verdade que "sobrenatural" é ainda mais subjectivo que "divino"

2 - deixava de lado todas as referencias a "valores"; para mim, o que caracteriza uma religião é um juizo de facto sobre a existência de determinadas divindades, ou espiritos, ou coisa assim; os juizos de valor costumam vir associados às religiões mas não os acho fundamentais para caracterizar uma religião.

zazie said...

A bodegada orfã com dor de corno.