Monday, July 22, 2019

Socialistas, liberais e fascistas


- "Vocês não passam todos de materialistas decadentes que só falam em direitos e não em deveres"
- "Vocês não passam todos de defensores dos ricos, em busca de desculpas para justificar a desigualdade e os privilégios"
- "Vocês não passam todos de coletivistas que querem acabar com o carácter único de cada individuo"

Ou, numa versão com mais referências bibliográficas:


Ainda a respeito disso, Re: Pequeno esclarecimento.

11 comments:

Miguel Madeira said...

Face à questão que o João Vasco levantou "E onde ficam os anarquistas nesse esquema?", eu acrescentar que se estivermos a falar de anarquistas de esquerda tradicionais, não será muito dificil alargar a conversa para "You three guys are really the same" (pelo menos se os anarquistas e os socialistas estatistas forem suficientemente sectários, e muitos até o serão).

No caso dos fascistas e liberais nem é preciso alterar nada do que eles dizem, já que o que dizem de socialistas pode aplicar-se tanto a socialistas estatistas como a anarquistas.

O anarquista poderá dizer "Todos vocês querem manter uma sociedade em que uns mandam e outros obedecem, independentemente da classe dirigente serem chamados de governantes, ou de proprietários"

E o socialista estatista poderá dizer "Vocês são todos burgueses ou pequeno-burgueses que recusam a disciplina coletiva do movimento de massas do proletariado; tanto o culto do chefe como o culto da individuo formalmente livre e da empresa privada como a nostalgia pela independência do pequeno artesão pré-capitalista são manifestações da mentalidade individualista que recusa integrar-se na classe operária"

João Vasco said...

""You three guys are really the same" (pelo menos se os anarquistas e os socialistas estatistas forem suficientemente sectários, e muitos até o serão)."
Sim, aqui não há dúvidas e é muito comum ouvir este discurso (aliás muitos anarquistas [claramente!] de esquerda alegam não ser de esquerda precisamente pelo facto de acharem que o espectro político tradicional é "todo a mesma coisa" e que eles estão aparte)

"No caso dos fascistas e liberais nem é preciso alterar nada do que eles dizem, já que o que dizem de socialistas pode aplicar-se tanto a socialistas estatistas como a anarquistas."

Hum... Para fascistas, sem dúvida. Eles nem têm noção que os anarquistas estariam muitíssimo mais distantes deles do que estalinistas ou liberais porque está tudo tão longe que é tudo igual. E a frase "Vocês não passam todos de materialistas decadentes que só falam em direitos e não em deveres" aplica-se sem tirar nem pôr.

Mas quanto aos liberais, "Vocês não passam todos de coletivistas que querem acabar com o carácter único de cada individuo" não dá para se aplicar muito aos anarquistas.
Isto até me lembra um post teu sobre como passagens da Ann Ryand poderiam ser interpretadas como sendo de uma certa "esquerda" mais "individualista".
É mais difícil encaixar essa esquerda, incluindo os anarquistas, na caixa "colectivista".
Eu creio que o que facilita a vida aos liberais, quando dizem que a sua oposição é "toda igual" e colectivista, é que os anarquistas não têm hoje o peso que tinham há um século atrás.


E o socialista estatista poderá dizer "Vocês são todos burgueses ou pequeno-burgueses que recusam a disciplina coletiva do movimento de massas do proletariado; tanto o culto do chefe como o culto da individuo formalmente livre e da empresa privada como a nostalgia pela independência do pequeno artesão pré-capitalista são manifestações da mentalidade individualista que recusa integrar-se na classe operária"
Sim, sim. Pode dizer e diz! Já em vários contextos ouvi variações desse discurso.

Miguel Madeira said...

Desconfio que não costumas ser convidado para grupos liberais no Facebook - nesses grupos, quando se fala de anarco-sindicalismo/anarco-comunismo/etc. a opinião quase unánime é "não passam de comunistas".

