N'O Insurgente surgiu uma sub-discussão entre mim e o Carlos M. Fernandes sobre a origem dos eleitores do Partido Nazi alemão, nos anos 30.
Ao que me parece, a posição do CMF era que os nazis terão indo buscar os seus votos, em primeiro lugar, aos outros partidos nacionalistas, e depois aos socialistas (CMF - "Isso diz qualquer coisa sobre a natureza do discurso nazi, e sobre o eleitorado que seduziu"); a minha posição (com base em Liberty or Equality, de Erik von Kuehnelt-Leddihn - pdf, pg. 261-262 - e noutro livro que li e não me lembro qual é) era de que os nazis teriam ido buscar os votos aos partidos "burgueses liberais".
Pegando nos resultados das eleições alemãs de 1928 a 1933, temos os seguintes resultados:
Algumas notas:
Algumas notas:
- parece que frequentemente havia uma espécie de alianças mas em que os partidos concorriam separados. Nesses casos, se só um dos partidos da aliança era um dos partidos desta lista, contei esses votos como se tivessem sido todos nesse partido;
- se a coligação incluia dois partidos da lista, atribui ao maior partido todos os votos menos os atribuidos a outros partidos da lista (p.ex., na aliança entre DNVP, DVP e mais uma carrada de partidos em 1932, os votos do DVP contei como votos do DVP; todos os outros contei como votos no DNVP)
De 1928 a 1932, estes dados parecem indicar que os Nazis foram buscar votos aos nacionalistas conservadores, aos liberais e à abstenção (poderemos concluir que "Isso diz qualquer coisa sobre a natureza do discurso nazi, e sobre o eleitorado que seduziu"?).
Realmente, em 1933, e esquerda teve uma grande queda e os nazis uma grande subida. Tal poderá ser interpretado como um transferência de votos dos socialistas para os nazis; no entanto, como essa eleição ocorreu com Hitler já com poderes ditatoriais [ver comentários], como grande parte dos comunistas presos, e com as SA e as SS a dispersarem à força os comícios do SPD e do KPD, parece-me mais provável que tanto a subida dos nazis, como a descida dos sociais-democratas e comunistas tenha sido resultado disso (e não propriamente de uma transferência de votos). Afinal, não iria ser em 1933, após os nazis irem para o governo em coligação com a direita clássica, depois de terem tido o apoio dos grandes industriais e após anos de combates de rua com militantes de esquerda, com uma campanha eleitoral em que Hitler se apresentava como o salvador da Alemanha do "Perigo Vermelho", etc. que os operários sociais-democratas e comunistas iriam, justamente, chegar à conclusão que os nazis defendiam ideias parecidas com as deles .
Diga-se que, mesmo que os nazis tivessem ido buscar os seus votos em primeiro lugar ao DNVP, e em segundo lugar aos socialistas, isso bastaria para por em causa as teses que apresentam o nacional-socialismo como de "esquerda" ou uma variante do marxismo - afinal, de qualquer maneira isso indicaria que os nazis tinham mais em comum com o DNVP (o partido da velha aristocracia prussiana - é possível ser mais "de direita" que isso?) do que com o SPD ou o KPD.
Já agora, a respeito da análise de Erik von K.-L. : nas suas contas, não se nota a transferencia de votos do DNVP para os nazis, já que ele fez as contas por blocos - os nazis, os demo-liberais, e os "rigidamente ideológicos" (onde inclui comunistas, social-democratas, católicos e "nacional conservadores"); como os votos (ou melhor, os deputados) do DNVP ("nacional-conservador") estão incluidos na salada "rigida", a sua quebra eleitoral fica invisível. Diga-se que isso até é conveniente para a tese de EvKL: afinal, ele critica a tendência para ver o nazismo como uma continuação do "kaiserismo", do medievalismo e do feudalismo e nomeadamente as obras de ficção apresentando condes e barões nazis, defendendo pelo contrário que o nazismo foi uma continuação da Revolução Francesa - uma transferência de votos do DNVP (o herdeiro politico da Alemanha Imperial) para o NSDAP parece indicar que até havia alguma proximidade entre o nacional-socialismo e o nacionalismo conservador "à moda antiga" (não que os condes, barões, generais e almirantes gostassem muito daquele a quem chamavam o "cabo austriaco" - até foram eles que o tentaram matar e acabar com a guerra em 20/07/1944; no entanto, parece que Hitler teve apoio de grande parte do sector popular que inicialmente apoiava os "condes e barões").
