Wednesday, June 02, 2010

Re: Re: Ainda a propriedade (I)

Sobre a teoria da aquisição original MM diz: "como foi o primeiro (supõe-se) a utilizar a fonte, torna-se o seu proprietário"

A teoria da aquisição original tem ser debatida usando a razão, como o teria de ser qualquer atitude a priori sobre o direito e a justiça. Pode-se discutir as questões de epistemologia colocadas com qualquer forma de apriorismo do conhecimento. Uma coisa é certa, se não existe apriorismo, não é o seu contrário (empirismo) a poder provar que o apriorismo é inválido (como diz Hoppe, um empirista por definição, não pode impor aprioristicamente que o apriorismo não é capaz de chegar a verdades).

Assim, vamos procurar usar um pouco de dedução, a utilização de água de uma fonte por si só, não transforma automaticamente o utilizador em proprietário da fonte, tal como o primeiro homem a pisar e utilizar um terreno de um Continente não o torna proprietário do Continente.

A primeira posse de um utilizador frequente de uma dada quantidade de água de uma dada fonte será a qualidade da agua, não a fonte. É essa posse, assim fosse reconhecida pelos tribunais civis, que pode fazer regular naturalmente os problemas de poluição como conflitos entre direitos de propriedade.

Chamo a atenção, que a teoria de aquisição original de propriedade pode e deve ser usada para defender comunidades não-desenvolvidas da invasão e usurpação de propriedade pelo colonialismo de Estado. Mas também posso chamar a atenção que muito do chamado colonialismo também tomou posse de terras e recursos não utilizados por populações locais. Pode uma tribo num deserto reclamar posse sobre um poço de petróleo (recursos existente a muitos metros de subsolo) descoberto e explorado por terceiros num dado terreno nunca utilizado sob forma alguma (outras questões de utilização mais indirectas podem ser colocadas)?

Agora quanto à "não-propriedade":

O facto de cada um poder ter o seu próprio critério sobre o que é propriedade honesta ou não é, não prova nada em si mesmo. Se à partida acharmos que tudo é uma questão de opinião e todos os valores sociais, todo o conceito de justiça, é subjectivo e nada da nossa razão é capaz de produzir qualquer verdade, mais uma vez vamos ter que produzir um teoria da vontade geral.

A teoria da aquisição de propriedade honesta, resolve o problema de conflitos eternos e induz à cooperação pela troca voluntária e previne a criação de sistemas centralizados hierárquicos (ainda que democráticos) e além disso, não impede a criação de zonas de não-proprietários (dentro de uma dada propriedade-fronteira).

Eu diria que no mínimo deve ser considerada especialmente por qualquer tipo de sensibilidade anarquista. Um anarquista tem de conseguir provar que o mundo (económico, monetário e legal) consegue funcionar (daí que por exemplo a defesa que nenhum Banco Central é necessário para exista uma economia monetária estável também tem de fazer parte de qualquer sensibilidade anarquista), que nenhuma lei universal económica ou de direito prova que necessariamente tem de existir um monopólio territorial da violência e que pelo contrário, a cooperação social voluntária (trocas e contratos não-violentos entre pessoas, incluindo a defesa contra actos violentos) é funcional.

Outro caminho: O consenso que pode fazer uma comunidade decidir sobre esta regra de propriedade ou aquela, pressupõe à partida um consenso territorial: um dado número de pessoas num dado território, ou seja, uma dada propriedade a que podemos chamar Estado ou outro. O contrário seria dizer que A, B, C localizados em X podem decidir sobre D, E, localizados em Y.

Neste ponto, os defensores desta vontade geral, vão perceber o caminho inevitável é só um: vão ser obrigados a defender uma vontade geral universal, no caso, mundial, e adicionalmente sem direito de secessão. Porque ou existe vontade geral universal sobre algo, ou a partir do momento que reconhecem a capacidade de D e E constituir-se fora dessa vontade geral (governo mundial), vão ter de reconhecer a propriedade de D e E, nem que seja colectiva. E se levarmos o conceito de secessão até pequenas comunidades e no limite ao indivíduo, o que fica é a sua propriedade.

O principal problema e fonte possível de conflito eterno é se os "não-proprietários" reclamarem a "não-propriedade" universal (ou seja, nem sequer reconhecendo qualquer tipo de fronteira) e agindo de forma violenta (para eles não será violenta, usam a violência em legítima defesa contra a propriedade). Daí o problema do comunismo internacionalista (Trotsky?), Estaline era mais realista (comunismo num país?). O principal problema do comunismo, mas como assim de qualquer forma de estado democrático é saber se existe um direito de secessão.

10 comments:

hm said...

a dita habitação social abre algumas luzes sobre o assunto. Outra pista pode ser dada pela expropriação para uso colectivo. Ou ainda a cedência de propriedades para a instalação de actividades industriais. Todas são ferramentas mais ou menos consensuais que deturpam o direito corrente de propriedade sem danos para o funcionamento da sociedade. Por isso um sistema misto já existe e é com o que lidamos no dia a dia.
A questão é saber qual a percentagem de território queremos que seja tutelada pelo estado.