Miguel Madeira said...

Por outro lado, quem divulgou no Twitter a imagem de cima, o Jesse Walker, é um liberal (no sentido europeu, "libertarian" em American English) mas até parece ter alguma simpatia pelo anarquismo de esquerda (ver, aliás, os textos dele que eu partilhei aqui, em que nalguns isso parece notar-se).

João Vasco said...

"Desconfio que não costumas ser convidado para grupos liberais no Facebook - nesses grupos, quando se fala de anarco-sindicalismo/anarco-comunismo/etc. a opinião quase unánime é "não passam de comunistas"."

Tens razão, não costumo. Mas sim, consigo imaginar o discurso.
Por curiosidade, esses grupos são todos visceralmente anti-Trump, ou são daqueles que dão cambalhotas para dizer que são liberais mas apoiam Trump? Lembro-me do Pedro Arroja defender no Blasfémias que Salazar tinha sido o estadista mais liberal em Portugal, pelo que há quem consiga fazer todos os malabarismos e mais alguns com o conceito.
O "sucesso" de Trump cria um bom "teste" para identificar se um grupo que se considera liberal o é efectivamente (aposto que o Blasfémias e o Insurgente se fartam de defender Trump contra "a esquerda colectivista", mas já há anos que nem espreito).


"Por outro lado, quem divulgou no Twitter a imagem de cima, o Jesse Walker, é um liberal (no sentido europeu, "libertarian" em American English) mas até parece ter alguma simpatia pelo anarquismo de esquerda (ver, aliás, os textos dele que eu partilhei aqui, em que nalguns isso parece notar-se)."

Ocorreu-me agora que a génese deste próprio blogue também passaria pelo facto de malta com tendências libertárias à esquerda e direita conseguir identificar semelhanças apesar das enormes diferenças, certo?
Por outro lado, o Carlos Novais não tem escrito de forma regular ou entusiástica, o que pode fazer deste exemplo que estou a dar um ponto contra a minha tese, ehehe.

Miguel Madeira said...

"Por curiosidade, esses grupos são todos visceralmente anti-Trump, ou são daqueles que dão cambalhotas para dizer que são liberais mas apoiam Trump?"

Defensores entusiastas do Trump e do Bolsonaro, e inimigos do "politicamente correto", do "marxismo cultural", da "direita Haddad" e da "ideologia do género", na sua maioria (quando a Iniciativa Liberal defende posições progressistas em matéria de costumes, muitos atacam-na porque acham que o que interessa é a economia; quando a IL se concentra mais na economia sem ligar muito a costumes, muitos também a atacam por só pensar na economia e ignorar a guerra civilizacional contra o "marxismo cultural" e a "ideologia do género"). Há uns tempos grande parte defendia o protecionismo do Trump com o argumento que é um meio para atingir como objetivo último o comércio livre, mas ultimamente já começaram a aparecer alguns a defender o proteccionismo mesmo por principio (embora penso que esses já começam a auto-abandonar a designação "liberal".

"aposto que o Blasfémias e o Insurgente se fartam de defender Trump contra "a esquerda colectivista", mas já há anos que nem espreito"

Contrariamente ao que eu esperaria há uns anos, o Blasfémias parece ter alinhado muito mais com a agenda trumpista que o Insurgente.

"Por outro lado, o Carlos Novais não tem escrito de forma regular ou entusiástica, o que pode fazer deste exemplo que estou a dar um ponto contra a minha tese"

Penso que ele tem andado mais no Facebook e pelo Instituto Mises; mas efetivamente a facção do liberalismo dele (o paleolibertarianism), que valoriza, parece-me, sobretudo a autonomia local e o anti-imperialismo, acabava por ter mais em comum com a esquerda libertária nos tempos de G.W. Bush (ou até nos de Obama), e das guerras pelo Médio Oriente todo, do que atualmente (em que estão mais ou menos do lado do Trump contra o establishment de Washington, que aparente ser muito mais intervencionista e militarista). Aliás, talvez seja por isso que o Blasfémias me parece mais "trumpista" que o Insurgente (que sempre teve mais influência neoconservadora).

