Tuesday, February 09, 2010

As censuras

A respeito do manifesto "Todos pela liberdade", no Arrastão re-lembra-se a defesa por Rodrigo Adão Fonseca de que o Público não deveria publicar as opiniões de Rui Tavares.

N'O Insurgente responde-se, argumentando com o direito de um proprietário gerir os seus meios de comunicação como bem lhe entende (diga-se que a resposta do próprio RAF foi ligeiramente diferente).

Recordando a polémica, note-se que, na altura, RAF não se limitou a defender o direito dos jornais a não darem voz "a radicais" (na verdade, o Belimiro de Azevedo não deu sinais públicos de se incomodar com as opiniões de Rui Tavares); defendeu que não o deviam fazer.

Suponho que, para uma perspectiva liberal, isso não seja defender a censura (embora pudesse levantar algumas questões de "thick vs. thin libertarianism"-pdf); no entanto, é um racíocino que ajuda a abrir as portas à censura - basicamente, a partir do momento em que se considera que a melhor maneira de lidar com opiniões erradas (isto é, com opiniões que RAF considera erradas) não é refutá-las demonstrado que e porque estão erradas, mas sim desejando que essas opiniões nem sequer cheguem a ser divulgadas, está-se a deitar pela janela um dos mais poderosos argumentos a favor da liberdade de expressão, que é o que é "da discussão que nasce a luz". Ou, citando um filósofo de há séculos atrás:


É verdade que Mill escreveu estas palavras a pensar na censura estatal, mas os argumentos que ele dá se aplicam também a "censura" privada, ou a qualquer coisa que limite a divulgação de opiniões minoritárias.

Mas se considerarmos que é bom que as ideias "erradas" não sejam muito lidas/divulgadas (ao contrário de Mill, que achava que as ideias correctas ficavam mais claras no confronto com as erradas), então o caso utilitário a favor da liberdade de expressão fica enfraquecido e o caso utilitário a favor da censura fortalecido.

Pondo as coisas de outra maneira - numa sociedade em que predomine a ideia que é bom que as ideias "erradas" sejam pouco divulgadas, a liberdade de expressão estará em grande perigo, porque aí quase todas as pessoas que, à partida, não sejam defensores incondicionais da liberdade de expressão tenderão a encarar positivamente a censura.

Já agora, se a generalidade dos leitores seguisse o exemplo de RAF e se recusasse a ler jornais com colunistas cujas ideias considerassem "erradas" e "radicais", os liberais seriam rapidamente erradicados da comunicação social (já que imagino que a maioria das pessoas, incluindo os leitores de jornais, considere as suas ideias "erradas" e "radicais").

[Noto que este post não é sobre a teoria liberal de que um proprietário de um jornal tem o direito de "calar" um colunista pelas suas ideias; é sobre a teoria de que deve fazer isso]

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