CN said...

Mas essas acções colectivas têm a legitimidade fundada em quê?

Apenas porque as pessoas desejam participar nela. Se existe direito de secessão podem separar-se da obrigação de seguir a decisão da ex-colectividade a que pertenciam mas já não pertencem.

Ora, eu não estou a dizer que as pessoas devem exigir a secessão só para escapar a uma decisão que as prejudica, nem elas o farão, porque as vantagens de pertencer uma dada comunidade política são muitas.

Assim, o ser "misto" ou isto ou aquilo, é uma decisão colectiva, mas que pessoas participam nessa colectividade voluntariamente na posse dos seus direitos naturais, no sentido em quem se quiserem separar-se podem separar-se recuperando a plena posse dessa tal propriedade.

Porque se assim não for, temos de defender:

- não existe direito de secessão / independência
- defender um Estado Mundial

hm said...

penso que a ideia da secessão leva-nos a um abstracionismo sem saída. É que não se esgota na propriedade, nem na cidadania, na moral, na lei e em todos os constrangimentos que regem a nossa vida em sociedade. É obvio que a um pedofilo a lei atrapalha-o de alguma forma e todas as normas são de alguma maneira arbitrárias e conjunturais. Agora temos de partir do principio que o território tal como o oxigénio, a luz ou os oceanos, é por direito natural de posse colectiva e essencial à sobrevivência.
Quanto á questão do governo mundial não percebi, é essencialmente o heterogeneidade política que garante alguma margem de "secessão"

CN said...

O argumento que um criminoso pode pedir a secessão para escapar à justiça não é na verdade argumento.

A secessão ou independentismo não ficará em causa por causa desse argumento.

" é por direito natural de posse colectiva e essencial à sobrevivência."

Se o é, pode-se dizer que é em parte propriedade de cada uma das pessoas, não "colectiva".

hm said...

a propriedade individual equitativa não seria uma quimera apenas se o planeta fosse um prado recto e uniforme. Não o sendo ou aceitamos a violência como critério distributivo ou uma norma arbitraria tutelada colectivamente. Como aceitamos ambos é perfeitamente possível pender para qualquer um dos lados. Não vejo onde haveria espaço para a legitimação da vontade individual por si, dado que nem em termos de justiça nem de reconhecimento formal estariam garantidos.

Filipe Abrantes said...

As "teorias" de propriedade colectiva (como por exemplo aquela linkada no post atrás "Do We Own Ourselves") servem apenas para tentar justificar crimes. É preciso ser claro. O roubo tem de parecer legítimo, portanto tenta-se alinhavar uns argumentos...

Segundo essas "teorias", se uma maioria não reconhecer direito de propriedade de uma pessoa sobre o seu corpo por essa pessoa ser, p.ex., negra nada haverá a dizer. É esta a consistência destas "teorias".

hm said...

tenho de discordar filipe abrantes, não serve apenas para justificar crimes, também são aproveitadas para publicação de trabalhos em sites, para passar uns minutos na internet e outros hobbies pós crime. felizmente não creio que baste chamar criminosos e negreiros a alguém para terminar a discussão.

ps.espero que não seja o mesmo filipe abrantes que gostaria de impor aos homosexuais a proibição de se casarem...

Filipe Abrantes said...

Teorias da treta. Só aplicáveis com o monopólio da força, digam as teorias o que disserem.

Não quero impedir ninguém de casar, era o que faltava. Nem os animais entre eles, nem os polígamos (ou poliapaixonados, como talvez se diga).

hm said...

mas em termos reais é mais facil a secessao do que digamos a colectivização da propriedade. Se eu rasgar o meu bi, descolectar-me de obrigações fiscais e decidir viver para uma aldeia abandonada no gerês(não faria muito sentido continuar a usufruir de todos os confortos colectivamente alcançados como por ex. estradas), ninguém se preocupará muito com o assunto. Aliás conheço ciganos que vivem em secessão quase efectiva. Mas, atingida a maioridade se quiser viver num pedaço de terreno baldio ou uma casa abandonada terei de o pagar durante toda a minha vida a alguém, apesar de ser fundado provavelmente numa extorsão alta-medieval.

chapeleirolouco said...

"As "teorias" de propriedade colectiva servem apenas para tentar justificar crimes."

eu podia dizer o mesmo de propriedade privada.

"Segundo essas "teorias", se uma maioria não reconhecer direito de propriedade de uma pessoa sobre o seu corpo por essa pessoa ser, p.ex., negra nada haverá a dizer. É esta a consistência destas "teorias"."

que grande treta... as teorias que falam sobre a abolição da propriedade privada não são tão lineares como descreve. apenas não confundem duas coisas que são diferentes, uma pessoa (ou o seu corpo, segundo essa teoria infantil de pessoa extracorporal, isto porque o corpo não é simplesmente teu, o corpo ÉS tu, há uma grande diferença) e uma propriedade(nas suas diferentes vertentes: objectos de posse e objectos de produção).

por outro lado, o facto de haver o tal processo democrático envolvido, é o reconhecimento disso mesmo.