Ao contrário do que eu esperava, alguém ligou ao meu post sobre o arame farpado - o CN da Causa Liberal respondeu com o post "Anarquismo de esquerda e os bens infinitos versus bens finitos":
"O capitalismo nao tem problema algum com a propriedade colectiva. As empresas, associaçoes, condomínios, os grandes centros comerciais, constituem comunidades de diferentes entidades (clientes, fornecedores, accionistas, proprietários, lojistas, etc) que partilham propriedade."
"No anarquismo de esquerda, refere-se com frequência a partilha de um bem (o campo) a ser utilizado por vários (os criadores)."
"Um bem, quando se encontra numa "oferta" tal que nas condiçoes do momento pode ser considerado "infinito" (aliás esta é no limite a único definiçao válida de "bem público" mas isso é outra discussao, aliás intra-liberal) nao carece de definiçao de direitos de propriedade. Aliás, ninguém tem incentivo para o reivindicar."
(...)
"Assim, o anarquismo de esquerda "vive" de:"
"1. Dar exemplos que sao possiveis se todos estiverem de acordo e nenhuma das partes reivindicar o seu direito ao "primeiro uso/primeira posse" o que é perfeitamente possivel, mas necessáriamente sempre numa comunidade pequena e homogénea, e num espaço geográfico a que terá de chamar no seu todo, a "sua" propriedade (para que terceiros nao a disputem ou ponham em causa o seu entendimento "alternativo"). Um Paradoxo portanto."
"(Em boa verdade, esse entendimento tem de transformar-se numa associaçao ou outra forma de propriedade colectiva que reivindique essa posse, porque se nao o fizer, podem terceiros fazê-lo.)"
"2. Dar exemplos usando como falácia uma situaçao concreta de um bem infinito: o "campo" de inicio abundante. Ou seja, é verdade que esses arranjos existem e existiram, mas apenas duram enquanto existir esse abundância relativa."
Em primeiro lugar, eu não me considero um "anarquista": eu gosto de muitas coisas no anarquismo, mas também de algumas coisas no "comunismo de conselhos", no trotskismo, no georgismo, na social-democracia clássica, etc. (no outro lado da fronteira esquerda-direita, também gosto de alguma coisa no distributismo). Mas, como dessas ideologias todas, a que eu gosto mais é capaz de ser o anarquismo (socialista), esta nota é capaz de ser picuinhice minha.
Em segundo lugar, uma empresa ou um centro comercial não são necessariamente "propriedade colectiva" - a empresa ou o centro comercial pode ter só um dono.
Agora, o mais importante: será que o anarquismo de esquerda "vive de exemplos" que só são possíveis se "todos as partes estiverem de acordo e nenhum reivindicar o seu direito de propriedade" ou se "o bem existente for infinito (situação em que ninguém tem incentivo para reclamar a propriedade)"?
Já agora, noto que, mesmo que os bens sejam infinitos (ou quase), pode haver incentivos para alguém reclamar a sua propriedade: mesmo que, numa pastagem ou numa praia, o número de utilizadores não seja suficientemente alto para se incomodarem uns aos outros, se alguém se proclamar dono da pastagem ou da praia pode usar esse título para cobrar alguma coisa aos outros utilizadores. Um exemplo extremo é a "propriedade intelectual" - trata-se de um "bem infinito", mas o que mais há por aí são individuos e empresas a "reclamarem direitos de propriedade" intelectual.
Quanto à questão do anarquismo de esquerda dar exemplos que só se aplicam a bens infinitos, basta ler, p.ex., a "Conquista do Pão", de Kropotkine, para encontrar exemplos para os dois tipos de bens:
"Vejam uma comuna de camponeses, seja onde for, mesmo na França, onde os jacobinos, todavia, tudo têm feito para acabar com os usos comunais. Se a comuna possui, por exemplo, uma mata, enquanto a lenha miúda não faltar todos têm o direito de a quimar à vontade, sem outra fiscalização que não seja a opinião pública dos seus vizinhos. Quanto à lenha grossa ou madeira, como toda é pouca, proceder-se-á ao racionamento"
"Sucede o mesmo com os prados comunais. Enquanto há bastante para a comuna, ninguém verifica o que as vacas de cada casal comeram, nem o número de vacas que cada qual tem nos prados. Só se recorre à partilha, isto é, à ração proporcional, quando os prados são insuficientes. em tuda a Suiça, e em muitas comunas da França ou da Alemanha - como de resto onde que haja prados, pratica-se este sistema"
(...)
