Trotsky foi o principal defensor da tese que a URSS era apenas um "Estado operário deformado" e que a "burocracia" (isto é, os dirigentes do partido, do estado e das empresas estatais) não era uma nova classe privilegiada, mas apenas um grupo privilegiado; há época, quem mais se opôs a essa posição foram talvez Bruno Rizzi e James Burnham (este mais tarde passou-se para a direita), que consideravam que os "burocratas" eram mesmo uma classe social (Rizzi e Burnham eram da opinião que o estalinismo, o fascismo europeu e o New Deal de Roosevelt eram a expressão do mesmo fenómeno - o estabelecimento dos gestores não-proprietários como a nova classe dominante, distinta tanto dos capitalistas como dos trabalhadores).
Trotsky:
"As iniciativas para apresentar a burocracia soviética como uma classe «capitalista de estado» não resiste visivilmente à critica. A burocracia não tem titulos nem acções, recruta-se, completa-se e renova-se, graças a uma hierarquia admnistrativa, sem ter direitos particulares em matéria de propriedade. O funcionário não pode transmitir aos seus herdeiros o direito à exploração do Estado. Os privilégios da burocracia são abusos. Ela esconde os seus rendimentos. Dissimula ou finge não existir como grupo social (...)"
"Não se poderá pensar, evidentemente, que a burocracia abdicará em favor da igualdade socialista. como se sabe, apesar dos grandes inconvenientes desta operação, ela restabeleceu as patentes e as condecorações; será, pois, inevitavelmente necessário que procure apoio nas relações de propriedade. Objectar-se-á provavelmente que pouco importará ao grande funcionário as formas de propriedade donde tira os seus rendimentos. Mas isto é ignorar a instabilidade dos direitos do burocrata e o problema da sua descendência. O culto recente da familia soviética não caiu do céu. Os privilégios que não se podem legar aos descendentes perdem metade do seu valor. Ora, o direito de legar é inseparável do direito de propriedade" ("A Revolução Traída"- "É a burocracia uma classe dirigente?")
Rizzi:
"If one wants to know the relations of domination and servitude, the way in which the surplus value is pumped out of direct producers must be sought."
"In Soviet society the exploiters do not appropriate the surplus value directly, as the capitalist does in cashing the dividends of his enterprise, but they do so indirectly, through the State which appropriates the whole national surplus value and then shares it out amongst the officials themselves. A good part of the bureaucracy, viz., technical specialists, managers, Stakhanovites, etc., etc., are to a certain extent authorised to deduct directly their very high salaries at the enterprise they control. In addition, they also enjoy, as do all the bureaucrats, the State “services” paid from surplus value which, in honour of the forms of “socialist” life, are very important and very numerous in the USSR."
"The bureaucracy as a whole pumps out the surplus value from the direct producers through a colossal inflation of the general expenses in the “nationalised” enterprises. It is a question, not of the 2 to 3 per cent for administrative expenses observed in Naville’s famous collective farm, but of enormous percentages which make the hairs of the most brazen capitalism stand on end and which are mentioned in the works of Trotsky himself."
"We see then that exploitation passes from its individual form to a collective form, in accordance with the transformation of property. There is a class which en bloc exploits another in accordance with class property, and which then goes on to distribute through the State the proceeds internally amongst its members. (The inheritance of bureaucratic posts is to be expected.) The new privileged swallow up the surplus value through the State machine, which is not just a machine for political oppression but is also a machine for administering the nation’s economy. The machine for exploitation and for the maintenance of social privileges has been united in a single organ; a perfect apparatus, it could be said!"
"Labour power is no longer bought by the capitalists, but is monopolised by a single master: the State. The workers no longer go to offer their labour to different employers and chose the one who suits them the best. The law of supply and demand no longer functions: the workers are at the mercy of the State." ("A Burocratização do Mundo")
De qualquer forma, creio que os casos cubano e norte-coreano lançam uma nova luz sobre este assunto.
