O leitor a.m. pede-me uma definição de "esquerda" e "direita". Um começo poderá ser estes posts do Tiago Mendes e respectivos comentários.
No entanto, eu tenho mais queda para complicar do que para simplificar, pelo que a minha tentativa de definição vai ser muito mais palavrosa.
Para começar, há o aparente paradoxo de "esquerda" e "direita" serem, simultaneamente, "individualistas" e "colectivistas", "estatistas" e "anti-estatistas": na economia, a esquerda tende a ser colectivista e a direita individualista; mas, em termos culturais e intelectuais, é a esquerda que valoriza mais a ideia do individuo pensar por si próprio e não ligar aos "preconceitos sociais", enquanto é a direita que valoriza mais a ideia de que uma tradição comum é o "cimento" da sociedade e que é impossivel o individuo procurar a "verdade" por sí próprio, ignorando os "ensinamentos" dos antepassados (a tese do direitista T.S. Eliot acerca da obra de um poeta ser também o produto dos "poetas mortos" que o influenciaram é um optimo exemplo).
Também na atitude face ao Estado, parece haver uma ambiguidade na esquerda e na direita: a direita simpatiza com um Estado pequeno e forte, e a esquerda com um Estado grande e fraco (normalmente, a esquerda não lhe chama "fraco", mas a ideia é essa).
No entanto, creio que há um fio condutor nessas aparentes contradições: optimismo vs. pessimismo:
A esquerda é optimista (é tipicamente século-dezoitista) - acredita que os problemas têm solução, é só pensarmos um bocadinho que descobrimos uma (perante uma tarefa dificil, a atitude de esquerda por excelência é pensar "deve haver uma maneira mais fácil de fazer isto"). P. ex., se há insucesso escolar, o problema, concerteza, estará nos métodos educativos e a solução será adoptar métodos educativos melhores.
Assim, como a esquerda tende a considerar o "sofrimento", não como um facto imutável da vida, mas sim como sinal de uma má organização social, simpatiza com as vítimas da sociedade, o que conduz ao igualitarismo económico, e, portanto, ao (ou a algum) colectivismo (embora a associação igualitarismo>colectivismo não seja automática: no século XIX, o ideal dos republicanos anti-clericais e dos anarquistas individualistas era mais uma sociedade de pequenos produtores autónomos).
Por outro lado, o optimismo da esquerda conduz também ao seu individualismo cultural e intelectual: se todo o "sofrimento" existente resulta de uma má organização social, e se os problemas resolvem-se inventando novas soluções, decorre naturalmente - pelo menos em teoria - a defesa de uma atitude crítica e "livre-pensadora"; também decorre, quase naturalmente, que não faz sentido "reprimir" a nossa personalidade para nos adaptarmos aos "preconceitos sociais" (isso seria o caso típico da organização social impedir a felicidade).
Quanto à atitude face ao Estado, também decorre desse optimismo: como acredita que os problemas têm solução, a esquerda é mais dada a, perante qualquer problema, advogar que o Estado intervenha para o solucionar; mas, exactamente, porque acredita que os problemas têm solução, essa intervenção tende a ser num estilo "soft", "dialogante", procurando que quase toda a gente fique contente.
A direita é pessimista - acredita que o mundo é, sobretudo, "sangue, suor e lágrimas", e que qualquer beneficio tem um sacrificio implicito (perante uma tarefa díficil, a atitude de direita tenderá a ser "o que tem que ser, tem que ser"). Se há insucesso escolar, é porque aprender é intrinsicamente díficil, e só com muito esforço se chega lá. Dai decorre, quer o individualismo económico da direita (já que há tendência para ver o mundo como um lugar aonde só os fortes sobrevivem), quer o seu "colectivismo" cultural (se a vida é feita de sofrimento, o melhor é que haja um forte ambiente de pressão social para reprimirmos os nossos desejos, para nos habituarmos logo).
Também daí deriva a sua atitude face ao Estado: como é pessimista, a direita, normalmente, defende que o Estado não deve intervir (já que o problema em questão deve ser insolúvel); mas, quando intervêm, tende a ser uma intervenção num estilo muito mais "decisivo" e "murro-na-mesa" do que a esquerda, exactamente porque o seu pessimismo, aí, leva-os a uma atitude de "não vale a pena estar a tentar agradar toda a gente!"
No entanto, eu tenho mais queda para complicar do que para simplificar, pelo que a minha tentativa de definição vai ser muito mais palavrosa.
