Sunday, November 12, 2006

Cristianismo, Liberalismo e Liberdade

Já há algum tempo que no Blasfémias (e também no cinco dias) se discute se foi o cristianismo (ou o catolicismo?) que deu origem ao liberalismo.

A respeito da influência (ou não) do cristianismo/catolicismo para o liberalismo, os blasfemos lá saberão.

No entanto, a respeito da contribuição do cristianismo para a liberdade (que não será exactamente a mesma coisa que liberalismo), que dizer da (ou de parte da) Grécia antiga ou da República Romana que, tirando a escravatura (um grande "tirando", é verdade - já vou abordar esse ponto mais à frente), tinham um grau de liberdade talvez comparável ao dos países ocidentais modernos? E a Islândia (inicialmente "pagã") no principio da Idade Média, que até é apresentada como modelo por alguns "ultra-liberais" como David Friedman (ver aqui uma critica anarquista clássica a essa posição)? E estou apenas falando de sociedades mais ou menos organizadas em Estados (embora a Islândia talvez mais para "menos" do que para "mais") - se fôssemos às tribos germânicas ou eslavas pré-cristianização, então... (e que dizer dos lusitanos, descritos por um romano como "um povo que não se governa nem se deixa governar"?).

Claro que me podem dizer: e a escravatura?

A respeito da escravatura, é duvidoso dizer que o que faltou na República Romana ou na Grécia para não terem escravatura foi o cristianismo - afinal, a doutrina cristã, inicialmente, não se opunha à escravatura, e não impediu o seu ressurgimento na época da colonização da América (embora, é verdade, tenha desempenhado um papel no movimento abolicionista).

Há outro ponto que pode ser usado para deitar abaixo a minha tese que havia liberdade na Grécia antiga - a execução de Socrátes. Afinal, executar um pensador por "divulgar ideias que corrompiam a juventude" é mais próprio de um regime totalitário - no entanto, é preciso ver que, quando esse caso ocorreu, Atenas tinha acabado de se libertar de um regime ditatorial e de uma ocupação estrangeira - no fundo era uma situação mais comparável à França da Libertação do que ao dia-a-dia do Ocidente actual.

Por outro lado, o cristianismo, na altura do ano 1000 (mais século, menos século), foi um instrumento para a consolidação de regimes mais autoritários - há bastantes razões para pensar que a conversão dos monarcas da Escandinávia e da Rússia ao cristianismo foi para consolidar o seu poder (nomeadamente, no caso escandinavo, para transformar as monarquias electivas em hereditárias - a partir do momento em que o poder do rei passava a vir de Deus, através da Igreja, ganhava uma legitimidade própria independente da eleição pelos nobres).

1 comment:

Pedro Magalhães said...

A tentativa arrojada de fazer derivar o liberalismo do catolicismo (ou do cristianismo em geral)é de facto um disparate difícil de qualificar.

Se tomarmos o liberalismo como doutrina estritamente económica (como os escribas insurgentes e blasfemos usualmente fazem), verificamos que ele assenta numa concepção mecanicista da sociedade (enquanto troca de serviços entre indivíduos) que não deve rigorosamente nada ao cristianismo. Muito pelo contrário, o liberalismo clássico (Smith, Ricardo)emerge a par da (cruzes!) laicização do pensamento, no contexto do racionalismo filosófico, em nítido contraste com o cristianismo tradicional!

Enfim, são salgalhadas deste tipo que denunciam o conservadorismo reaccionário que tantas vezes se esconde atrás da designação de «liberal».