A. A. Amaral responde ao meu post sobre a democracia participativa e representativa. Á partida, até me parece que a sua crítica incide sobretudo na semântica: A. A. Amaral afirma que a "até mesmo a democracia representativa é participativa" e que "[c]ontraposto à democracia representativa está, pois, não a ideia de participação, mas a democracia directa". Com algumas reservas, eu até poderia aceitar essa terminologia, e se, no meu post anterior, se substituir "democracia participativa" por "democracia directa" o sentido e as conclusões não se alteram muito. No entanto, eu prefiro o termo "democracia participativa" (e vou usá-lo neste post) a "democracia directa" - é em parte por uma questão de hábito mas também porque o que eu chamo de "democracia participativa" é capaz de ser um pouco mais lato que "democracia directa" (a democracia pode ser mais ou menos "participativa" e o extremo da "participação" é a "democracia directa"). Seja como for, os meus leitores já sabem que o que eu chamo de "democracia participativa" é chamado por outros de "democracia directa".
Agora, há uma questão que é, implicitamente, levantada pelo João Galamba: será que a "democracia participativa" (ou "directa"...) não é viável apenas para pequenas comunidades (até por razões de ordem física) e que, a nivel nacional, não será necessário recorrer à democracia representativa?
Há várias respostas possíveis para essa situação (para já, vou ignorar as que fazem apelo às "novas tecnologias"):
A solução mais simples é a dos anarquistas (e que está implicita em muitos dos movimentos "alter-globalização"): não existir nenhuma autoridade central com poder coercivo, apenas acordos voluntários entre grupos locais autogeridos. Realmente esta solução resolve pela raiz a questão "Como governar grandes unidades políticas?" e é um modelo que, se funcionar, será perfeito (a única objecção é de que os modelos perfeitos costumam não funcionar...).
Uma versão mais soft da solução anterior é um Estado que dê o máximo de poder possível às comunidades locais: essa posição por vezes leva a situações curiosas, como nos EUA, em que é possível ver radicais de esquerda (defensores da "democracia participativa") e conservadores de direita convergirem na defesa do "poder local" contra a burocracia federal (e "libertarians" como Murray Rothbard a aliarem-se com uns e outros sem grande problema...). Claro que isto já é uma "complementaridade" entre "democracia participativa" e "democracia representativa", mas com enfoque na primeira (é por estas "complementaridades" que eu prefiro "participativa" a "directa").
Uma abordagem diferente poderá ser a defendida por grupos como os trotskistas, conselhistas e "comunistas de esquerda", que defendem assembleias ("conselhos") compostas por delegados dos grupos de base, revogáveis a qualquer momento, e que, em principio, devem votar de acordo com a vontade dos seus representados (este método também é defendido por muitos anarquistas, mas conjugado com o direito de secessão). Citando o conselhista Anton Pannekoek, em "Conselhos Operários", "cada delegado pode ser revogado a qualquer momento. Os operários não estão, apenas e constantemente, em contacto com os seus delegados, participando nas discussões e decisões; estes não passam de porta-vozes temporários das assembleias conselhistas. Os politicos capitalistas gostam de denunciar a função «desprovida de carácter» do delegado que é por vezes obrigado a emitir opiniões que não são as suas. Eles esquecem que é precisamente porque não existem delegados perenes que apenas são designados para esse posto indivíduos cujas opiniões são conformes às dos trabalhadores". De certa forma, esses delegados seriam mais parecidos com o embaixador de Portugal na Assembleia Geral da ONU do que com os deputados do Algarve na Assembleia da República.
No entanto, há algumas notas a dizer a respeito deste sistema: em primeiro lugar, os movimentos que acima referi têm a peculiaridade de defenderem que as "assembleias de base" não devem ser geográficas mas por local de trabalho. Dentro da lógica trotskista/conselhista/etc. faz sentido, já que o objectivo não é só pôr "os cidadãos a mandar no Estado", mas sobretudo pôr "os trabalhadores a dirigir a economia". No entanto, creio que podemos discutir o aspecto politico dos "conselhos" abstraindo dessas caracteristicas, já que, enquanto modelo de organização do Estado, em teoria, podem ser compatível com qualquer forma de organização económica (a inversa não é verdadeira - não se pode discutir o sistema económico defendido por esses movimentos ignorando o sistema político, já que eles defendem que o sistema colectivista requer a "democracia participativa", porque uma burocracia estatal de cima-para-baixo não teria informação nem incentivos suficientes para gerir a economia).
