Wednesday, May 13, 2009

Keynesianismo e intervenção do Estado

A teoria económica de Keynes gira à volta da ideia de que a intervenção do Estado é necessária para fazer a economia sair das crises (ou, pelo menos, para não demorar anos a sair dela), e toda a gente (críticos ou defensores) a vê dessa forma. Inclusivamente, até há quem diga (como Chris Dillow) que o keynesianismo, com a sua ideia de que é possível salvar o sistema de propriedade capitalista dos meios de produção recorrendo à intervenção macro-económica do Estado foi das piores coisas que aconteceu à esquerda, já que levou a grande parte desta a abandonar a oposição à divisão de classes entre patrões e trabalhadores e à autoridade dos primeiros sobre os segundo, concentrando-se apenas na defesa do intervencionismo estatal. Ou seja, Keynes terá sido responsável por enfraquecer os aspectos "bons" (o igualitarismo e o anti-capitalismo) e fortalecer os "maus" (o estatismo) da esquerda.

Mas será que a teoria keynesiana implica mesmo a defesa da intervenção estatal? Contra o que penso fosse a opinião do próprio Keynes, vou tentar argumentar que... NÃO.

E isto por duas ordens de razões.

O que defende o keynesianismo? Basicamente que, em caso de uma recessão económica, deve-se aumentar a quantidade de moeda em circulação; caso tal não resulte (nos casos em que se está na "armadilha da liquidez"), o Estado deve ter um deficit orçamental.

Ora, a partir do momento em que existe um banco central e uma moeda com curso forçado por lei, de certa forma é tão intervencionismo o banco fixar a quantidade de moeda (à Friedman) como variá-la.

E a respeito dos deficits, imagine-se dois casos: um Estado que cobra impostos equivalentes a 20% do PIB e cujas despesas oscilam entre 15% (durante as expansões) e 25% (durante as crises) do PIB; e um Estado com uma politica orçamental rigorosa, cujas despesas e receitas (seja qual for a conjuntura) são sempre de 43% do PIB. O primeiro faz uma politica keynesiana, o segundo não; mas o segundo é muito mais intervencionista que o primeiro.

Aliás, o keynesianismo até pode ser usado como argumento para baixar os impostos - com mais dinheiro nos bolsos, os contribuintes gastam mais e animam a economia; creio que as reduções de impostos do Bush foram um bocado "vendidas" nessa base (o argumento keynesiano para baixar os impostos não deve ser confundido com o argumento supply-sider - de que, com menos impostos, as empresas têm maior incentivo para investir e assim animam a economia; no entanto, por vezes, os dois argumentos misturam-se um bocado).

Numa versão extrema, até poderiamos imaginar um sintese entre keynesianismo e liberalismo, que defendesse a regra "durante as crises, baixar os impostos; durante as expansões, reduzir a despesa".

É verdade que os keynesianos costumam defender que um deficit criado por aumento da despesa é "melhor" do que um por redução dos impostos, mas reconhecem que a redução de impostos também aumenta a "procura agregada".

Esta é a primeira ordem de razões.

A segunda é que é possivel pôr em prática uma "politica" keynesiana por meios puramente privados (por isso é que eu pus "politica" dentro de aspas).

Vamos à questão da reduzida massa monetária. Esse problema pode ser resolvido(?) pelo sistema de um grupo de pessoas se associar, imprimirem uns papelinhos a dizer "Vale 10 euros" (ou inventarem uma designação própria) e comprometerem-se a aceitá-los como pagamento.

Ou então nem precisam de ter uma moeda fisica: podem simplesmente criar um sistema contabilistico, em que começam todos com um saldo de zero euros, e quando eu compro alguma coisa ao Fernando no valor de 100 euros, passo a ter um saldo de -100 euros e ele um saldo de +100, sem nenhum dinheiro fisico mudar de mãos. Se, p.ex., as regras do sistema permitirem aos membros chegarem a um saldo negativo de 500 euros, isso equivale na prática a um aumento da quantidade de moeda em circulação no valor de 500 euros por sócio (bem, não totalmente, já que essa moeda só serve para pagamentos entre os sócios).

O que eu estou a descrever não é nenhuma invenção - mais não é que um LETS, um sistema usado em muitos sítios.

A esse respeito (LETS, "moedas locais", etc.), o economista liberal (penso que versão Chicago, não Viena ou Auburn) Tyler Cowen escreveu há uns tempos:

I am more positively inclined than is Tim. First, local currencies blossom when the nominal money supply is too low and wages and prices are sticky downwards. A boost in the real money supply is needed and the private sector will do it -- albeit at high transactions costs -- even if the government will not. That's why so many of these local currencies blossomed in the 1930s but then disappeared. They did good but then they were stamped out or ceased to be necessary.

E, na actualidade, creio que essas moedas locais têm aparecido exactamente em épocas de depressão económica. A que é talvez a mais famosa de todas - o "hour" da cidade norte-americana de Ithaca - apareceu durante aquela recessão do principio dos anos 90 (a que fez o Bush pai perder as eleições). Também o WIR suiço (uma espécie de banco cooperativo cujo funcionamento faz lembrar vagamento o LETS) apareceu numa crise económica, a dos anos 30.

Bem, já temos uma maneira de aumentar a moeda em circulação sem intervenção do Estado. Mas, e quando já estamos na tal "armadilha da liquidez", em que um aumento da moeda em circulação apenas origina um aumento da moeda que os agentes entesouram?

Aí, penso que também há uma solução (que já foi posta em prática nalguns sitios): é as "notas" emitidas pela associação/cooperativa/o-que-lhe-queiramos-chamar serem impressas dizendo "esta nota só é válida até dia 31/05/2010". A partir dessa data, os membros da associação já não aceitariam essas notas como pagamento, e elas teriam que ser trocadas por notas novas, com desconto. Assim, quem as recebesse teria um incentivo para as gastar (no fundo, algo parecido com o modelo aqui proposto). Creio que os "créditos" argentinos funcionavam assim, embora não consiga encontrar nenhuma referencia.

Assim, se vivêssemos numa sociedade sem uma moeda oficial, talvez fosse possivel aos keynesianos organizarem-se em cooperativas de crédito mútuo (ou seja, bancos centrais descentralizados, passe o paradoxo) e os "austríacos" usarem as notas de bancos com reservas de ouro a 100%, e com o tempo talvez se visse qual seria o sistema que funcionaria melhor.

No entanto, a partir do momento em que há uma moeda com curso legal, suspeito que isso não funcionasse - as moedas alternativas (sejam elas expansionistas ou anti-inflacionistas) poderão minimizar os efeitos das politicas do banco central, mas estas serão sempre decisivas, devido à vantagem competitiva (legal) que a moeda "oficial" tem.

1 comment:

Rafael Hotz said...

estaria a nascer o "anarco-Keynesianismo"? rs...