Thursday, January 03, 2008

Desculpas pela escravatura

No estado norte-americano de Nova Jérsia fala-se em pedir desculpa pela escravatura. Um dos argumentos contra a ideia é de que "os actuais residentes de Nova Jérsia, mesmo os que podem encontrar na sua linhagem escravos ou proprietários de escravos, não têm qualquer culpa ou responsabilidade colectiva em acontecimentos injustos em que não tiveram qualquer participação". É um bom argumento; mas será que quem faz esse argumento também acha que os actuais residentes dos EUA não têm qualquer razão para se orgulhar de acontecimentos meritórios (ou que eles considerem meritórios) em que os EUA tenham estado envolvidos?

É que, muitas vezes, aqueles que dizem "não temos culpa nenhuma das coisas más que os nossos antepassados fizeram" são os mesmo que dizem "devemos ter orgulho nas coisas boas que os nossos antepassados fizeram".

Já agora, um post que Chris Dillow escreveu há uns tempos sobre essa matéria (no contexto britânico):

Should Britain apologize for its role in the slave trade? There's something about this that puzzles me.

Put it this way. Crudely speaking, there are two conceptions of society.


1. We're just a collection of atomized individuals. Though associated with libertarianism, this is also the Rawlsian view.

2. Society is an organism with a history. It's a "
partnership not only between those who are living, but between those who are living, those who are dead, and those who are to be born." The quote is Edmund Burke's, but this position seems also that of Gordon Brown, who speaks of a "golden thread" running through history.

Now, you'd expect adherents of position 1 to think it absurd to apologize for slavery, as
Longrider does. But supporters of position 2 would be more likely to apologize, because they regard slave traders as a part of British society and tradition.

However, when we look at who's apologizing and who isn't, we see no such correlation. I'd guess that Ken Livingstone would favour the atomized conception over the organic one, but he's
apologized. But Simon Jenkins, who I'd expect to have more sympathy with the Burkean view, rejects the apology.

This isn't, I suspect, a mere quirk of these two men. I suspect Rawlsian liberals are more likely to want to apologize than Burkean conservatives.


Sadly, I suspect there might be an easy explanation for this. Livingstone (and other "liberals") wants to curry favour with ethnic minorities. Tories don't want to draw attention to the fact that their inherited wealth is dirty money.


Crude self-interest beats intellectual consistency.

5 comments:

Anonymous said...

"É que, muitas vezes, aqueles que dizem "não temos culpa nenhuma das coisas más que os nossos antepassados fizeram" são os mesmo que dizem "devemos ter orgulho nas coisas boas que os nossos antepassados fizeram"."

Sim, mas sentir vergonha não implica que se tenha de pedir desculpa. Primeiro porque os mortos não falam, segundo porque os actuais brancos não têm qualquer responsabilidade pelo que foi feito.

AA said...

Crude self-interest beats intellectual consistency.

Sem sarcasmo, não entendo a segunda parte do post. Identificam-se indivíduos que não vêem a sociedade de forma colectivista, depois porque tomaram uma atitude "social" já passam a representar o colectivo dos indivíduos que não vêem a sociedade de uma forma colectivista...

Quanto ao primeiro ponto, é um não-ponto. Cada um é livre de se orgulhar ou desculpar-se da sua herança cultural. Mas o Estado não deve representar as consciências de cada um de nós.

Miguel Madeira said...

«Identificam-se indivíduos que não vêem a sociedade de forma colectivista, depois porque tomaram uma atitude "social" já passam a representar o colectivo dos indivíduos que não vêem a sociedade de uma forma colectivista»

Não me parece que seja esse o caso - no seu post, Chris Dillow até dá um exemplo de um "atomista" (o Longrider) que é contra as desculpas pela escravatura; ou seja, ele não diz que o "colectivo dos individuos que vêm a sociedade como um conjunto de individuos" são a favor das desculpas pela escravatura (e, portanto, incoerentes), apenas que o "colectivo dos individuos que vêm a sociedade como um conjunto de individuos mas são a favor das desculpas pela escravatura" são incoerentes.

É verdade que ele diz que suspeita que é provavel que os rawlsianos sejam a favor das desculpas pela escravatura, mas será que dizer "as pessoas que possuem a caracteristica A tendem a possuir a caracteristica B" é pôr "as pessoas que possuem a cracteristica A" num colectivo?

Miguel Madeira said...

"Quanto ao primeiro ponto, é um não-ponto. Cada um é livre de se orgulhar ou desculpar-se da sua herança cultural"

Mais, cada um é livre de evocar a sua herança cultural para as coisas que gosta e de dizer "eu não tive nada a ver com isso" para as coisas que não gosta; e cada um também é livre de apontar a incoerência no caso de alguêm tomar essa posição.

AA said...

"colectivo dos individuos que vêm a sociedade como um conjunto de individuos mas são a favor das desculpas pela escravatura" são incoerentes

Tens razão. Mas penso que o mais importante é se o fazem a título pessoal, e portanto tais desculpas só a eles os obrigam, ou de facto assumem uma posição colectivista...

cada um também é livre de apontar a incoerência no caso de alguêm tomar essa posição.

Obviamente.

Mas não vejo problema em que as pessoas escolham aquilo do passado que mais lhes dá orgulho ou vergonha, especialmente quando não tiveram nada que ver com o que se passou.

Na mesma medida, não vejo problema que as pessoas reconheçam esses legados umas às outras - por muito que a selectividade possa impressionar (estará sempre aberta a discussão).

O que é perigoso é o Estado definir esse cânone interpretativo e moral... logo que pode assumir responsabilidades que os indivíduos de facto não têm ou têm o direito de rejeitar.