Para começar, há o aparente paradoxo de "esquerda" e "direita" serem, simultaneamente, "individualistas" e "colectivistas", "estatistas" e "anti-estatistas": na economia, a esquerda tende a ser colectivista e a direita individualista; mas, em termos culturais e intelectuais, é a esquerda que valoriza mais a ideia do individuo pensar por si próprio e não ligar aos "preconceitos sociais", enquanto é a direita que valoriza mais a ideia de que uma tradição comum é o "cimento" da sociedade e que é impossivel o individuo procurar a "verdade" por sí próprio, ignorando os "ensinamentos" dos antepassados (a tese do direitista T.S. Eliot acerca da obra de um poeta ser também o produto dos "poetas mortos" que o influenciaram é um optimo exemplo).
Também na atitude face ao Estado, parece haver uma ambiguidade na esquerda e na direita: a direita simpatiza com um Estado pequeno e forte, e a esquerda com um Estado grande e fraco (normalmente, a esquerda não lhe chama "fraco", mas a ideia é essa).
No entanto, creio que há um fio condutor nessas aparentes contradições: optimismo vs. pessimismo:
A esquerda é optimista (é tipicamente século-dezoitista) - acredita que os problemas têm solução, é só pensarmos um bocadinho que descobrimos uma (perante uma tarefa dificil, a atitude de esquerda por excelência é pensar "deve haver uma maneira mais fácil de fazer isto"). P. ex., se há insucesso escolar, o problema, concerteza, estará nos métodos educativos e a solução será adoptar métodos educativos melhores.
Assim, como a esquerda tende a considerar o "sofrimento", não como um facto imutável da vida, mas sim como sinal de uma má organização social, simpatiza com as vítimas da sociedade, o que conduz ao igualitarismo económico, e, portanto, ao (ou a algum) colectivismo (embora a associação igualitarismo>colectivismo não seja automática: no século XIX, o ideal dos republicanos anti-clericais e dos anarquistas individualistas era mais uma sociedade de pequenos produtores autónomos).
Por outro lado, o optimismo da esquerda conduz também ao seu individualismo cultural e intelectual: se todo o "sofrimento" existente resulta de uma má organização social, e se os problemas resolvem-se inventando novas soluções, decorre naturalmente - pelo menos em teoria - a defesa de uma atitude crítica e "livre-pensadora"; também decorre, quase naturalmente, que não faz sentido "reprimir" a nossa personalidade para nos adaptarmos aos "preconceitos sociais" (isso seria o caso típico da organização social impedir a felicidade).
Quanto à atitude face ao Estado, também decorre desse optimismo: como acredita que os problemas têm solução, a esquerda é mais dada a, perante qualquer problema, advogar que o Estado intervenha para o solucionar; mas, exactamente, porque acredita que os problemas têm solução, essa intervenção tende a ser num estilo "soft", "dialogante", procurando que quase toda a gente fique contente.
A direita é pessimista - acredita que o mundo é, sobretudo, "sangue, suor e lágrimas", e que qualquer beneficio tem um sacrificio implicito (perante uma tarefa díficil, a atitude de direita tenderá a ser "o que tem que ser, tem que ser"). Se há insucesso escolar, é porque aprender é intrinsicamente díficil, e só com muito esforço se chega lá. Dai decorre, quer o individualismo económico da direita (já que há tendência para ver o mundo como um lugar aonde só os fortes sobrevivem), quer o seu "colectivismo" cultural (se a vida é feita de sofrimento, o melhor é que haja um forte ambiente de pressão social para reprimirmos os nossos desejos, para nos habituarmos logo).
Também daí deriva a sua atitude face ao Estado: como é pessimista, a direita, normalmente, defende que o Estado não deve intervir (já que o problema em questão deve ser insolúvel); mas, quando intervêm, tende a ser uma intervenção num estilo muito mais "decisivo" e "murro-na-mesa" do que a esquerda, exactamente porque o seu pessimismo, aí, leva-os a uma atitude de "não vale a pena estar a tentar agradar toda a gente!"
2 comments:
Muito obrigado por este post.
É uma forma de responder a perguntas que eu me tenho vindo a fazer.
Muito bom, Miguel. Nada longo, antes um bom comeco para uma discussao civilizada, como e' apanagio teu. Eu confesso (talvez por influencia Espadiana) que gosto cada vez menos da dicotomia esquerda-direita, e por essa razao e' que tenho algum pavor a escrever muito sobre isso. Prefiro dualismos simplistas mas que sirvam de "farol" para "rough distinctions" do que elaboracoes maiores... mas isso e' gosto pessoal, atencao. Prometo que vou reler e ver se consigo dar algum contributo a este interessante tema.
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