"Numa palavra. Uso livre do que se possui em abundância! Racionamento do que tem que ser medido e feito em quinhões!"
Parece-me que Kropotkine claramente reconhece que há bens finitos e infinitos, e diz que têm que ser tratados de maneira diferente: uso livre para os infinitos, racionamento para os finitos . E, no Anarchist FAQ, há uma secção dedicada à a questão de como resolver conflitos acerca de que uso dar aos bens (o que implica reconhecer a sua escassez).
A respeito do ponto dos tais sistemas comunitários de propriedade só serem possíveis se todos estiverem de acordo, não percebo bem se o argumento do CN é "normativo" ou "positivo". Penso que é "normativo", ou seja, acho que o CN está a dizer que é "imoral" haver um sistema de propriedade colectiva que não se baseie no consentimento unánime de todos os membros da comunidade. Porque, se fôr "positivo", é fácil ver que um sistema de propriedade colectiva pode funcionar, mesmo que algum membro do "colectivo" preferisse ser proprietário privado (e nem é necessário usar nenhuma violência contra alguém que se proclame "proprietário privado" - é só, pura e simplesmente, ignorar essa proclamação).
"O capitalismo nao tem problema algum com a propriedade colectiva. As empresas, associaçoes, condomínios, os grandes centros comerciais, constituem comunidades de diferentes entidades (clientes, fornecedores, accionistas, proprietários, lojistas, etc) que partilham propriedade."
"No anarquismo de esquerda, refere-se com frequência a partilha de um bem (o campo) a ser utilizado por vários (os criadores)."
"Um bem, quando se encontra numa "oferta" tal que nas condiçoes do momento pode ser considerado "infinito" (aliás esta é no limite a único definiçao válida de "bem público" mas isso é outra discussao, aliás intra-liberal) nao carece de definiçao de direitos de propriedade. Aliás, ninguém tem incentivo para o reivindicar."
(...)
"Assim, o anarquismo de esquerda "vive" de:"
"1. Dar exemplos que sao possiveis se todos estiverem de acordo e nenhuma das partes reivindicar o seu direito ao "primeiro uso/primeira posse" o que é perfeitamente possivel, mas necessáriamente sempre numa comunidade pequena e homogénea, e num espaço geográfico a que terá de chamar no seu todo, a "sua" propriedade (para que terceiros nao a disputem ou ponham em causa o seu entendimento "alternativo"). Um Paradoxo portanto."
"(Em boa verdade, esse entendimento tem de transformar-se numa associaçao ou outra forma de propriedade colectiva que reivindique essa posse, porque se nao o fizer, podem terceiros fazê-lo.)"
"2. Dar exemplos usando como falácia uma situaçao concreta de um bem infinito: o "campo" de inicio abundante. Ou seja, é verdade que esses arranjos existem e existiram, mas apenas duram enquanto existir esse abundância relativa."
Em primeiro lugar, eu não me considero um "anarquista": eu gosto de muitas coisas no anarquismo, mas também de algumas coisas no "comunismo de conselhos", no trotskismo, no georgismo, na social-democracia clássica, etc. (no outro lado da fronteira esquerda-direita, também gosto de alguma coisa no distributismo). Mas, como dessas ideologias todas, a que eu gosto mais é capaz de ser o anarquismo (socialista), esta nota é capaz de ser picuinhice minha.
Em segundo lugar, uma empresa ou um centro comercial não são necessariamente "propriedade colectiva" - a empresa ou o centro comercial pode ter só um dono.
Agora, o mais importante: será que o anarquismo de esquerda "vive de exemplos" que só são possíveis se "todos as partes estiverem de acordo e nenhum reivindicar o seu direito de propriedade" ou se "o bem existente for infinito (situação em que ninguém tem incentivo para reclamar a propriedade)"?
Já agora, noto que, mesmo que os bens sejam infinitos (ou quase), pode haver incentivos para alguém reclamar a sua propriedade: mesmo que, numa pastagem ou numa praia, o número de utilizadores não seja suficientemente alto para se incomodarem uns aos outros, se alguém se proclamar dono da pastagem ou da praia pode usar esse título para cobrar alguma coisa aos outros utilizadores. Um exemplo extremo é a "propriedade intelectual" - trata-se de um "bem infinito", mas o que mais há por aí são individuos e empresas a "reclamarem direitos de propriedade" intelectual.
