Eu, nos comentários a este post do Fiel Inimigo:"O que eu escrevi foi "pelo menos de acordo com a teoria económica mainstream, os salários dependem da produtividade marginal"; em nenhum momento disse que concordava com essa teoria económica."
Em primeiro lugar, exprimi-me mal: não deveria ter escrito "teoria económica mainstream", mas sim algo como "visão tradicional da teoria económica". Qual é a diferença? É que falar em "economia mainstream" dá a impressão que temos de um lado os economistas "mainstream", a dizerem que os salários (e as remunerações dos outros factores produtivos, já agora) dependem da produtividade marginal, e do outro lado, economistas "alternativos" a dizerem que os salários são determinados por outros factores. O que eu queria dizer não era isso: penso que praticamente todos os economistas são da opinião de que os salários são influenciados por vários factores (entre eles a produtividade marginal), mas que a forma mais usual de abordar a questão é (era?) adoptar um modelo simplificado em que os salários são determinados pela produtividade marginal.
Agora, porque é que os salários não são determinados pela produtividade marginal (ou apenas pela produtividade marginal)?
a) Para começar, noto que há alguma economia de escala na economia - é por isso que há empresas (e gestores, e discussões sobre os seus salários) e não apenas trabalhadores independentes (alguns leitores podem argumentar que há empresas por causa dos custos de transacção; outros podem argumentar que é a regulamentação estatal que dificulta mais a vida dos independentes em comparação com as empresas; mas penso que tudo isso pode ser considerado como formas particulares de economias de escala). Ora, com economias de escala, penso que é impossível as remunerações serem iguais à produtividade marginal (em principio, a soma das produtividades marginais seria maior que o produto total).
b) Muitas vezes, o mercado de trabalho não funciona em "concorrência perfeita" (muitos vendedores idênticos e muitos compradores idênticos) - p.ex., podemos ter uma situação em que um trabalhador que é diferente de todos os outros trabalhador está a negociar com uma empresa que é diferente de todas as outras empresas; nesse caso, o que temos é um monopólio bilateral (ou talvez o termo mais correcto seja "concorrência monopolistica bilateral"). Aí, o valor estabelecido dependerá de muitos factores, como relações de poder, capacidade (objectiva e subjectiva) para recusar um acordo desfavorável, conseguir fazer bluff se necessário, saber mais sobre as intenções do outros do que ele sobre os nossos (a famosa regra "nas entrevistas para emprego, o primeiro a falar em dinheiro perde"), etc. É por isso que se escrevem e há mercado para livros e artigos estilo "Como negociar o seu salário".
c) A tese de que os salários correspondem à produtividade marginal baseia-se num modelo que tem como pressuposto que os factores de produção são perfeitamente divisíveis; claro que na realidade não podemos contratar 1.035,423 trabalhadores (só 1.035 ou 1.036). Em categorias profissionais com muitos empregados (como no exemplo), isso não afecta muito; em categorias com poucos (como nos orgãos de gestão), afecta bastante - numa empresa com 5 gestores, qual é exactamente a produtividade marginal de um gestor: é a diferença entre a produção da empresa se tivesse 6 gestores e a produção tendo 5 gestores, ou é a diferença entre a produção com 5 gestores e a produção se tivesse só 4? É possível que o salário dos gestores se situe entre essas duas "produtividades marginais", mas até podem ser dois valores muito diferentes.
d) Excluindo as empresas geridas por um dono que controla toda a gestão, muitas vezes decisões sobre salários, contratações, etc. são decididas por gestores não-proprietários, ou pelo menos seguindo conselhos destes; ora estes gestores não-proprietários podem ter agendas que não sejam exactamente coincidentes com a maximização do lucro da empresa (e a tese dos salários=produtividade marginal parte do pressuposto que as empresas maximizam o lucro); por exemplo, os gestores podem usar a sua influência/poder para conseguirem para si salários mais altos (outro exemplo: um gestor pode dar importância à sua sensação de poder pessoal e portanto, estar disposto a pagar mais a um empregado que até seja ligeiramente menos produtivo mas mais "respeitador" que outro)
Alguns textos sobre o assunto:
What determines wages?, Knowledge, power & the firm e McMurphy versus Becker, de Chris Dillow
"Marginal Productivity Theory and the Mainstream" no Economist's View (com referências a mais uma carrada de textos)
Em primeiro lugar, exprimi-me mal: não deveria ter escrito "teoria económica mainstream", mas sim algo como "visão tradicional da teoria económica". Qual é a diferença? É que falar em "economia mainstream" dá a impressão que temos de um lado os economistas "mainstream", a dizerem que os salários (e as remunerações dos outros factores produtivos, já agora) dependem da produtividade marginal, e do outro lado, economistas "alternativos" a dizerem que os salários são determinados por outros factores. O que eu queria dizer não era isso: penso que praticamente todos os economistas são da opinião de que os salários são influenciados por vários factores (entre eles a produtividade marginal), mas que a forma mais usual de abordar a questão é (era?) adoptar um modelo simplificado em que os salários são determinados pela produtividade marginal.
