Wednesday, September 11, 2019

Reduzir o horário de trabalho cria ou destrói emprego?

O João Miranda parece achar que destrói - eu diria que há dois fatores de sinal contrário.

Por um lado, efetivamente, se se reduzir o horário de trabalho mantendo o salário (ou seja, se se aumentar o salário por hora), haverá trabalhos que deixam de ser economicamente viáveis do ponto de vista do empregador, e por isso desaparecerão ou não chegarão a ser criados; mas, por outro, no caso dos trabalhos que continuam a ser economicamente viáveis, serão necessárias mais pessoas para os fazer, logo por aí serão criados empregos.

Com um exemplo talvez se perceba melhor - imaginemos uma empresa com 14 trabalhadores, fazendo 40 horas por semana (o seja, no total, trabalhando 560 horas por semana) e recebendo 615 euros cada um (o que dará um custo, contando com férias, subsídios, segurança social, etc, de uns 5,89 euros por hora, se estou a fazer bem as contas).

Agora, vamos supor que o horário de trabalho baixava para 35 horas, o que quer dizer que o custo por hora para a empresa subia para 6,74 euros por trabalhador.

Nesta situação, o empresário pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 455 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 13 trabalhadores; vou ter que despedir uma pessoa"; mas também pode achar "a este custo hora não vale a pena estar a pagar por 560 horas de trabalho por semana; mais vale reduzir um pouco a atividade - fechar um pouco mais cedo, ou talvez fazer os clientes esperarem um pouco mais nos picos de atividade, ou coisa parecida - e com 525 horas de trabalho por semana isto aguenta-se bem; portanto, como agora cada trabalhador vai trabalhar 35 horas, só preciso de 15 trabalhadores; vou contratar mais uma pessoa mas mesmo assim a produção vai diminuir".

Ou seja, a redução do horário de trabalho (mantendo o salário constante) faz a hora de trabalho ficar mais cara, e em princípio fará as empresas quererem contratar menos horas de trabalho; mas como o que interessa (pelo menos para mim) não é o número de horas de trabalho empregadas, mas o número de pessoas empregadas, e como cada pessoa também vai trabalhar menos horas, não se pode determinar à partida se as empresas contratarem menos horas de trabalho as vai levar a contratarem menos ou mais pessoas (isso é algo que poderá ser estudado empiricamente, mas aprioristicamente nada se pode concluir, num sentido ou no outro).

Em termos mais gerais, uma redução do horário de trabalho das 40 para as 35 horas vai originar um aumento de 14,29% no custo horário do trabalho; se esse aumento do custo originar uma redução da procura de horas de trabalho maior que 12,5%, o desemprego irá aumentar (já que o efeito "menos horas de trabalho total" vai ser maior que o efeito "mais pessoas para o mesmo tempo de trabalho") - se pelo contrário a redução da procura de horas de trabalho for menor que 12,5%, o desemprego vai diminuir (pelo mecanismo inverso). Em "economês", eu diria que se a elasticidade procura-preço do trabalho for menor* que -0,87, uma redução do horário de trabalho vai diminuir o número total de empregos; se for maior que -0,87 (ou seja, se estiver entre -0,87 e zero) vai aumentar o total de empregos.

De qualquer maneira, o facto dos recentes aumentos do salário mínimo não terem, aparentemente, originado desemprego relevante indicia que, na economia portuguesa atual, aumentos dos custos salariais não causam grandes reduções nas contratações, ou seja, que a tal elasticidade procura-preço do trabalho não é muito significativa (exatamente as condições em que uma redução do horário de trabalho cria empregos).

*atenção que é um valor negativo, logo "menor" aqui significa mais significativo (ou "maior" em termos absolutos).

[Declaração de interesses, já que a conversa parece ter começado com uma proposta do BE]

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]