Friday, March 11, 2011

O derradeiro romance de esquerda?


uns dias atrás estava com dificuldade em arranjar uma expressão literária para a esquerda da" terceira geração". Bem, já achei, e ainda por cima um livro que tenho na minha estante (ao contrários de outros que citei, como Os Miseráveis, A Mãe ou As Vinhas da Ira, que nunca li na minha vida).

Está lá tudo - economia assente em cooperativas, pouca divisão do trabalho, ambientalismo, industrialização limitada, permissividade sexual, recurso às drogas "para expandir a mente", anti-militarismo, um modelo familiar alternativo reduzindo a autoridade parental, educação "centrada no aluno" e feita através de jogos, etc.

Com o bónus de ter sido escrito na Califórnia e no principio dos anos 60, por um autor que viria a ser um ídolo da contra-cultura.

Ainda por cima, o livro tem longos passagens a expor teorias, seja com alguns personagens a explicar os princípios por que se rege Pala (a ilha em questão), seja com o personagem principal a ler um livro sobre o assunto. Ou seja, penso que nesse aspecto será similar a Atlas Shrugged (outro que nunca li), que supostamente seria "o derradeiro romance de direita".

Agora, será que cumpre os critérios exigidos ("justify the welfare state and argue the limitations of the invisible hand.")?

Acerca da mão invisível - realmente a ordem social vigente em Pala não surgiu espontaneamente; foi criada pelo antigo Rajá e pelo seu conselheiro escocês (embora o livro me dê a ideia que eles não usaram o seu poder politico para impor as reformas, mas sim o seu prestigio social para convencer as pessoas a adoptar voluntariamente as suas ideias - usando a terminologia que usei aqui, Pala é uma ordem "construída", mas acho que não é "coerciva"); mas, por outro lado, o contraponto apresentado (um país vizinho governado por uma ditadura militar, em que o Estado faz grandes negócios com as empresas de armamento e com as companhias petrolíferas) também não é um exemplo de "mão invisível" a funcionar; o livro apresenta os grandes capitalistas de forma negativa, mas o grande pecado deles é exactamente tentarem influenciar governos para obter contratos favoráveis. Ou seja, o anti-capitalismo d'A Ilha não é tanto virado contra a "mão invisivel" do mercado, mas sim contra as relações entre os Estados e os grupos económicos.

Acerca do Estado Social - parece-me quase completamente ausente; sim, o ensino parece ser público e gratuito e há umas estufas (que me parecem estatais) onde se fazem experiências de agronomia, mas no geral o Estado, seja como patrão, seja como cobrador de impostos / distribuidor de subsídios parece ter pouco peso; é lá dito que o sistema da ilha não permite a alguém tornar-se muito rico ou muito pobre, mas isso parece ser feito através das cooperativas, não da segurança social ou de impostos progressivos (conceitos que não são referidos sequer no livro); ainda por cima a moeda de Pala parece ser garantida por ouro.

A questão final é se Aldous Huxley pode ser considerado "esquerda". A ideia que eu tenho é que se trata de alguém que parte de uma base liberal clássica para chegar a uma mistura de socialismo libertário e de conservadorismo (ou seja, uma postura algo difícil de classificar na dicotomia tradicional).

[P.S. o "derradeiro" foi inspirado pelo João Vasco]

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