Friday, February 17, 2006

Islamitas-marxistas-leninistas (II)?

Continuando a crítica ao texto de Henrique Raposo:

"Esta componente marxista-leninista reforça a condição revolucionária do islamismo. Há que distinguir o qutbista revolucionário do wahhabita. O wahhabita tem "somente" uma agenda social. Pretende dominar apenas a sociedade. É um purista. O verdadeiro fundamentalista. Este, sim, vive na Idade Média. O wahhabismo não é uma religião política. E aqui está a diferença: o islamismo qutbista é precisamente isso: uma religião política. Tal como o leninista, o islamita é senhor de uma doutrina armada, uma ideologia preparada para destruir qualquer oposição à sua verdade. Segue à risca uma máxima de Lenine: «aniquilação impiedosa do inimigo». E quer Estados..."

O wahhabismo não é uma religião politica!? A primeira ou segunda coisa que o pregador Abd'al-Wahhab (o fundador do wahhabismo) fez foi aliar-se ao xeque beduino Mohammed Ibn Saud e dedicar-se a conquistar a Arábia. Uma citação do volume "1774-1812" da "História do Mundo" das Selecções do Readers Digest:

"Abd al-Wahhab refugia-se em Dariyah (perto de Riade), junto do guerreiro Mohammed Ibn Saud. Este chefe tribal ambicioso, sente que chegou a hora de fundar um verdadeiro Estado, congregando a energia belicosa dos beduínos da Peninsula Arábica à volta de um objectivo religioso."

"Em 1745, o guerreiro e o pregador selam uma aliança indefectível. É então proclamada a jihad (...), pedra angular da nova doutrina, contra todos os sunitas «frouxos» e contra os heréticos xiitas, enquanto o movimento, disposto a tudo, inicia eficazmente as suas tropas no manejo das armas de fogo."

(...)

"[A] chefia tribal dos Saud (...) ganha pouco a pouco contornos de monarquia. O poder transmite-se de pai para filho, enquanto Abd al-Wahhab e os seus descendentes desempenham o papel de conselheiros"

(...)

"A morte de Ibn Saud, em 1765, e depois, em 1792, a de Abd al-Wahhab, não travam o movimento: a jihad está lançada (...). O filho de Mohamed Ibn Saud, Abd al-Aziz - que reina de 1765 a 1803 - , conduz com mão de ferro o apostolado wahhabita e a conquista militar. Mau grado uma resistência feroz, a provincia de Hassa sucumbe aos ataques sauditas. Pouco depois, o Qatar depôs as armas (...). Com Saude, dito al-Kabir, «o Grande», as conquistas estendem-se para lá do Nejd. Antes mesmo da morte do pai, este chefe ambicioso consegue várias vitórias de peso: o Hedjaz, o Iémen, o deserto da Síria e o Iraque Meridional submentem-se. Em 1801, Karbala (no Iraque), uma cidade xiita, é pilhada e os seus lugares santos destruídos, enquanto um grande número dos seus habitantes é chachinado. por outro lado, o acesso a Meca - em poder dos Saud desde 1803 - é vedado aos peregrinos vindos da Síria e do Egipto, acusados de não respeitarem os costumes islâmicos durante a pregrinação. De resto, os Wahhabitas não hesitam em depurar as cidades santas, Meca e Medina, de tudo o que não esteja conforme à sua doutrina: as mesquitas são devastadas; os mausoléus, relíquias, decorações murais, tapeçarias, tudo é mutilado, destruídop e queimado. Quanto às pessoas suspeitas de se entregarem à droga ou à bebida, à magia, aos jogos de azar ou à prostituição, são executadas".

Isto não é uma "religião politica"? Não é "uma ideologia preparada para destruir qualquer oposição à sua vontade"?

Se o moderno terrorismo islâmico é muito mais produto do Qutbismo do que do Wahhabismo, será coincidência que a maior parte dos terroristas do 11 de Setembro fossem sauditas (o país de maior influência wahhabita)? Que Bin Laden seja saudita? Que, no Magrebe, os ex-imigrantes na Arábia Saudita sejam dos maiores apoiantes do islamismo radical?

E quanto a Qutb e a "Irmandade Muçulmana" terem-se inspirado no leninismo, consta que também se inspiraram nas tácticas sauditas, e que as milicias que Abd al-Aziz III Ibn Saud (em 1932, primeiro rei da Árabia Saudita) foram o verdadeiro modelo para a "Irmandade " (inclusive no nome: as milicias sauditas eram chamadas "ikhwans" - "falanges","irmandades" - que é também o nome árabe na Irmandade Muçulmana*)

*aliás, há quem prefira traduzir "Ikhwan al-Muslam" (nota: eu não sei se é mesmo assim que se escreve) por "Falanges Muçulmanas" do que por "Irmandade Muçulmana"

2 comments:

Ricardo Alves said...

1. A Irmandade Muçulmana foi fundada por um admirador do Mussolini. Se o Raposo quer fazer um paralelo entre o qutbismo e uma ideologia europeia, seria melhor tentar com o fascismo.
2. Honestamente, acho que esse exercício (a que o Raposo se dedica há uns meses) só se compreende por vontade de fazer ajustes de contas internos (tugas).
3. E embora eu não seja daqueles que se andam sempre a queixar do «eurocentrismo», acho que haveria muito a ganhar nesta discussão se se tentasse compreender a Irmandade Muçulmana a partir do Islão, e como oposição ao nacionalismo árabe (que teve, esse sim e a contrario da tese do Raposo, apoio soviético).
4. Encontram-se sempre semelhanças entre todos os sistemas totalitários. Sempre. De esquerda e de direita.

Anonymous said...

mesmo não sendo eu marxista-leninista, penso que esta tentativa de relacionar uma coisa com a outra é uma autentica falta de honestidade.

a desmistificação já foi feita e muito bem feita tanto pelo aspirina b e aqui, por isso nada tenho a acrescentar.