Tuesday, September 21, 2010

A extrema-direita, os judeus e Israel

Numa discussão nos comentários deste post (e também aqui), Luis Cardoso escreve que "que nunca vi um partido de extrema-direita que fosse filo-semita, filo-sionista, filo-judaico, etc. O que me leva a tirar a conclusão que o anti-semitismo e a oposição ao estado de Israel é como que a pedra-de-toque do extremismo de direita" e que "julgo que o posicionamento perante os judeus e o estado de Israel é a prova definitiva do extremismo de direita, prova superada com distinção por Wilders".

Há uma certa circularidade nesta opinião (afinal, se um partido que seja pró-Israel ou pró-judeus não pode ser de extrema-direita, claro que nunca se irá encontrar um partido de extrema-direita filo-semita, filo-sionista ou filo-judaico), mas imagino que o raciocinio de LC seja algo como "como no último século os movimentos geralmente considerados de extrema-direita eram normalmente anti-semitas, podemos considerar o anti-semitismo uma marca da extrema-direita" (e aí já não é um raciocinio circular).

Mas será que não há mesmo uma extrema-direita pró-Israel? Eu até não poria o PVV holandês na mesma divisão que outros partidos usualmente chamados de "extrema-direita", como a FN francesa ou o PNR português (o PVV parece-me muito um partido "one-issue" sem grande construção ideológica por detrás), mas o que dizer, p.ex., do BNP britânico (um partido cujos estatutos até há pouco tempo não aceitavam não-brancos, e cujo o lider tem um passado de ligações aos neofascistas italianos), que recentemente também adoptou uma linha pró-Israel? Ou, recuando no tempo, de Xavier Vallat, o "comissário para os assuntos judaicos" do regime de Vichy, que iniciou a implementação das leis anti-semitas, que em 1936 disse que o governo de Leon Blum era os "talmudistas" a governar a França, mas que em 1967 organizou manifestações de apoio a Israel durante a Guerra dos Seis Dias?

Vamos pensar a questão de forma mais aprofundada - porque é que a extrema-direita não gosta dos judeus (afinal, com tantos grupos étnicos que há no mundo, porque é que foram escolher os judeus como objectos de ódio?); a mim parece-me que a resposta é simples: a extrema-direita normalmente é nacionalista, e tem muito a mitologia da "terra e dos antepassados" ("o solo e o sangue") - ora, os judeus, como um grupo espalhado por todo e mundo e com uma grande história de mobilidade (ela própria provocada pelos anti-semitas...) são a antitese disso, são o protótipo dos "cosmopolitas desenraizados".

Além disso, provavelmente como um resquicio da velha oposição entre "terra" e "dinheiro" (aristocracia tradicional vs. burguesia urbana), parte da direita mais radical tende a seguir uma linha de defesa da "propriedade sólida" (terras, fábricas, etc.) contra a "propriedade fluida" (dinheiro, títulos, etc.), com uma distinção entre os "bons capitalistas" (agricultores, industriais...) e os "maus capitalistas" (comerciantes, banqueiros, "especuladores"...). Ora, os judeus (em parte também por culpa dos anti-semitas...) dedicavam-se largamente ao comércio e à finança, ou seja, eram o protótipo dos "maus capitalistas"; além disso, entre os judeus que não eram banqueiros nem comerciantes (suponho que, apesar do mito, os banqueiros judeus fossem uma minoria entre a população judia), também havia uma grande proporção de "intelectuais", grupo também não muito apreciado por muita extrema-direita.

E onde é quero chegar com isso? Muito simples - todas estas razões só se aplicam aos judeus da Diáspora; não há nenhuma razão especial para a extrema-direita odiar os judeus de Israel: os israelitas não são "cosmopolitas desenraizados", não são uma etnia espalhada pelo mundo - pelo contrário, são uma comunidade nacional a viver no seu território supostamente ancestral; ainda por cima, Israel cultiva a imagem de uma potência agricola (e militar), em contraste com a imagem de comerciantes/banqueiros/intelectuais urbanos "decadentes" dos judeus da diáspora. Ou seja, o facto de alguém ser um defensor entusiasta de Israel não significa que não possa ser de extrema-direita; aliás, acho que alguêm até pode detestar os judeus da diáspora e defender Israel exactamente pelas mesmas razões.

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]