15 comments:
o cmf devia ter um pouco de vergonha ... entao a terrivel natureza dos socialistas sejam eles democratas ou comunistas fizeram nos votar no parttido nazi?
vai ter muito que explicar sobre a "natureza dos socialistas" este senhor...muito mesmo. e é assim que se criam os mitos e tentam-se ganhar as almas e coraçoes dos mais incautos, como os nazis o fizeram... (eheheh)
Caro miguel,
só um apontamento: dizes que «no entanto, como essa eleição ocorreu com Hitler já com poderes ditatoriais,»
Não é bem assim. As eleições foram a 5 de Março, e a lei «enabling Act» que permitia governar sem as leis passarem pelo parlamento, foi aprovada a 23 de Março, já depois das eleições.
eu estava a pensar na "Ordem Presidencial para a Protecção do Povo e do Estado", de 28 de Fevereiro (aoós o incendio do Reichstag), que suspendeu as liberdades civis.
Realmente, é incorrecto dizer "poderes ditatoriais" (já que Hitler continuava a estar sujeito ao Presidente e ao Parlamento), mas, em matéria de poder silenciar e prender opositores, o governo alemão passou a ter os poderes tipicos das ditaduras
certo.
hitler era de direita e os seus maiores opositores os comunistas. Tal e qual como os participantes do insurgente.
Miguel, para outra leitura mais detalhada sobre a possível transferência de eleitorado do SPD para o NSDAP, aconselho Emanuel Todd (não tenho aqui os meus livros, nem blocos de notas, por isso não posso indicar algumas passagens). Todd analisa a coisa de uma perspectiva demográfica, de distribuição de votos pelas diversas regiões alemãs. O resultado é surpreendente. (E Todd está muito, muito, longe de ser de direita.) A sua conclusão é: a ascensão ao poder do partido nazi pode não ter resultado exclusivamente de uma mutação histérica do eleitorado nacionalista; o eleitorado socialista pode ter ajudado, com uma parcela significativa. (E mesmo para afastarmos essa hipótese, apenas de acordo com os resultados em cima, temos que especular um pouco, não é? Afastá-la, sem margem para dúvidas, é quase impossível.)
Mas uma coisa, como já disse, é certa. Hitler e o NSDAP foram um grupo de matriz socialista. Basta ler "os discursos", no Mein Kampf, e os posteriores. Basta ler. Não podemos mudar a História.
Abraço.
Que eles se auto-consideravam socialistas é certo (está no nome), mas também o Somoza e Jirinivosky se considerava/consideram "liberais".
No entanto, se considerarmos que o ponto principal daquilo a que usualmente se chama socialismo é o igualitarismo, Hitler pouco tem a ver com aquilo-a-que-usualmente-se-chama-socialismo - basta ver aquela passagem do Mein Kampf que eu citei n' O Insurgente.
"Hitler pouco tem a ver com aquilo-a-que-usualmente-se-chama-socialismo"
Aliás, eles em muitos sitios disse isso.
Miguel, também a social-democracia, uma das três principais correntes nascida do marxismo (e que surgiu em conflito com o comunismo), está muito afastada da noção de igualitarismo defendida por outros socialismo. Eu vejo as palavras de Hitler como um exemplo de colectivismo, no sentido em que a elite está ao serviço do "organismo", do Estado. Aceita-se a existência de "homens superiores", mas nunca se põe em causa o seu trabalho no sentido de beneficiar a comunidade (bem comum)
“O que há de mais importante em matéria de invenções, quer se trate de invenções de ordem material quer de descobertas no mundo do pensamento, é sempre o fruto da força criadora de um indivíduo.”
“Utilizá-las em benefício da coletividade é a primeira e a mais elevada tarefa da organização social, que deve ser apenas o desenvolvimento desse princípio. Por isso deve livrar-se da praga da orientação mecânica para transformar-se em uma organização viva. Deve ser, em si mesma, a corporificação do esforço para pôr os valores individuais acima das massas e subordinar essas àqueles.”