Quanto à questão do anarquismo de esquerda dar exemplos que só se aplicam a bens infinitos, basta ler, p.ex., a "Conquista do Pão", de Kropotkine, para encontrar exemplos para os dois tipos de bens:
"Vejam uma comuna de camponeses, seja onde for, mesmo na França, onde os jacobinos, todavia, tudo têm feito para acabar com os usos comunais. Se a comuna possui, por exemplo, uma mata, enquanto a lenha miúda não faltar todos têm o direito de a quimar à vontade, sem outra fiscalização que não seja a opinião pública dos seus vizinhos. Quanto à lenha grossa ou madeira, como toda é pouca, proceder-se-á ao racionamento"
"Sucede o mesmo com os prados comunais. Enquanto há bastante para a comuna, ninguém verifica o que as vacas de cada casal comeram, nem o número de vacas que cada qual tem nos prados. Só se recorre à partilha, isto é, à ração proporcional, quando os prados são insuficientes. em tuda a Suiça, e em muitas comunas da França ou da Alemanha - como de resto onde que haja prados, pratica-se este sistema"
(...)
"Numa palavra. Uso livre do que se possui em abundância! Racionamento do que tem que ser medido e feito em quinhões!"
Parece-me que Kropotkine claramente reconhece que há bens finitos e infinitos, e diz que têm que ser tratados de maneira diferente: uso livre para os infinitos, racionamento para os finitos . E, no Anarchist FAQ, há uma secção dedicada à a questão de como resolver conflitos acerca de que uso dar aos bens (o que implica reconhecer a sua escassez).
A respeito do ponto dos tais sistemas comunitários de propriedade só serem possíveis se todos estiverem de acordo, não percebo bem se o argumento do CN é "normativo" ou "positivo". Penso que é "normativo", ou seja, acho que o CN está a dizer que é "imoral" haver um sistema de propriedade colectiva que não se baseie no consentimento unánime de todos os membros da comunidade. Porque, se fôr "positivo", é fácil ver que um sistema de propriedade colectiva pode funcionar, mesmo que algum membro do "colectivo" preferisse ser proprietário privado (e nem é necessário usar nenhuma violência contra alguém que se proclame "proprietário privado" - é só, pura e simplesmente, ignorar essa proclamação).
1 comment:
todos os anarquistas até mesmo os individualistas são anticapitalistas.
muitas pessoas dizem que o capitalismo não tem problemas com a propriedade colectiva, e dão como exemplo as empresas com varios acionistas etc... mas isso não é na sua natureza uma propriedade colectiva, pois os seus membros não tem igual importancia. não é regulado pelo sistema uma pessoa ,um voto.
por outro lado, e é um ponto fulcral de toda a questão que tambem o miguel madeira escreveu, que se relaciona com o "direito de propriedade".
os anarquistas estão conscientes de que o planeta assim como todos os seus recursos (infinitos ou não) são "patrimonio" da humanidade e de todas as criaturas que habitam a face da terra (por isso é que os anarquistas são fervorosos defensores dos direitos dos animais, dos ecossistemas e grande parte é vegetariana), por esta razão e outras ainda não deve haver nem deus, nem amo (que se intitule dono do que é de todos, seja rei, despota, ou capitalista), nem patria (conceito criado para despotas reinarem).
todos os despotas tem uma coisa em comum, "dividir para reinar".
se formos a ver quando surgiu a primeira forma de propriedade veremos que foi com a ascenção de despotas (reis, chefes de tribo, imperadores) todos eles armados com uma legião de moralistas e exercitos.
o caso mais tipico foi o absolutismo, onde a igreja criou uma hierarquia de natureza divina.
e hoje esse tipo de mentalidade não acabou, apenas transformou a hierarquia divina numa hierarquia natural.
a diferença é que hoje existem mais moralistas, para alem do padres, os politicos e os economistas (que se intitulam detentores de uma ciencia moral).
os anarquistas não usam o termo direito de propriedade antes o direito de uso, assim como falamos de posse e não de propriedade.
finalizando, os liberais (esquerda ou direita) não podem vir com a conversa que são uns gajos porreiraços e que não há ninguem que goste mais da democracia do que eles, ou como alguns que dizem "para alem de nós os "democratas" não há democracia", porque tal como todos os outros querem estar no poder, exercer o poder, levar avante a sua ideologia, derrotar a oposição e caso ela exista que o seja em minoria para não atrapalhar.
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