Hoje em dia, é moda, em certos quadrantes, falar contra o "politicamente correcto", o "multiculturalismo", o "relativismo", etc. O que será que esta conversa toda quer dizer?
Para começar, o que é o "multiculturalismo"? Nem eu sei bem, mas creio que podemos dar-lhe, pelo menos, 3 sentidos possíveis: A-achar que é desejável que haja várias tradições culturais dentro de uma sociedade; B-achar que devemos estar abertos a outras culturas, sem nos deixarmos levar pelos nossos preconceitos de origem; ou C-achar que não há valores universais, independentemente da "cultura" (em rigor, só este ultimo sentido pode ser chamado de "relativismo cultural").
Ora, é perfeitamente possível subscrever alguns destes sentidos sem subscrever outros. P.ex, os sentidos B e C, filosoficamente, são quase opostos: um é de base racionalista/iluminista (o individuo deve-se "libertar" da tradição), o outro é exactamente o oposto (nós não passamos de escravos da nossa tradição particular).
Também é perfeitamente possível defender a coexistência de varias culturas e acreditar em valores universais: uma pessoa pode ser a favor do multiculturalismo-A exactamente por achar que, havendo várias tradições em paralelo, os individuos serão menos influenciados pela "sua" tradição particular e, assim, mais facilmente descobrirão os "valores universais". O inverso é também possível: a "Nouvelle Droite" francesa é contra o multiculturalismo-A exactamente porque acha que a "mistura" destrói as especificidades nacionais, ou seja, é radicalmente anti-universalista; e que dizer da teoria do "Choque de civilizações", totalmente anti-multiculturalista, mas, se formos ver bem, "relativista" até à medula dos ossos (afinal, a base dessa teoria é que as várias civilizações são radicalmente diferentes e, portanto, incompativeis)?
"Relativismo" também não é "equivalencia moral". Imagine-se que se está a falar das violações dos direitos humanos nalgum país árabe. Então, alguém levanta-se e contrapõe com exemplos de violações similares no Ocidente. Concerteza, está a estabelecer uma "equivalência moral"; mas estará a ser "relativista"? Claro que não. O que esse individuo está a dizer é que os dois casos são "equivalentes" por serem parecidos. "Relativismo" é exactamente o oposto: dizer que os dois casos são "equivalentes" por serem tão "diferentes" quem nem se podem comparar.
Aproveito para citar o post de Kevin Carson "A (Partial) Neoconservative Lexicon":
Moral Relativism. Aka historicism. The denial of any unified, objective standard of value. The diametric opposite of Moral Equivalence (q.v.).
Moral Equivalence. Judgment of the United States government by the same unified, objective standard of value as the governments of other countries. The diametric opposite of Moral Relativism (q.v.).
Moral Clarity. The Zen-like state of mind from which it is possible accuse the same political enemy, simultaneously, of both Moral Relativism and Moral Equivalence.
Mas, qual é a importancia disto tudo? É que, manipulando estas definições, e saltando de uma para a outra a bel-prazer, os conservadores conseguem sempre chegar ao "relativismo", e dizer que os seus adversários são a favor de um regime tipo talibã (já que seriam contra os valores universais, e logo não poderiam ser contra a sharia nos países islâmicos).
Para começar, o que é o "multiculturalismo"? Nem eu sei bem, mas creio que podemos dar-lhe, pelo menos, 3 sentidos possíveis: A-achar que é desejável que haja várias tradições culturais dentro de uma sociedade; B-achar que devemos estar abertos a outras culturas, sem nos deixarmos levar pelos nossos preconceitos de origem; ou C-achar que não há valores universais, independentemente da "cultura" (em rigor, só este ultimo sentido pode ser chamado de "relativismo cultural").
Ora, é perfeitamente possível subscrever alguns destes sentidos sem subscrever outros. P.ex, os sentidos B e C, filosoficamente, são quase opostos: um é de base racionalista/iluminista (o individuo deve-se "libertar" da tradição), o outro é exactamente o oposto (nós não passamos de escravos da nossa tradição particular).
Também é perfeitamente possível defender a coexistência de varias culturas e acreditar em valores universais: uma pessoa pode ser a favor do multiculturalismo-A exactamente por achar que, havendo várias tradições em paralelo, os individuos serão menos influenciados pela "sua" tradição particular e, assim, mais facilmente descobrirão os "valores universais". O inverso é também possível: a "Nouvelle Droite" francesa é contra o multiculturalismo-A exactamente porque acha que a "mistura" destrói as especificidades nacionais, ou seja, é radicalmente anti-universalista; e que dizer da teoria do "Choque de civilizações", totalmente anti-multiculturalista, mas, se formos ver bem, "relativista" até à medula dos ossos (afinal, a base dessa teoria é que as várias civilizações são radicalmente diferentes e, portanto, incompativeis)?
"Relativismo" também não é "equivalencia moral". Imagine-se que se está a falar das violações dos direitos humanos nalgum país árabe. Então, alguém levanta-se e contrapõe com exemplos de violações similares no Ocidente. Concerteza, está a estabelecer uma "equivalência moral"; mas estará a ser "relativista"? Claro que não. O que esse individuo está a dizer é que os dois casos são "equivalentes" por serem parecidos. "Relativismo" é exactamente o oposto: dizer que os dois casos são "equivalentes" por serem tão "diferentes" quem nem se podem comparar.
Aproveito para citar o post de Kevin Carson "A (Partial) Neoconservative Lexicon":
Moral Relativism. Aka historicism. The denial of any unified, objective standard of value. The diametric opposite of Moral Equivalence (q.v.).
Moral Equivalence. Judgment of the United States government by the same unified, objective standard of value as the governments of other countries. The diametric opposite of Moral Relativism (q.v.).
Moral Clarity. The Zen-like state of mind from which it is possible accuse the same political enemy, simultaneously, of both Moral Relativism and Moral Equivalence.
Mas, qual é a importancia disto tudo? É que, manipulando estas definições, e saltando de uma para a outra a bel-prazer, os conservadores conseguem sempre chegar ao "relativismo", e dizer que os seus adversários são a favor de um regime tipo talibã (já que seriam contra os valores universais, e logo não poderiam ser contra a sharia nos países islâmicos).
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