Agora, porque é que os salários não são determinados pela produtividade marginal (ou apenas pela produtividade marginal)?
a) Para começar, noto que há alguma economia de escala na economia - é por isso que há empresas (e gestores, e discussões sobre os seus salários) e não apenas trabalhadores independentes (alguns leitores podem argumentar que há empresas por causa dos custos de transacção; outros podem argumentar que é a regulamentação estatal que dificulta mais a vida dos independentes em comparação com as empresas; mas penso que tudo isso pode ser considerado como formas particulares de economias de escala). Ora, com economias de escala, penso que é impossível as remunerações serem iguais à produtividade marginal (em principio, a soma das produtividades marginais seria maior que o produto total).
b) Muitas vezes, o mercado de trabalho não funciona em "concorrência perfeita" (muitos vendedores idênticos e muitos compradores idênticos) - p.ex., podemos ter uma situação em que um trabalhador que é diferente de todos os outros trabalhador está a negociar com uma empresa que é diferente de todas as outras empresas; nesse caso, o que temos é um monopólio bilateral (ou talvez o termo mais correcto seja "concorrência monopolistica bilateral"). Aí, o valor estabelecido dependerá de muitos factores, como relações de poder, capacidade (objectiva e subjectiva) para recusar um acordo desfavorável, conseguir fazer bluff se necessário, saber mais sobre as intenções do outros do que ele sobre os nossos (a famosa regra "nas entrevistas para emprego, o primeiro a falar em dinheiro perde"), etc. É por isso que se escrevem e há mercado para livros e artigos estilo "Como negociar o seu salário".
c) A tese de que os salários correspondem à produtividade marginal baseia-se num modelo que tem como pressuposto que os factores de produção são perfeitamente divisíveis; claro que na realidade não podemos contratar 1.035,423 trabalhadores (só 1.035 ou 1.036). Em categorias profissionais com muitos empregados (como no exemplo), isso não afecta muito; em categorias com poucos (como nos orgãos de gestão), afecta bastante - numa empresa com 5 gestores, qual é exactamente a produtividade marginal de um gestor: é a diferença entre a produção da empresa se tivesse 6 gestores e a produção tendo 5 gestores, ou é a diferença entre a produção com 5 gestores e a produção se tivesse só 4? É possível que o salário dos gestores se situe entre essas duas "produtividades marginais", mas até podem ser dois valores muito diferentes.
d) Excluindo as empresas geridas por um dono que controla toda a gestão, muitas vezes decisões sobre salários, contratações, etc. são decididas por gestores não-proprietários, ou pelo menos seguindo conselhos destes; ora estes gestores não-proprietários podem ter agendas que não sejam exactamente coincidentes com a maximização do lucro da empresa (e a tese dos salários=produtividade marginal parte do pressuposto que as empresas maximizam o lucro); por exemplo, os gestores podem usar a sua influência/poder para conseguirem para si salários mais altos (outro exemplo: um gestor pode dar importância à sua sensação de poder pessoal e portanto, estar disposto a pagar mais a um empregado que até seja ligeiramente menos produtivo mas mais "respeitador" que outro)
Alguns textos sobre o assunto:
What determines wages?, Knowledge, power & the firm e McMurphy versus Becker, de Chris Dillow
"Marginal Productivity Theory and the Mainstream" no Economist's View (com referências a mais uma carrada de textos)
No comments:
Post a Comment