2 comments:
é também interessante ver a discussão existente entre Charles Bettelheim e Paul Sweezy sobre este problema
http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Bettelheim
http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Sweezy
a polémica entre eles sobre a natureza da classe no poder na URSS e na China foi publicada em Portugal ainda antes do 25 de Abril
curiosamente não penso que seja ou que tenha sido uma discussão estéril
penso que quem se preocupa com a igualdade no acesso aos recursos pode descobrir muitas pistas sobre organização social e económica e como deve e como não deve ser efectuada a redistribuição de recursos resultante de um dado tipo de organização económica
há quatro anos escrevi o seguinte post no meu blogue:
Soube, pelo Estudos sobre o comunismo que morreu Paul Sweezy.
Segue-se aqui a transcrição do comentário que lá fiz.
“Sociedades de Transição: Luta de Classes e Ideologia Proletária foi um dos livros que mais marcaram a minha adolescência (foi aliás um dos livros que melhor me armou nessa altura contra a ideologia trotzkista). Está escrito de um modo extremamente acessível e, ainda hoje ao relê-lo, constato que, paradoxalmente, apesar de há muito tempo ter abandonado o marxismo, é um livro que traz um importantíssimo contributo inconsciente e indirecto para a questão fundamental e actual do papel da vontade na transformação da realidade. O velho problema (marxista e não só) do determinismo versus voluntarismo.
Eis um pequeno excerto :
« Mas a transformaçâo radical das relações dos trabalhadores entre si e com os seus meios de produção, o desaparecimento total das relações de produção burguesas e da divisão social do trabalho, não pode ser produto «espontâneo» do «desenvolvimento das forças produtivas». Essa transformação só pode ser o resultado de uma longa luta de classes conduzida sob a ditadura do proletariado, de uma luta de classe que se desenvolva numa via correcta, o que exige que ela seja guiada pelas concepções marxistas-leninistas nas suas formas mais desenvolvidas, quer dizer, tal como hoje se apresenta tendo em conta os ensinamentos da revolução chinesa. »
Lembro-me de pensar o Paul Sweezy como um trotzkista inconsciente levado ao bom caminho do voluntarismo maoísta pelo valoroso Charles Bettelheim. E como a partir daí comprava todos os livros publicados por Charles Bettelheim (diversos volumes da « luta de classes na URSS » perdidos por diversos lugares ao longo do tempo). E continuo a pensar, já longe do marxismo-leninismo, e em pleno « militantismo » cristão, que Charles Bettelheim tinha razão.”
Sociedades de Transição: Luta de Classes e Ideologia Proletária é um livro que, se devidamente descodificado e "traduzido" para uma linguagem mais actual, continua bastante interessante. A pretexto da discussão em torno da questão de saber se as camadas sociais dominantes constituíam uma verdadeira classe social (como sustenta(va)m os maoístas) ou uma simples casta cujo domínio era conjuntural (como sustenta(va)m os trotzkistas) passa para outras questões que continuam actuais sobre a caracterização de uma sociedade socialista, nomeadamente o papel do mercado e da economia planificada, da propriedade privada e da propriedade colectiva, etc.
Mas, do meu ponto de vista pessoal, a grande questão ainda actual, que se encontra camuflada ideologicamente dada a natureza da discussão travada, mas cada vez mais evidente para o fim da discussão é o papel da vontade ética humana na sua relação com uma realidade social e económica com características intrínsecas e automáticas derivadas da "natureza humana".
Isso é ainda mais visível numa entrevista dada em 1967 por Alberto Morávia a propósito da revolução cultural chinesa e que foi traduzida e incluída num livro com esse nome publicado em Portugal em fins da década sessenta.
Tal como não terá sido por acaso que, por essa altura, uma revista de católicos progressistas ("O Tempo e o Modo") foi tomada por maoístas.
Mas isso é um tema vastíssimo que não pode ser tratado num único post.
http://timoteoshel.blogspot.com/2004/03/soube-pelo-estudos-sobre-o-comunismo.html
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