Monday, April 06, 2015

Salário mínimo e desemprego

Se há pessoa que está disposta a admitir que pode haver situações em que um aumento do salário mínimo não cause desemprego sou eu (exemplo).

No entanto, recentemente tem sido proposto um possível mecanismo para tal acontecer que me parece problemático.

Paul Krugman:

Raising the minimum wage makes jobs better; it doesn’t seem to make them scarcer.

How is that possible? At least part of the answer is that workers are not, in fact, commodities. A bushel of soybeans doesn’t care how much you paid for it; but decently paid workers tend to do a better job, not to mention being less likely to quit and require replacement, than workers paid the absolute minimum an employer can get away with. As a result, raising the minimum wage, while it makes labor more expensive, has offsetting benefits that tend to lower costs, limiting any adverse effect on jobs.
Esta posição não é um excentricidade krugmaniana, já que também tenho visto em discussões no facebook outros economistas sugerindo a possibilidade teórica de um mecanismo deste género existir.

Porque é que duvido deste mecanismo? Porque se realmente um aumento salarial gerasse um aumento de produtividade tal que compensasse o aumento de custos, as empresas já estariam a pagar esses salários mais altos de livre vontade, sem ser preciso aumentar o salário mínimo.

Possíveis objeções a este meu raciocinio:

a) Pode haver aí um problema de ação coletiva, em que para o conjunto das empresas é melhor subir os salários, mas para cada empresa individual é melhor não subir. Mas no caso do mecanismo especifico aqui proposto (trabalhadores melhor pagos produzirem mais), não estou a ver como esse problema de ação coletiva poderia manifestar-se: não há grande razão para a produtividade de todos os trabalhadores aumentar se todas as empresas aumentarem os salários, mas a produtividade dos trabalhadores de uma empresa individual não aumentar se só essa empresa aumentar os salários; na verdade, até me parece mais provável o mecanismo funcionar ao contrário: que o efeito de melhores salários induzirem os empregados a trabalharem mais ocorra sobretudo quando é só uma empresa a subir os salários em comparação com as outras, mas que se dissipe largamente quando todas as empresas sobem os salários e esse salário deixa de ser visto como "um bom salário" (e trabalhar nesse empresa como "um bom emprego") e passa a ser visto como "o mínimo aceitável para quem trabalha nesse ramo" (isto é, se há aqui um problema de ação coletiva, até seria no sentido de levar as empresas individualmente a pagarem salários altos demais; suspeito que essa imperfeição do mercado até poderia ser mais facilmente usada para defender um intervencionismo de tipo "fascista" - cartelizar à força os patrões em grémios e sujeitar as negociações laborais a arbitros do governo para impedir os salários de subirem de mais - do que o aumento do salário mínimo)

b) Se o aumento da produtividade for exatamente (ao mílimetro, ou melhor, ao cêntimo)igual ao aumento do salário, não haveria razão para as empresas aumentarem os salários por si, já que o lucro não iria aumentar; mas se forem obrigadas a aumentar o salário, também não haverá razão para despedirem trabalhadores, porque o lucro não vai diminuir. No entanto, parece-me muito improvável uma tal coincidência milimétrica.

c) É possível que os empregadores não saibam qual o salário que maximiza a relação entre produtividade e custo (afinal, tal implica saber coisas - nomeadamente acerca da psicologia interna dos empregados - bastante intangíveis); claro que os políticos que aprovam o salário mínimo ainda menos o saberão (mesmo que o valor do salário mínimo fosse decidido em referendo duvido que se conseguisse descobrir esse valor, até porque provavelmente nem seria esse o objetivo dos eleitores), mas poderia ser que, por pura sorte, o valor fixado por lei acabasse por ficar mais próximo do "valor ótimo" do que o valor estabelecido pelos empregadores (uma analogia: imagine-se que no meio de um jogo de poker - ou qualquer jogo que tenha uma componente de sorte - alguém, sem saber nada do que se passa no jogo, chega ao pé de um dos jogadores e o obriga a fazer uma jogada diferente da que ele queria fazer; é possível - embora muito pouco provável - que, por pura sorte, essa jogada acabe por se revelar melhor do que a jogada inicialmente planeada). Todavia, um mecanismo que só funciona por puro acaso não me parece grande base para defender uma política.

3 comments:

Carlos dU said...

Caro Miguel Madeira,

Eu ia mais longe: a teoria do Krugman é porreira se admitirmos uma flexibilidade laboral (quase) infinita. I.e. se o trabalhador que produz uma artigo que vale 5 poder produzir um artigo que vale 10.

Mas no caso dos trabalhadores menos qualificados / indiferenciados - e serão estes em princípio que recebem salário mínimo - a escolha pode ser entre o salário mínimo ou nenhum salário.

Pegando em toda a questão, eu sou da mesma opinião do Luís Aguiar-Conraria: não faz sentido aumentar o salário mínimo quando uma grande parte dos trabalhadores recebe valores idênticos ou muito similares (o nosso SMN era de 485 e a mediana salarial de cerca de 630). Mais ainda com os nossos números de desemprego!

Carlos Duarte said...

erm, Carlos Duarte

Miguel Madeira said...

Bem, eu imagino que mesmo com essa flexibilidade infinita aplicaria-se a minha crítica.

Mas realmente é de esperar que o tal efeito de ganhar mais → trabalhadores mais satisfeitos → maior produtividade ocorre sobretudo em trabalhadores que tenham um grande grau de controle sobre o ritmo e a qualidade do seu trabalho (e em que maior ou menor motivação pode afetar a produção); já em trabalhadores que têm pouco controle sobre o seu trabalho e esse seja essencialmente "fazer o que lhe mandam" (e seja fácil ao patrão determinar e medir a produção do trabalhador), maior ou menor motivação interessa menos (e suspeito que grande parte dos beneficiários do SMN estão neste segundo grupo).