Friday, September 07, 2018

A concentração capitalista vai de vento em poupa

A respeito da redução do número de trabalhadores por conta própria em Portugal, Carlos Pereira da Cruz (CCz) escreve que "que em Portugal o número de trabalhadores por conta própria está a baixar, enquanto em todas as economias ocidentais está a crescer".

Será mesmo? Vamos ver os dados da OCDE , e comparar a percentagem de trabalhadores por conta própria nalguns países, em 2013 e 2017:


2013
2017
dif.
União Europeia16,52%15,54%-0,98
Zona Euro15,86%14,95%-0,91
EUA6,61%6,26%-0,35
Reino Unido14,58%15,36%0,78
Alemanha11,2%10,2%-1,00
França11,27%11,64%0,37
Itália24,82%23,2%-1,62
Portugal21,94%16,99%-4,95
Japão
(ocidental honorário)
11,51%10,4%-1,11

Com a exceção do Reino Unido e da França, nos principais países do OCDE parece estar a haver uma redução da proporção de trabalhadores por conta própria (ainda que não tão pronunciada como em Portugal - mas também é verdade que o nosso ponto de partida é mais elevado que a maioria dos outros); agora, de facto isto não contradiz o que CCz diz, já que ele se refere ao número de trabalhadores por conta própria, e não à proporção (e uma pequena redução na proporção acompanhada por um aumento do total de trabalhadores - como acontece num período de recuperação económica - provavelmente leva a um aumento do número absoluto de trabalhadores por conta própria) - no entanto, acho que a evolução da proporção é uma variável mais relevante que o número absoluto (que é facilmente afetado por outras variáveis, como o ciclo económico ou a evolução da população).

Ou seja, mesmo com a famosa gig economy mantêm-se a tendência histórica para o trabalho por conta própria diminuir; na verdade até diria que provavelmente a gig economy até fará essa redução na realidade ser maior do que mostram estas estatísticas, já que muitas pessoas que trabalham nesse sector estão inscritos como trabalhadores independentes mas na verdade têm muito de assalariados-com-outro-nome; um exemplo: há dias ouvi falar de um senhor que foi fazer uma entrevista para ir trabalhar para a Uber, e que acabou por, para trabalhar com eles, ter que fazer sociedade com outro, porque sozinho não tinha disponibilidade para fazer os horários que eles queriam; antes de ouvir esta história, eu até julgava que os motoristas da Uber só trabalhavam quando queriam (ligando e desligando a aplicação à sua vontade) - mas afinal é-lhes imposto uma espécie de horário (ou seja, já são um tipo de semi-assalariados).

Leituras adicionais:

4 comments:

CCz said...

O meu "erro" é misturar na gig economy quer os trabalhadores por conta própria quer a malta dos biscates da Uber et al.

Miguel Madeira said...

Não estou a perceber muito bem o que quer dizer. Quer dizer que, quando diz que o trabalho por conta própria está a aumentar nos outros países, está incluindo também os da Uber e afins?

Mas esses (se for a sua principal fonte de rendimento) também aparecerão (penso) nas estatísticas da OCDE como "por conta própria", logo o conjunto "trabalhadores por conta própria + Uber et al" está, de qualquer forma, a diminuir.

CCz said...

Há aqui qualquer coisa que não bate certo.

Volta e meia leio artigos que referem o aumento dos trabalhadores por conta própria, incluindo gig economy. Vou tentar recuperar o último de há uma ou duas semanas, se o histórico me ajudar

Miguel Madeira said...

Serão artigos ingleses? Nalguns blogs ingleses que costumo ler também falam nisso de vez em quando.