Outro detalhe curioso é que os trotskistas, defendendo a "democracia participativa", organizam-se internamente segundo a lógica da "democracia representativa". Ou melhor, nos núcleos de base, realmente, há "democracia directa", mas o "Comité Central" não é composto por delegados dos núcleos, sendo eleito em congresso, proporcionalmente à votação das várias "moções de estratégia" discutidas, tal qual como nos partidos "burgueses". Provavelemente, a reduzida dimensão desses partidos faz com que essa contradição teórica não tenha grande relevância prática (se calhar em muitos há mais militantes activos no CC do que fora dele).
Mas há uma objecção importante ao sistema dos "conselhos" - a revogação dos delegados e o mandato imperativo, em principio, conduzem a uma lógica maioritária; embora se possa conceber métodos engenhosos de introduzir alguma proporcionalidade, o facto de não poderem haver muitos delegados por "organização de base" torna-os sempre muito imperfeitos. Ou seja, há um perigo real de distorções à verdadeira vontade popular.
Talvez o melhor sistema seja, efectivamente, uma combinação da "democracia participativa" e "representativa". Por exemplo, poderiamos ter uma assembleia composta 50% por deputados "clássicos", eleitos por sistema proporcional, e 50% por "delegados" revogáveis das "assembleias de base" (ou então, um sistema bicameral). Aliás, nas primeiras convenções do Bloco de Esquerda, quando se discutia os estatutos do partido, houve propostas no sentido de parte da Mesa Nacional não ser eleita em Convenção, mas ser composta por representates "variáveis" dos plenários locais (o facto destas propostas terem sido derrotadas por larga maioria, em favor da pura "democracia representativa", demonstra que o partido não é tão 'radical' como a direita diz)
Agora, há uma questão que é, implicitamente, levantada pelo João Galamba: será que a "democracia participativa" (ou "directa"...) não é viável apenas para pequenas comunidades (até por razões de ordem física) e que, a nivel nacional, não será necessário recorrer à democracia representativa?
Há várias respostas possíveis para essa situação (para já, vou ignorar as que fazem apelo às "novas tecnologias"):
A solução mais simples é a dos anarquistas (e que está implicita em muitos dos movimentos "alter-globalização"): não existir nenhuma autoridade central com poder coercivo, apenas acordos voluntários entre grupos locais autogeridos. Realmente esta solução resolve pela raiz a questão "Como governar grandes unidades políticas?" e é um modelo que, se funcionar, será perfeito (a única objecção é de que os modelos perfeitos costumam não funcionar...).
Uma versão mais soft da solução anterior é um Estado que dê o máximo de poder possível às comunidades locais: essa posição por vezes leva a situações curiosas, como nos EUA, em que é possível ver radicais de esquerda (defensores da "democracia participativa") e conservadores de direita convergirem na defesa do "poder local" contra a burocracia federal (e "libertarians" como Murray Rothbard a aliarem-se com uns e outros sem grande problema...). Claro que isto já é uma "complementaridade" entre "democracia participativa" e "democracia representativa", mas com enfoque na primeira (é por estas "complementaridades" que eu prefiro "participativa" a "directa").
