Atualmente, está a discutir-se nos EUA o "border adjustment tax". Pelo que percebo, é uma alteração ao imposto sobre os lucros no sentido de quando uma empresa compra produtos importados isso não contar como custo (o que significa que vão pagar mais impostos) e quando vende produtos para exportação isso não contar como proveitos (o que significa que vão pagar menos impostos).
Isso tem sido apresentado como sendo, na prática, um imposto sobre as importações e um subsídio sobre as exportações (e eu suponho que seja quase a mesma a coisa que implementar um IVA e usar a receita para baixar o IRC).
Tanto defensores como críticos da ideia têm dito que é uma coisa que até pode soar como protecionista, mas não o é realmente - o imposto de 20% sobre as importações e o subsidio de 20% sobre as exportações apenas vão fazer que o dólar valorize 25% (ou, dito de outra maneira, que as outras moedas desvalorizem 20%), deixando tudo na mesma em matéria de competitividade externa (pela conversa dos 20%, imagino que seja essa a taxa do imposto sobre os lucros).
Mas tenho dúvidas que seja mesmo assim (e, se fosse mesmo assim, qual era o interesse da medida?).
Vamos por partes - pelo lado das importações, se o dólar valoriza 25% e as compras ao estrangeiro passam a pagar um imposto de 20%, o custo, em dólares, que as empresas pagam quando importam um produto estrangeiro fica realmente na mesma: um produto importado com o valor nominal de 100 "estrangérios" (moeda hipotética que antes tinha uma cotação 1 estrangério = 1 dólar e depois vai ter uma cotação de 1,25 estrangérios = 1 dólar) antes custava 100 dólares, dos quais 20 depois iam ser abatidos nos impostos; depois vai custar 80 dólares (100 estrangérios), sem dedução fiscal - do ponto da vista da empresa importadora, fica tudo na mesma; assim, é de esperar que o volume das importações se mantenha, e que o seu valor nominal em dólares se reduza em 20% (mas o que os outros países recebem na moeda local fica igual).
Pelo lado das exportações, a ideia que vai ficar tudo na mesma parece estar a assumir que, deixando as exportações de estar sujeitas a imposto, os exportadores vão baixar o preço nominal das exportações na mesma proporção, o que é capaz de fazer sentido. Assim, antes uma empresa exportava bens no valor de 1000 dólares (dos quais 200 iam para imposto), e os compradores em Estrangeirabad pagavam 1000 estrangérios; depois a empresa vai exportar bens no valor de 800 dólares (livres de impostos) e os compradores vão pagar 1000 estrangérios por eles, ficando também tudo na mesma; de novo, é de esperar que o volume das exportações se mantenha, e que o seu valor nominal em dólares se reduza em 20%.
Assim, a balança comercial dos EUA ficava em termos físicos na mesma, e o seu saldo nominal em dólares decrescia 20% (correspondente à valorização de 25% do dólar).
Mas a história não fica só por aqui, já que a balança comercial tem que ser igual (ou, melhor simétrica) da balança de capital:
Exportações - Importações = Saídas de capital - Entradas de capital
(mais uns pozinhos de ambos os lados, mas acho que não afeta a ideia geral)
Se, num sistema de câmbios variáveis, o saldo da balança comercial fosse maior que o simétrico do saldo da balança de capital, isso quer dizer que haveria maior procura de dólares no mercado (para pagar as exportações e mais os investimentos nos EUA) do que oferta (resultante dos dólares que os norte-americanos gastam para pagar importações e investir no estrangeiro), fazendo o dólar subir até se equilibrarem as balanças, e vice-versa (atenção que aqui falo mais do desejo de exportar, importar, investir, etc., do que de exportações, importação, investimentos, etc. efetivamente realizados; a nivel do que acontece efetivamente, o valor da balança comercial é necessariamente igual ao simétrico do valor da balança de capital)
Um aparte - para efeitos disto que estou a dizer, acumular dólares em cofres colombianos conta como "entradas de capital" nos EUA.
Agora, a nível das operações de capital, no curto prazo iria haver uma confusão, com primeiro uma entrada massiva de capitais nos EUA para beneficiar da prevista valorização do dólar, e depois uma saída provavelmente também massiva, depois da valorização se consumar. Mas o que me interessa aqui é como as coisas vão funcionar depois do sistema estar a funcionar regularmente.
Se as taxas de juro, perfis de risco de países, etc., se mantiverem constantes, imagino que quem investe em mercados internacionais siga uma politica do tipo "40% no país A, 30% no país B, 10% no meu país", ou algo parecido (olhando para aquelas teorias de "carteira de mercado", e aplicando-as não à decisão "que títulos comprar", mas "em que países investir", parece-me natural que o resultado seja algo do género; e também já vi prospetos de fundos de investimento com conversas parecidas, não falando em países específicos, mas em mercados, estilo "20% em mercados emergentes"). Agora, se os investidores internacionais se comportarem assim, qual será o resultado dessa alteração de impostos e da suposta valorização do dólar?
A nível das entradas de capital, acho que acontece a mesma coisa - um investidor em Estrangeirabad que siga a política de investir em títulos norte-americanos (ou mesmo acumular dólares) digamos, 1/3, do seu rendimento anual, vai continuar a investir o que investia antes em estrangérios, mas em dólares o valor do seu investimento vai ser 20% menor (já que os, digamos, 100.000 estrangérios que ele investia todos os anos agora são 80.000 dólares e não 100.000).
O problema são as saídas de capital - assumindo que tudo o mais se mantém igual (nível de preços, taxa de juros, etc.) à partida não vejo grande razão para que o valor nominal dos investimentos norte-americanos no estrangeiro diminua (sim, sai mais barato em dólares, p.ex., comprar uma casa, ou mesmo uma empresa, mas suspeito que, no agregado, isso levaria sobretudo a que os investidores dos EUA comprassem mais coisas, não que gastassem menos dinheiro em dólares - ou mesmo que o valor nominal em dólares baixasse, duvido que baixasse em 20%).
Mas então assim, se o saldo da balança de pagamentos se reduziria em 20%, mas o da balança de capital não se reduziria em 20% (porque só uma das suas parcelas ia ter a tal redução de 20%), isso não poderia decorrer dessa maneira: se as saídas de capital dos EUA se reduzem numa proporção inferior a 20%, isso quer dizer que o saldo nominal da balança de capital não se iria reduzir em 20%, mas numa proporção inferior (se for negativo) ou superior (se for positivo, como penso ser o caso).
Mas como nesse cenário da valorização de 25% do dólar, o total da oferta de dólares (importações + saídas de capital) seria maior (ou, dito de outra maneira, iria descer menos) que o total da procura de dólares (exportações + entradas de capital), dá-me a ideia que o dólar iria valorizar menos que 25%, e nesse caso iria sempre haver um aumento real das exportações e uma diminuição real das importações dos EUA (ou seja, sempre iria haver um pouco de efeito protecionista, ou mercantilista).
O que os leitores (nomeadamente os que percebem mais e/ou mais interessados nestes temas) acham? Isto pode fazer algum sentido, ou há alguma falha no meu raciocínio (p.ex., eu assumi que o nível de preços e salários nos EUA não se alterava, mas não me admirava nada que, se se alterasse, isso mudasse tudo)?
Thursday, February 02, 2017
O "border adjustment tax"
Publicada por Miguel Madeira em 17:32
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