A respeito desta discussão entre Vital Moreira e João Rodrigues sobre se o "ordoliberalismo" é uma variante do "neoliberalismo", suspeito que o problema talvez esteja na história da palavra "neoliberalismo", que dá-me a ideia ter 3 sentidos distintos:
a) Nas décadas a seguir à II Guerra Mundial, era praticamente a mesma coisa que "ordoliberalismo", tendo o "neo-" o sentido de ser um "novo liberalismo", modernizado e sem os radicalismos do liberalismo clássico tradicional; p.ex., o texto de 1951 de Milton Friedman, "Neo-Liberalism and Its Prospects" [pdf] define "neoliberalismo" de uma forma praticamente idêntica a "ordoliberalismo"
b) A partir dos anos 80, "neoliberalismo" começou a ser usado pela esquerda para designar o movimento de privatização e desregulamentação da economia e redução dos impostos posto em prática por governantes como Reagan e Thatcher, e tendo como ideólogos Hayek e os economistas da Escola de Chicago, como Milton Friedman; neste sentido, o "neo-" tem um significado puramente cronológico, de ser, em termos temporais, uma nova vaga de liberalismo, depois do liberalismo do século XIX e do pré-I Guerra Mundial. Pode-se argumentar que Friedman mostra que os dois estão ligados, já que este escreveu o tal texto de 1951 sobre o "neoliberalismo" no sentido de ordoliberalismo, mas parece-me que não se pode fazer esse salto; em primeiro lugar, nem é certo que o Friedman dos anos 70/80/90/00 pensasse o mesmo que o de 1951; e, de qualquer maneira, não é por, pelos vistos, aceitar a politica anti-trust que Friedman é frequentemente chamado de "neoliberal" - é por todas as suas outras posições anti-intervenção e anti-regulação, e seria à mesma (ou se calhar ainda mais) chamado de "neoliberal" se fosse contra as leis anti-trust
c) Em certa altura, a partir dos anos 90, e com as políticas de Clinton, começou também a chamar-se, nos EUA, "neoliberais" aos "liberais" (no sentido norte-americano, isto é, social-democratas) mais adeptos de alguma desregulamentação (e talvez sobretudo dos acordos internacionais de comércio livre) - é praticamente a mesma coisa que na Europa se chamou "terceira via" (é neste sentido que, p.ex., um Brad DeLong se define por vezes como um "neoliberal"). Agora aqui, tal como no primeiro caso, o "neo-" tem a conotação de ser um "novo liberalismo", modernizado e sem os radicalismos do liberalismo tradicional - só que neste caso, o liberalismo tradicional é o "liberalismo" norte-americano dos anos 60/70. Diga-se que por vezes este sentido também se mistura com o anterior; p.ex., quando nas presidenciais de 2016 (nomedamente nas primárias Democratas) se dizia que Hillary Clinton representava as políticas neoliberais, dá-me a ideia que umas pessoas estavam a usar "neoliberal" neste sentido e outras no anterior
Por norma, o primeiro e o terceiro sentido são autoproclamados; já o segundo sentido praticamente só é utilizado pelos seus críticos.
Tuesday, July 11, 2017
Ordoliberalismo e neoliberalismo
Publicada por Miguel Madeira em 11:37
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