Ricardo Alves e Rui Albuquerque discutem se a propriedade privada é natural, a propósito, entre outras coisas, de Rui Albuquerque dizer que «[r]etirar propriedade aos seus legítimos possuidores sem o seu consentimento, é contrário ao direito natural e violenta a natureza humana».
A mim parece-me que, quer Ricardo Alves, ao pôr em causa o carácter "instintivo" do desejo de propriedade privada, quer Rui Albuquerque, a contra-argumenter que a propriedade é efectivamente instintiva, estão a deixar de lado uma coisa - é que, quer consideremos a propriedade como "natural" ou não, basta ver um documentário sobre a natureza (p.ex., uma disputa territorial entre dois jaguares) para concluirmos que "retirar propriedade aos seus possuidores sem o seu consentimento" é do mais natural e instintivo que há (logo, não será contrário ao "direito natural" nem violentará a "natureza humana").
Ainda a respeito da propriedade ser natural, como defende Rui Albuquerque, a mim há uma coisa que me parece clara - a "propriedade absentista" (i.e., a propriedade que não é para uso pessoal e directo do proprietário) não é natural. Mesmo que deiamos razão a Rui Albuquerque quando este refere a organização territorial de outros animais, parece-me que o equivalente à "grande propriedade privada" é inexistente - ou seja, temos a "pequena propriedade privada" (os territórios/recursos que cada individuo utiliza exclusivamente para si) e a "grande propriedade colectiva" (os territórios/recursos do "bando"), mas não "grande propriedade privada" (territórios/recursos controlados por um individuo, mas utilizados por vários) - p.ex., há uma esécie de "propriedade" nos ninhos de cegonhas (cada casal tem o seu, que se mantém durante anos), mas, que se saiba, não há "cegonhas-senhorias" e "cegonhas-inquilinas" (eventualmente a pagar um aluguer em ratos pelo uso do ninho...).
Poder-se-á argumentar se, nos animais sociais, o "chefe da matilha" não será o equivalente a um "grande proprietário", que "possui" o território do bando, mas acho que não - ao contrário, digamos, de um empresário, que manda na empresa porque é o dono dela, um "chefe de matilha" (ou alpha male, ou como lhe queiramos chamar...) é o "dono" do território do bando porque manda nele; ou seja, será algo mais parecido com o feudalismo ou o "modo de produção asiático" (ou, já agora, com os antigos regimes comunistas), em que o controlo sobre os recursos económicos deriva do poder politico/social do que com um sistema de propriedade individual*.
Finalmente, no caso particular da propriedade do solo, creio que o que era usual em muitas sociedades até muito recentemente não era a propriedade privada, mas a propriedade colectiva da aldeia ou do clã - quer as aldeias que possuíam terras comunitárias e as distribuíam periodicamente em parcelas pelos seus membros (como no mir russo ou na marca germãnica), quer os domínios aristocráticos hereditários e inaleanáveis eram mais formas de propriedade "colectiva" (seja da aldeia ou da dinastia senhorial) do que "privada".
*aliás, talvez o grande disparate do marxismo tenha sido a sua tese que é a infra-estrutura económica que determina a super-estrutura politica e social, quando na maior parte das sociedades humanas foi ao contrário.
A mim parece-me que, quer Ricardo Alves, ao pôr em causa o carácter "instintivo" do desejo de propriedade privada, quer Rui Albuquerque, a contra-argumenter que a propriedade é efectivamente instintiva, estão a deixar de lado uma coisa - é que, quer consideremos a propriedade como "natural" ou não, basta ver um documentário sobre a natureza (p.ex., uma disputa territorial entre dois jaguares) para concluirmos que "retirar propriedade aos seus possuidores sem o seu consentimento" é do mais natural e instintivo que há (logo, não será contrário ao "direito natural" nem violentará a "natureza humana").
Ainda a respeito da propriedade ser natural, como defende Rui Albuquerque, a mim há uma coisa que me parece clara - a "propriedade absentista" (i.e., a propriedade que não é para uso pessoal e directo do proprietário) não é natural. Mesmo que deiamos razão a Rui Albuquerque quando este refere a organização territorial de outros animais, parece-me que o equivalente à "grande propriedade privada" é inexistente - ou seja, temos a "pequena propriedade privada" (os territórios/recursos que cada individuo utiliza exclusivamente para si) e a "grande propriedade colectiva" (os territórios/recursos do "bando"), mas não "grande propriedade privada" (territórios/recursos controlados por um individuo, mas utilizados por vários) - p.ex., há uma esécie de "propriedade" nos ninhos de cegonhas (cada casal tem o seu, que se mantém durante anos), mas, que se saiba, não há "cegonhas-senhorias" e "cegonhas-inquilinas" (eventualmente a pagar um aluguer em ratos pelo uso do ninho...).
Poder-se-á argumentar se, nos animais sociais, o "chefe da matilha" não será o equivalente a um "grande proprietário", que "possui" o território do bando, mas acho que não - ao contrário, digamos, de um empresário, que manda na empresa porque é o dono dela, um "chefe de matilha" (ou alpha male, ou como lhe queiramos chamar...) é o "dono" do território do bando porque manda nele; ou seja, será algo mais parecido com o feudalismo ou o "modo de produção asiático" (ou, já agora, com os antigos regimes comunistas), em que o controlo sobre os recursos económicos deriva do poder politico/social do que com um sistema de propriedade individual*.
Finalmente, no caso particular da propriedade do solo, creio que o que era usual em muitas sociedades até muito recentemente não era a propriedade privada, mas a propriedade colectiva da aldeia ou do clã - quer as aldeias que possuíam terras comunitárias e as distribuíam periodicamente em parcelas pelos seus membros (como no mir russo ou na marca germãnica), quer os domínios aristocráticos hereditários e inaleanáveis eram mais formas de propriedade "colectiva" (seja da aldeia ou da dinastia senhorial) do que "privada".
*aliás, talvez o grande disparate do marxismo tenha sido a sua tese que é a infra-estrutura económica que determina a super-estrutura politica e social, quando na maior parte das sociedades humanas foi ao contrário.
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