Monday, March 02, 2020

Os três blocos judeus de Israel

Há tempos li um artigo chamado Nobody hijacked Israel. It's just not what its pioneers thought they'd created, publicado pelo Times of Israel.

O entrevistado nesse artigo faz uma distinção entre os judeus da Europa (os sobreviventes de Varsovia, os pioneiros dos kibbutzim, etc., que continuam a moldar muito a ideia que se tem de Israel) e os judeus oriundos do Médio Oriente, que atualmente serão metade da população judaica (e com tendência a assimilar os descendentes dos judeus europeus):

Many Israelis think the basis of the country is the European Jewish world — Herzl and Ben-Gurion — and that the Jews of the Middle East then came and joined that story. I think it’s the opposite: Israel is part of the continuum of Judaism in the Muslim world, together with the remnants of European Jewry. (...)

Some of the people who have traditionally affiliated with the left, with the so-called elites, are gravely disappointed: They imagined Israel being Vienna. And it’s much closer to Alexandria. It’s not socialist. It’s not secular. It’s Middle Eastern. It makes perfect sense that it’s a lot more like Alexandria, but lots of people are very disappointed by that. When you hear anger at “the right” or “the religious,” often it’s really about this. They ask: Who are these people from the Middle East who hijacked our country?
Até aqui isto não teria nada de especial - é a velha conversa dos asquenázis e dos sefarditas; a particularidade é o autor  considerar que os judeus da ex-URSS, mesmo que culturalmente "europeus", acabaram por funcionar como uma espécie de "médio-orientais" honorários:
I remember that the late Amnon Dankner, a prominent journalist, a member of what some might call the Ashkenazi elite, wrote an article [at the time of the influx of hundreds of thousands of Jews from the former Soviet Union 30 years ago], saying basically, Great, the Russians will save us from becoming swamped by the Middle East. They play piano. They love the opera. They do math. A million Ashkenazim, they’ll redeem the European country we hoped to have.

The irony is that in many ways, the new Soviet arrivals ended up being kind of Middle Eastern. They don’t vote left. Few of them want anything to do with the left. Many of them see a dog-eat-dog world. They see the weak are not respected, but are eaten alive. Never be naive.
Mas dá-me a ideia que a razão porque Israel está a ter eleições semestrais é porque os judeus da ex-URSS (ou parte deles) não estão plenamente alinhados com com nenhum dos blocos; explicando melhor, o grande problema da formação de governos em Israel parece ser o partido Yisrael Beiteinu, um partido de imigrantes da ex-URSS cuja ideologia combina nacionalismo radical com secularismo (creio que uma das suas reivindicações é que os judeus ultra-ortodoxos passem também a cumprir serviço militar), e que por isso inviabiliza qualquer coligação (dificilmente apoiará um governo centrista ou trabalhista apoiado pelos partidos árabes, mas também dificilmente apoiará um governo do Likud apoiado pelos partidos ultra-ortodoxos).

Ou seja, há uma facção significativa dos imigrantes da ex-URSS que é tão nacionalista como os judeus de origem médio-oriental e tão secular como os judeus de origem europeia, e portanto não encaixa em nenhuma das coligações.

3 comments:

ATAV said...

Humm... Faz-me lembrar os "Southern Democrats" dos Estados Unidos que apoiavam politicas redistributivas tipo "New Deal" e a segregação racial. Eles escolheram o racismo e mudaram-se para o Republicanos. Tipo o que o Strom Thurmond fez...

Provavelmente a situação irá resolver-se da mesma maneira. Essa facção terá que fazer uma escolha: o nacionalismo da direita ou então o secularismo da esquerda.
Não conheço a realidade de Israel, mas acho que irão cair para o nacionalismo. Para que lado acha que essa facção irá cair?

Miguel Madeira said...

Também acho que sim, de uma de duas maneiras - ou o Yisrael Beiteinu acaba por viabilizar um governo de Netanyahu (independentemente do aspeto formal que essa viabilização possa assumir; não faço ideia, p.ex., se os PM israelitas precisam de ter maioria no parlamento ou se basta que a oposição não tenha maioria - no segundo caso, uma abstenção do YB bastaria), ou de eleição em eleição acaba por perder os seus votantes para o resto da direita (e nesta já perdeu um deputado).

Até porque a questão de fazer um acordo e em que circunstâncias com com os palestinianos parece-me mais substantiva do que a questão do SMO dos ultra-ortodoxos (que me parece mais no plano do simbolismo).

Miguel Madeira said...

Afinal, talvez não:

Liberman may recommend Gantz for PM, will support bill to disqualify Netanyahu (Haaretz)

Mas claro, uma coisa é o Liberman, outra são as pessoas que até agora votavam nele.