Todas as formas de governo estabelecidas numa comunidade política têm de ser consentidas. E a única forma de poder presumir esse consentimento é a existência de cláusulas de secessão.
Este principio antecede até qualquer tipo de regra de maioria. Uma regra de maioria para ser estabelecida com legitimidade tem necessáriamente de.
1. Conseguir o acordo (ou de forma prática, ser possível presumir-se que) unânime das partes em submeter-se à vontade desse processo de decisão colectivo (ex: um dado regime constitucional de voto universal).
2. Conferir um mecanismo pelo qual uma parte pode pedir a secessão desse processo, deixando assim de estar obrigado a submeter-se a esse processo maioritário. Só assim é possível certificarmos a permanente revalidação de unanimidade.
Adicionalmente, e comum a qualquer forma de governo:
3. Parece ser desejável que também estejam estabelecidas as regras segundo os quais novos participantes podem passar a comungar das regras dessa comunidade (dado que potencialmente se pode alterar a homogeneidade que suportou a comunidade inicial), ou seja, os princípios de inclusão (ex: todos os nascidos num dado território, etc).
4. Parece também ser desejável que fiquem claras as formas (como punição de algo, por exemplo) que podem assumir um processo de exclusão/ostracismo.
Concluindo: unanimidade, secessão, inclusão , exclusão. Os 4 elementos que de uma forma ou outra estão presentes numa dada comunidade ou até de uma qualquer organização.
Mas o direito de secessão será o único mecanismo prático pelo qual se pode inferir legitimidade de uma dada forma de governo estabelecido numa comunidade. Assim esteja estabelecida uma forma prática de exercer o direito de secessão e todas as formas de regime podem ser legítimas. Sejam regimes sociais-democratas, como monarquias abstolutas ou até comunismo, ou ainda pequenas comunidades comunitárias.
Da mesma forma, a um dado regime de maioria (ex: democrático constitucional), pode ser inferida ilegitimidade se esse direito de secessão está completamente ausente.
Tuesday, January 01, 2008
Secessão e consentimento - somos todos anarquistas
Publicada por CN em 17:57
Etiquetas: Textos de Carlos Novais
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5 comments:
Não discordando, parece-me que há algumas questões que resultam da lógica apresentada. Por exemplo:
Quais os direitos de um indivíduo ou subcomunidade que tenha obtido a secessão, perante os restantes membros da comunidade? Quem garante esses direitos?
Qual a posição de um indivíduo que tenha certas obrigações perante uma comunidade (por exemplo, ter sido condenado por um crime) e requere a secessão?
Aguardarei por outros posts.
1. O que é acontece hoje em dia quando alguém comete um crime e sai de território nacional, e por exemplo foge para alto mar (onde não existe jurisdição estatal)?
2. Seja como fôr, a materialização do Direito de Secessão tem de conter restrições práticas como:
dimensão mínima humana e geográfica.
Em Portugal poderia ser o Município?
O Lichtenstein com cerca de 30 000 habitantes confere o Direito de Secessão a cada uma das suas (creio) 12 "comunas", logo no artigo 4º da sua Constituição.
3. O Direito de Secessão formalizado numa Constituição deve dar lugar a especificação anexa de algumas cláusulas sobre problemas como esse e outros.
4. O importante, neste post, é de qualquer forma, saber se existe alguma alternativa ao enunciado, no domínio dos princípios.
É possivel uma comunidade política estabelecer-se com algo a que chamemos "legitimidade" sem que exista:
* unanimidade+direito de secessão?
Se é nem que seja remotamente, gostaria de ouvir a argumentação.
Caro CN,
Eu concordo por princípio com o argumento do post. Até já tive esta discussão por diversas vezes com alguns amigos. Mas existem, sem dúvida, technicalities por resolver.
Outra por exemplo seria: se o direito de secessão for ao nível do concelho, teria de ser acordado por todos os indivíduos? A mim parece-me que sim..
" direito de secessão for ao nível do concelho, teria de ser acordado por todos os indivíduos? A mim parece-me que sim.."
1) Se falamos em abstracto nos principios, a secessão deve poder ser individual porque a adesão também o é.
E por isso mesmo, "somos todos anarquistas", porque isso significa na prática que cada individuo escolhe pertencer ou não pertencer a uma dada comunidade com um dado conjunto de regras. Dai os ancaps falarem na escolha de tribunais arbitrais, agencias de defesa. etc.
Tal é possivel se partirmos do Direito Natural (contrato/propriedade).
2) Se aplicarmos à relaidade dos Estados actuais, dado que o próprio Estado dificilmente é uma entidade unânime e contratada, a secessão de uma parte também não o tem de ser.
Aliás, dado o processo de integação vigente (UE) em que os referendos feitos são aprovados por 50%, diria que um processo de secessão deve poder ser aprovado por 50%.
Eu não aconselho isso (seria mais tipo 2/3), mas seria uma forma de "vingança" contra os integracionistas.
É como diz o CN, a secessão não tem de ser unânime já que o status quo também não se baseia em unanimidade..
Mas há alternativas menos drásticas e mais "criativas". O cantão suiço do Jura foi criado em 1974, separando-se do de Bern (até aí era uma espécie de "sub-cantão"). Nos anos que se seguiram (logo a partir de 75), vários concelhos do novo Jura autónomo fazem referendos e escolhem juntar-se a Berna e Basileia (salvo erro).
Ou seja, voltamos ao ponto 1) do que disse o CN: direito de secessão como direito individual, depois como direito colectivo dentro do status quo do Estado actual (condomínios, freguesias, concelhos, "cantões", etcetc).
Pode argumentar-se que a Suiça tem uma história "anormal" e que não serve de exemplo. Mas não se diga que um direito de secessão extensível aos menores graus é impraticável e útopico. É possível.
ps: Para quem se interessar pela história do Jura:
http://www.fournier-musique.com/Jura/TexteHistoire.html
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