Há tempos, o Público tinha um artigo sobre o tráfico de seres humano em Portugal e o este ser maioritariamente destinado à exploração laboral (isto é, trabalho mais ou menos escravo, pelo que me parece):
Os casos de tráfico de seres humanos mais registados em Portugal estão relacionados com a exploração laboral, nomeadamente no sector agrícola, disse à Lusa a directora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH).
"Em Portugal, como noutros países, o que tem sido mais registado e também mais identificado é o tráfico para fins de exploração laboral, nomeadamente no sector agrícola", disse Rita Penedo, em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Internacional contra o Tráfico de Pessoas, que se assinala no sábado. (...)
Apesar disso, os jornalistas não resistiram em mudar o assunto para os casos de exploração sexual:
Relativamente à União Europeia (UE) mais de 15 mil pessoas foram vítimas de tráfico humano em 2013/2014, mas "o número real é susceptível de ser substancialmente mais elevado", reconhece o último relatório da Comissão Europeia sobre o tema.
O último relatório da Comissão Europeia sobre os progressos realizados em matéria de luta contra o tráfico de seres humanos conclui que, entre 2013 e 2014, o período mais recente objecto de análise, 15.846 mulheres, homens, meninas e meninos foram vítimas de tráfico na UE, mas apenas 6.324 pessoas tiveram contacto oficial com a polícia ou com o sistema de justiça penal.
De acordo com o relatório, o tráfico de seres humanos para efeitos de exploração sexual continua a ser a forma mais comum (67 por cento das vítimas), seguindo-se o tráfico para exploração laboral (21 por cento).
Mais de três quartos das vítimas registadas eram mulheres, percentagem que sobe para 95 por cento no caso da exploração sexual, "uma das tendências que aumentou mais acentuadamente", segundo o relatório.
"Estamos particularmente preocupados com as mulheres e crianças, sobretudo para exploração sexual", reconhece a coordenadora da União Europeia contra o tráfico de seres humanos.
Em entrevista à Lusa, via telefone, a propósito do Dia Mundial Contra o Tráfico, que as Nações Unidas assinalam a 30 de Julho, Myria Vassiliadou assinala que, por outro lado, "a maioria dos traficantes e certamente todos os clientes são homens".
Imagino que essa conversa do "certamente todos os clientes são homens" se refira à exploração sexual - não vejo porque razão as pessoas que são escravizadas em plantações agrícolas não hão de poder estar a trabalhar para uma mulher em vez de para um homem.
Agora, qual o porquê de em Portugal o tráfico humano ser predominantemente laboral, mas no conjunto (suponho que da União Europeia) seja predominantemente sexual?
Isso talvez se prenda com algo que também me parece misterioso - os relatórios da OIT[PDF] sobre trabalho forçado a nível mundial dizem que há 3 vezes mais casos de exploração laboral do que de exploração sexual - "Of the total number of 20.9 million forced labourers, 18.7 million (90%) are exploited in the private economy, by individuals or enterprises. Out of these, 4.5 million (22%) are victims of forced sexual exploitation, and 14.2 million (68%) are victims of forced labour exploitation in economic activities, such as agriculture, construction, domestic work or manufacturing". Já o relatório da ONU[PDF] sobre tráfico de pessoas diz que 53% dos casos são para exploração sexual - "Looking first at the broader global picture, some 53 percent of the victims detected in 2011 were subjected to sexual exploitation, whereas forced labour accounted forabout 40 per cent of the total number of victims for whomthe form of exploitation was reported". Atendendo que, à partida, não há grande diferença entre os conceitos de "tráfico humano" e de "trabalho forçado" (há algumas - mulheres casadas à força é tráfico humano mas não é trabalho forçado; presos obrigados a trabalhar é trabalho forçado, mas não é tráfico humano - mas não me parece que possam afetar tanto as estatísticas), essa diferença é algo surpreendente.
Parece que a explicação mais provável seja que os países que criminalizam a prostituição (como os EUA ou a Suécia) provavelmente considerem todos os casos de prostituição (ou pelos menos de prostituição de imigrantes) como "tráfico humano", mesmo no caso da prostituição não coerciva, que não é "trabalho forçado" (possivelmente muitas vezes as leis sobre tráfico humano, depois de falarem de coação, violência, fraude, etc. têm cláusulas adicionais incluindo "com o objetivo de cometer algum crime previsto no capítulo tantos do código penal") - assim, explicará que haja poucos casos de tráfico humano para exploração sexual em Portugal (já que cá a prostituição não é ilegal).
Um artigo adicional sobre um exemplo da tendência para se misturar as duas coisas.
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