Miguel Madeira said...

Uma coisa - quando o Trump foi eleito eu pensei que em breve perderia metade dos seus apoiantes, já que, a guiar-me pelo que li na net, uns apoiavam-no por ser um America Firster que ia deixar de se envolver em conflitos militares pelo mundo inteiro, e outros por ser um "duro" que ia inverter o que achavam ser a fraqueza e a capitulação do Obama (uma mistura de isolacionistas e super-falcões), e achava que era impossível satisfazer os dois lados ao mesmo tempo (ou seguia o Mike Pompeo, o John Bolton e o Victor Davis Hanson, ou seguia os isolacionistas). Curiosamente, a aliança trumpista conseguiu manter-se intacta (com os isolacionistas a convencerem-se que ele ainda não começou guerra nenhuma porque será um isolacionista como eles, e os super-falcões a convencerem-se que ele ainda não começou guerra nenhuma porque ele será tão falcão que a Coreia do Norte e o Irão têm medo dele e por isso vão ceder sem ser preciso guerra).

ATAV said...

Miguel Madeira

"...(quando a Iniciativa Liberal defende posições progressistas em matéria de costumes, muitos atacam-na porque acham que o que interessa é a economia; quando a IL se concentra mais na economia sem ligar muito a costumes, muitos também a atacam por só pensar na economia e ignorar a guerra civilizacional contra o "marxismo cultural" e a "ideologia do género")."

Quando é que a Iniciativa Liberal defendeu o liberalismo dos costumes? Só me lembro de ouvir o Ricardo Arroja falar de impostos... Os directos claro está, visto que ele não parecia estar particularmente interessado em reduzir o IVA.

Miguel Madeira said...

Quando foram a uma marcha do orgulho gay, com um cartaz com as fotos do Hitler e do Che Guevara, dizendo "unidos na homofobia"; isso causou grande polémica nas hostes, que estavam a colar-se à agenda do Bloco, etc.

ATAV said...

Ah! OK. Não sabia disso... Não encontrei nada nas notícias. Mas é claro que uma iniciativa dessas só podia dar bronca dentro daquela organização.

João Vasco said...

"Curiosamente, a aliança trumpista conseguiu manter-se intacta (com os isolacionistas a convencerem-se que ele ainda não começou guerra nenhuma porque será um isolacionista como eles, e os super-falcões a convencerem-se que ele ainda não começou guerra nenhuma porque ele será tão falcão que a Coreia do Norte e o Irão têm medo dele e por isso vão ceder sem ser preciso guerra)."

Excelente análise.
Eu diria que o homem à partida não tem convicções nenhumas e, na ausência de factores externos, tanto poderia fazer uma coisa como outra, consoante acordasse para um lado ou outro.
No entanto existe um factor externo muito relevante: Putin. Trump é tão ignorante que rasgou o acordo nuclear com o Irão sem perceber que Putin não iria querer uma invasão iraniana nem por nada. Trump andou a lavar dinheiro para os russos e agora anda em encontros com o Putin onde nem sequer os tradutores americanos são autorizados. Esta situação (subserviência a Putin) transforma Trump num "isolacionista.

Devo acrescentar que nesta matéria, a alternativa a não estar subserviente aos russos NÃO é pôr os interesses dos norte-americanos em primeiro lugar. Os Presidentes dos EUA em geral - e isto inclui Obama, embora em menor grau que os Presidentes republicanos em geral - são subservientes face à indústria de armamento.
Trump em certa medida também o é: por isso é que vai aumentar o orçamento para a defesa num contexto de défices recordes, e sem recursos para aumentar os salários das tropas, etc. Mas entre o complexo militar-industrial e Putin, Putin parece mandar mais. No que diz respeito às relações com o Irão e Síria, ainda bem.