Uma abordagem diferente poderá ser a defendida por grupos como os trotskistas, conselhistas e "comunistas de esquerda", que defendem assembleias ("conselhos") compostas por delegados dos grupos de base, revogáveis a qualquer momento, e que, em principio, devem votar de acordo com a vontade dos seus representados (este método também é defendido por muitos anarquistas, mas conjugado com o direito de secessão). Citando o conselhista Anton Pannekoek, em "Conselhos Operários", "cada delegado pode ser revogado a qualquer momento. Os operários não estão, apenas e constantemente, em contacto com os seus delegados, participando nas discussões e decisões; estes não passam de porta-vozes temporários das assembleias conselhistas. Os politicos capitalistas gostam de denunciar a função «desprovida de carácter» do delegado que é por vezes obrigado a emitir opiniões que não são as suas. Eles esquecem que é precisamente porque não existem delegados perenes que apenas são designados para esse posto indivíduos cujas opiniões são conformes às dos trabalhadores". De certa forma, esses delegados seriam mais parecidos com o embaixador de Portugal na Assembleia Geral da ONU do que com os deputados do Algarve na Assembleia da República.
No entanto, há algumas notas a dizer a respeito deste sistema: em primeiro lugar, os movimentos que acima referi têm a peculiaridade de defenderem que as "assembleias de base" não devem ser geográficas mas por local de trabalho. Dentro da lógica trotskista/conselhista/etc. faz sentido, já que o objectivo não é só pôr "os cidadãos a mandar no Estado", mas sobretudo pôr "os trabalhadores a dirigir a economia". No entanto, creio que podemos discutir o aspecto politico dos "conselhos" abstraindo dessas caracteristicas, já que, enquanto modelo de organização do Estado, em teoria, podem ser compatível com qualquer forma de organização económica (a inversa não é verdadeira - não se pode discutir o sistema económico defendido por esses movimentos ignorando o sistema político, já que eles defendem que o sistema colectivista requer a "democracia participativa", porque uma burocracia estatal de cima-para-baixo não teria informação nem incentivos suficientes para gerir a economia).
Outro detalhe curioso é que os trotskistas, defendendo a "democracia participativa", organizam-se internamente segundo a lógica da "democracia representativa". Ou melhor, nos núcleos de base, realmente, há "democracia directa", mas o "Comité Central" não é composto por delegados dos núcleos, sendo eleito em congresso, proporcionalmente à votação das várias "moções de estratégia" discutidas, tal qual como nos partidos "burgueses". Provavelemente, a reduzida dimensão desses partidos faz com que essa contradição teórica não tenha grande relevância prática (se calhar em muitos há mais militantes activos no CC do que fora dele).
Mas há uma objecção importante ao sistema dos "conselhos" - a revogação dos delegados e o mandato imperativo, em principio, conduzem a uma lógica maioritária; embora se possa conceber métodos engenhosos de introduzir alguma proporcionalidade, o facto de não poderem haver muitos delegados por "organização de base" torna-os sempre muito imperfeitos. Ou seja, há um perigo real de distorções à verdadeira vontade popular.
Talvez o melhor sistema seja, efectivamente, uma combinação da "democracia participativa" e "representativa". Por exemplo, poderiamos ter uma assembleia composta 50% por deputados "clássicos", eleitos por sistema proporcional, e 50% por "delegados" revogáveis das "assembleias de base" (ou então, um sistema bicameral). Aliás, nas primeiras convenções do Bloco de Esquerda, quando se discutia os estatutos do partido, houve propostas no sentido de parte da Mesa Nacional não ser eleita em Convenção, mas ser composta por representates "variáveis" dos plenários locais (o facto destas propostas terem sido derrotadas por larga maioria, em favor da pura "democracia representativa", demonstra que o partido não é tão 'radical' como a direita diz)
1 comment:
devo dizer que experiencias do genero anarquista já existem, se bem que hajam muitos companheiros meus que não concordam muito com essas experiencias, mas já deve ter ouvido falar no sistema "lets".
é um bom exemplo de uma forma de organização que passsa pelo reforço das economias locais e do intercambio entre diferentes locais.
alias a primeira experiencia (de sucesso) conhecida foi feita por um anarquista individualista ingles.
ainda hoje em muitos locais do mundo (frança dinamarca, inglaterra, japão, eua...etc) se aplica o sistema "lets" ou então as chamadas "lojas do tempo".
existem experiencias diferentes inspiradas por vertentes diferentes.
a celebre questão da alter globalização, bem... o mais correcto é falar-se em federalismo.
por fim, para mim democracia directa e participativa são a mesma coisa.
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