Esta é a típica concepção holista da sociedade, tão na moda hoje, no meio da esquerda pós-moderna (não se atrevem a sugerir o igualitarismo no sentido que o comunismo lhe dava, e por isso sugerem o direcionamento do esforço das elites no sentido do bem da comunidade)!
"Miguel, também a social-democracia, uma das três principais correntes nascida do marxismo (e que surgiu em conflito com o comunismo), está muito afastada da noção de igualitarismo defendida por outros socialismo."
A social-democracia consiste no Estado "tirar dos ricos para dar aos pobres" (ou, como alguém disse, "capitalismo na produção, socialismo na distribuição") - isso é igualitarimos (moderado, claro, mas a social-democracia é socialismo moderado).
"Eu vejo as palavras de Hitler como um exemplo de colectivismo, no sentido em que a elite está ao serviço do "organismo", do Estado. Aceita-se a existência de "homens superiores", mas nunca se põe em causa o seu trabalho no sentido de beneficiar a comunidade (bem comum)"
Por essa ordem de ideias até o liberalismo "consequensialista" contaria como "colectivismo"
"Esta é a típica concepção holista da sociedade, tão na moda hoje, no meio da esquerda pós-moderna (não se atrevem a sugerir o igualitarismo no sentido que o comunismo lhe dava, e por isso sugerem o direcionamento do esforço das elites no sentido do bem da comunidade)!"
O que o CMF quer dizer com "esquerda pós-moderna"?
"A social-democracia consiste no Estado "tirar dos ricos para dar aos pobres" (ou, como alguém disse, "capitalismo na produção, socialismo na distribuição") - isso é igualitarimos (moderado, claro, mas a social-democracia é socialismo moderado)."
Exacto, um sistema misto. Mas longe da nivelação, que cobria praticamente todos os aspectos da vida de um indivíduo, posta em prática pelo comunismo.
"Por essa ordem de ideias até o liberalismo "consequensialista" contaria como "colectivismo""
Não sei. Mas o nacional-socialismo é colectivista. Muito à maneira alemã, sim, polvilhado por homens superiores e "heróis", mas não deixa de ser colectivista (a visão orgânica do Estado é incontornável).
"O que o CMF quer dizer com "esquerda pós-moderna"?"
Talvez a esquerda relativista e multiculturalista. Aquela que não se atreve a defender a velha cartilha marxista, e substitui o "colectivismo" pelo "holismo". (Uma esquerda que vai beber mais a Hegel e De Maistre (!) do que a Marx. A-esquerda-que-recusa-o-comunismo?)
"Mas o nacional-socialismo é colectivista. Muito à maneira alemã, sim, polvilhado por homens superiores e "heróis", mas não deixa de ser colectivista (a visão orgânica do Estado é incontornável)."
Ou seja, fica no quadrante superior direito destes quadros; agora a consideração acerca de que outras ideologias está mais próximo dependerá da tal questão de perspectiva.
toda a concepçao nazi de sociedade nada tinha que ver com a socialista, a começar pelos volks.
para alem do mais, há uma citaçao de marx que fala no fim do estado, nao me parece que os nazis o quisessem.
quanto ao papel do estado, bem se bem me lembro era uma papel de pacificador e não de classe (como no caso dos comunistas), e o bem comum que os nazis falam nao é assim tao comum.
agora se houveram algumas pessoas que mudaram de campo, é possivel, que outros tivessem sido enganados pelas promessas (tambem nós hoje o somos, embora a um nivel menor), é possivel.
agora inventar a "natureza dos socialistas", é uma coisa completamente diferente.
e é aqui que o discurso muda.
daqui a pouco so falta dizer que por detras de cada socialista, nao esta uma mulher, mas um skinhead.
basta lembrar quem é que actualmente luta pela legalização dos imigrantes ou pelos direitos dos homosexuais para denotar quem são os reminiscentes do nazismo.
ou já agora pela superioridade da nossa civilização e pela necessidade da guerra. quem são meus lindos?
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