Tuesday, January 01, 2013

Sobre a nova lei anti-tabaco

Pelos vistos, o ministro da Saúde considera insuficiente uma redução de 5% do número de fumadores.

Mas, mas, os objectivo da lei do tabaco não era reduzir o problema dos fumadores passivos? Desde que haja menos não-fumadores a apanhar involuntariamente com o fumo dos fumadores, o que é que interessa se há menos 5% ou menos 50% de fumadores? Até poderia ter aumentado o número de fumadores, desde que fossem fumar só em áreas para fumadores.

Claro que há o argumento que os fumadores representam mais despesa para o SNS, mas mesmo que esse argumento seja verdadeiro (e não tenho a certeza que o seja), isso, à partida, já será compensado pelos impostos adicionais que pagam.

E, já agora, porque razão é que "está para ser divulgada uma proposta de directiva europeia"? Afinal, não me parece que a legislação sobre o tabaco de um país tenha efeitos sobre os outros países (duvido que a poluição dos cigarros tenha efeitos relevantes a nível dos ecossistemas globais), logo porque é que isso há de ser decidido à escala da UE?

7 comments:

João Vasco said...

Miguel,

Concordo com o que dizes: o estado não devia ter como preocupação diminuir o número de fumadores: isso devia ser uma escolha de cada um.

Também concordo que as despesas acrescidas no SNS já são a razão que justifica os impostos sobre o tabaco, e que portanto não devem existir preocupações acrescidas para diminuir o número de fumadores - até vou mais longe e afirmo que estou contra as leis que protegem os fumadores passivos nos bares e cafés, visto que nesses espaços ninguém entra obrigado, e portanto deveria ser o dono do espaço a definir as regras, e os não-fumadores (como eu) seriam livres de entrar ou não entrar nesse espaço.

Posto isto, discordo do teu argumento de que afinal os maus hábitos de saúde não causam despesa acrescida no SNS porque levam a pessoa a morrer mais rápido e portanto a recorrer durante menos tempo aos serviços de saúde. Parece-me um erro tremendo de análise.
Os gastos do SNS devem ser olhados como uma despesa que a sociedade faz para atingir um nível de saúde, que tem como indicador razoável a esperança média de vida. Para uma dada esperança média de vida, quanto é que o estado tem de gastar? Todos os hábitos saudáveis diminuem as despesas com o SNS porque para aquela esperança média de vida é necessário gastar menos, e todos os hábitos pouco saudáveis aumentam as despesas com o SNS porque para a mesma esperança média de vida é necessário gastar mais.

Dizer que os fumadores poupam dinheiro ao SNS seria como dizer que os incendiários poupam dinheiro ao sistema de prevenção florestal por diminuírem o número de florestas a proteger. Duma certa perspectiva é verdade, mas parece uma forma deficiente de analisar os efeitos das suas acções. Para manter uma determinada área florestal intacta, uma maior proporção de pirómanos numa população tende a aumentar as despesas com a protecção florestal - esta parece a maneira correcta de analisar os efeitos do pirómano sobre o bem comum.

Miguel Madeira said...

"Para uma dada esperança média de vida, quanto é que o estado tem de gastar? Todos os hábitos saudáveis diminuem as despesas com o SNS porque para aquela esperança média de vida é necessário gastar menos"

Isso seria assim se as despesas com a saúde fossem decididas pelo critério "temos que atingir uma dada esperança de vida; se for menor que isso temos que aumentar a despesa, se for maior até pudemos reduzir"; mas penso que as despesas de saúde não são decididas assim, mas mais pelo critérios "temos que assegurar um dado nivel de cuidados a cada pessoa".

João Vasco said...

O critério não é o da esperança média de vida, é certo. Também não é o dos cuidados. O critério é o de aumentar a "saúde" (como o nome "Sistema Nacional de Saúde" indica). A esperança média de vida é um bom indicador da saúde, por isso é que o usei.

Quando olhamos para a eficácia dos sistemas de saúde olhamos para os gastos e para os efeitos. Quando poupamos nos gastos, mas diminuímos os efeitos de forma ainda superior, o sistema fica menos eficaz, e nesse sentido mais caro. Não porque o custo total seja maior, mas porque o racio custo/eficácia fica mais desvantajoso.
Porque se estivermos dispostos a ter uma esperança média de vida inferior, há formas mais baratas de o fazer do que pagar balúrdios para aumentar uns anos a esperança de vida, que depois as pessoas estoiram ao fumar (nota bem que acredito que as pessoas devem ser livres de o fazer - mas estão a tornar o SNS muito mais caro para os mesmos objectivos a que se propõe, e a baixar os objectivos haveria formas muito mais racionais de o fazer).

Ou seja: ou assumimos que o SNS é uma coisa má, e aí não existe SNS mais barato do que aquele que tem orçamento nulo; ou assumimos colectivamente que queremos usar dinheiro comum para comprar saúde comum, e aí o hábito de fumar é uma opção que aumenta o custo dessa compra, enquanto os hábitos saudáveis a embaratecem.

Miguel Madeira said...

"Também não é o dos cuidados."

Será que na prática não é? Pelo menos uma métrica que me dá a ideia que é muito usada para concluir-se que há muito ou pouco de um dado cuidado costuma ser as lista de espera / tempo que um doente leva a ser atendido. Portanto, na prática o que está a ser avaliado é a disponibilidade de serviços à população (sendo muitas listas de espera um indicador de que é preciso investir mais)

João Vasco said...

Essa perspectiva leva a absurdos como o desta sátira:

http://inepcia.com/2013/01/04/autoridades-recomendam-suicidio-para-assegurar-sustentabilidade-do-servico-nacional-de-saude/

Miguel Madeira said...

Pondo a questão de outra maneira: se os serviços que o SNS presta aos fumadores fossem 100% eficazes a garantir-lhes uma esperança de vida comparável aos não-fumadores, eu não teria dúvidas que eles sairiam mais caros; mas, se não forem 100% eficazes e os fumadores acabarem por, em média, morrer mais cedo que os não-fumadores, mantenho a minha opinião que não é certo que sejam mais caros - são mais caros por ano, mas vivem menos anos, logo efeito indeterminado.

[O único fumador que conheço - ou conhecia, infelizmente - que teve um cancro no pulmão provavelmente foi bastante caro ao SNS no ano em que esteve doente, mas como morreu aos 50 e tal anos ouve provavelmente 20 e tal anos que não usou o SNS; e nem se sabe se, num mundo alternativo em que não fumasse, quando chegasse aos 70 e tal não começasse a ter AVCs cujo tratamento implicasse ao SNS um custo similar ao do cancro]

João Vasco said...

Isto é um bocado uma questão de perspectiva.

Imagina que os preços da gasolina aumentam, e como consequência as pessoas consomem menos gasolina. Poderíamos dizer que o aumento dos preços fez com que as pessoas gastassem menos dinheiro em gasolina?

De uma perspectiva seria verdade (efectivamente tinham gasto menos dinheiro no total em gasolina), de outra perspectiva seria falso: por litro as pessoas teriam gasto mais dinheiro em gasolina.

Fumar é a mesma coisa: quanto mais comum for o hábito numa sociedade, mais cara fica a compra colectiva de vida, mas menos vida é "comprada" numa situação em que os recursos são limitados. Eu diria que torna o SNS mais caro, como no exemplo da gasolina, pois mesmo que em valor absoluto se gaste menos, o preço por "unidade" aumenta.