Thursday, February 15, 2018

A Educação Física deve contar para a entrada na universidade?

Em primeiro lugar, uma declaração de interesses - não tenho jeito nenhum para educação física; isso de certeza que turva a minha objetividade.

Dito isto, acho que as propostas que o Bloco de Esquerda e o PCP estão a apresentar, no sentido da nota de Educação Física voltar a contar para a média de acesso ao ensino superior, não fazem grande sentido - porque é que alguém há de ficar de fora de um curso de Matemática Aplicada só porque teve uma nota baixa a Educação Física? Antes de alguém pergunte se é realista supor
que alguém deixará de ficar de fora do curso que quer só porque teve uma
má nota a educação física, em principio claro que deixará - das duas uma: ou essa mudança não tem efeito nenhum (e nesse caso é irrelevante), ou terá algum efeito, e assim será no sentido de que entrem pessoas que de outra maneira não entrariam, e, consequentemente, não entrem pessoas que de outra maneira entrariam.

A respeito do argumento de "promover estilos de vida saudáveis":

Em primeiro lugar, enquanto haver necessidade (por haver menos vagas que interessados) de seleccionar os alunos que entram nas universidades públicas, devem ser seleccionados aqueles que se consideram que é mais benéfico à sociedade que sejam aceites, que em principio há razões para
supor que serão os que dominam mais as matérias centrais para esses cursos, não aqueles que têm um estilo de vida individual "aprovado" por Fulano ou Beltrano (se se quer promover determinados estilos de vida, há maneiras mais eficazes de o fazer).

Em segundo, quando se chega aos anos que estamos a falar (16-17-18 anos), já é pouco provável que alguém que não goste e/ou não tenha jeito para Educação Física passe a gostar ou ter jeito.

Em terceiro lugar não acho que seja função do Estado ou da escola promover "estilos de vida" específicos, saudáveis ou não - se o estado tiver alguma função será a de criar condições para que cada individuo possa viver o estilo de vida que escolheu para si, com o limite de não prejudicar os outros e o bem estar geral (e alguém levar um estilo de vida "pouco saudável" em principio não prejudica os outros - talvez cause um bocadinho mais de despesa ao SNS, mas se calhar também morre mais cedo e poupa na Segurança Social, pelo que uma coisa anula a outra); claro que isto é
sobretudo para adultos, mas (e voltando a pegar no ponto anterior) nesta idade já estamos a falar de semi-adultos (ainda por cima se nós nos Bloco de Esquerda, achamos - e bem - que nessa idade já têm capacidade para decidir fazer uma operação de mudança de sexo e para votar, é um pouco ilógico virmos agora achar que que nessa idade ainda devem ser  "empurrados" para se aplicarem na Educação Física).

E o grande paradoxo disto é que no fim nem vão valorizar a Educação Física - o resultado disso vai provavelmente ser o que penso já ser a tendência em grande parte das escolas: a nota de Educação Física não ser uma verdadeira nota, mas (pelo menos para quem deveria ter uma má notaa
EF) uma espécie de "média" das outras notas, atribuída para "não estragar a média".

É verdade que as associações de professores de educação física acham que é importante que a disciplina conte para a nota final, mas se existisse uma Associação de Professores de Aramaico Ocidental provavelmente também seriam capazes de arranjar argumentos para defender a importância do ensino do Aramaico Ocidental - toda a gente acha que a sua área é importantíssima.

Já agora, isto chama-me a atenção para um problema mais vasto: ao que sei, Portugal é dos países da Europa onde as crianças e jovens passam mais tempo em aulas; e no conjunto do "Ocidente" há uma tendência para as crianças e jovens passarem  cada vez mais tempo na escola ou em "atividades" organizadas e terem cada vez menos tempo para atividades não-estrutradas e auto-geridas. Muito provavelmente há espaço para reduzir a carga horária de aulas, permitindo às crianças e jovens terem
mais tempo livre e simultaneamente permitindo, com o mesmo número de professores, criar turmas mais pequenas com uma melhor aprendizagem. Mas receio que a tendência seja para os professores das várias áreas, compreensivelmente achando que a sua área é super-importante, empurrem é
no sentido do aumento permanente da carga letiva (com cada grupo a querer aumentar as horas atribuidas à sua disciplina).

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