Monday, September 20, 2010

Há prejuizos sociais na educação (II)?

Ocorre-me também outro mecanismo (este mais convuloto) pelo qual a educação possa ser socialmente negativa.

Vamos regressar à teoria que "há grandes externalidades potenciais na criação intelectual ". Mas agora vamos assumir uma hipótese arriscada - que os indivíduos mais dados à "criação intelectual" aprendem melhor lendo livros numa biblioteca pública do que assistindo a aulas formais. Poderíamos sugerir duas razões para isso:

a) As pessoas que passam mais tempo "perdidas nos seus pensamentos" em principio serão mais dadas a produzirem novas ideias do que aquelas mais dadas a concentrar a sua atenção no mundo exterior; mas, sendo pessoas mais viradas para o seu mundo interior do que para o mundo exterior, em principio também serão mais dadas a querer aprender coisas motivadas por "curiosidade interior" do que por exigência externa

b) Muitas vezes as novas ideias surgem como combinação de outras; ora, uma pessoa cuja aprendizagem seja fruto de um currículo formal tenderá a ter um conjunto de conhecimentos semelhantes ao que muitas outras pessoas também têm (porque também aprenderem por esse currículo), logo haverá pouco espaço para fazer novas combinações de ideias (afinal, se há tanta gente com o mesmo conjunto de conhecimentos, é provável que muita gente já tenha descoberto as combinações possíveis que possam ser feitas); pelo contrário, é possível que um autodidacta tenha conhecimentos sobre ramos que não é normal a mesma pessoa conhecer (estilo, electricidade e arqueologia) - assim, a probabilidade de descobrir uma combinação de ideias que ninguém descobriu antes é maior (pelo simples facto de serem poucas as pessoas que conheçam todas as ideias base que serviram para a sua invenção/descoberta)

Agora uma digressão - uma pedopsiquiatra escocesa falecida há algum tempo, Sula Wolff, fez ao longo da sua carreira muitos estudos sobre crianças "esquizóides"*, largamente sintetizados no seu livro Loners; uma coisa que ela concluiu é que a adaptação social e funcional desses indivíduos melhorava significativamente quando deixavam a escola - uma passagem em que ela cita a mãe de um dos seus antigos pacientes (dos tais que basicamente ficou "bom" quando deixou a escola regular): 

"He didn't really enjoy being at school and trying to learn wahat other people wanted him to learn nor the way they tried to do it. He always wanted to go his own way. He hasn't basically changed. It's just easier when you are not at school. (...) [He] is a non-conformist and if press [him] too far, you'll disturb him." (...)

"[there are] a lot of individuals with basically nothing wrong with them but at the extreme of the personality... school adive to insist and conformity (...) really makes matters worse"
Por outro lado, Wolff também faz referência a vários estudos indicando alguma ligação entre brilhantismo intelectual e/ou artístico e tendências esquizóides, concluindo que "a number of eminent scientists, artists and philantropists, as well and eccentrics and recluses, appear to have personality features congruent (...) with the characteristics of our own schizoid/schyzotypal young children", e (como exemplos dessa tese) dedicando um capitulo inteiro a diagnosticar retroactivamente Ludwig Wittgenstein e Opal Witeley como esquizóides.

Bem, e o que é que isso tudo interessa para aqui? É que se aceitarmos os pressupostos que a) pessoas com tendências esquizóides têm dificuldade em adaptar-se ao sistema escolar; e b) há uma associação entre tendências esquizóides e a criatividade intelectual e/ou artística, isso pode sugerir a hipótese que havia proposto uns parágrafos acima: que as pessoas mais dadas à criação intelectual funcionam melhor fora da escola (não necessariamente, já que haver uma correlação entre A e B e entre A e C não implica que haja entre B e C).

Portanto, o meu raciocinio original era que uma externalidade positiva da educação seria através do progresso técnico/científico/intelectual (que beneficia toda a gente); mas, se conluirmos que as pessoas mais dadas à criação intelectual aprendem melhor fora da escola (ou que as pessoas que aprendem fora da escola são mais dadas à criação intelectual - parece a mesma coisa mas não é), então o raciocínio inverte-se - ou melhor, até continua a haver uma externalidade positiva na educação em sentido lato (incluindo auto-educação), mas haverá uma externalidade negativa na escolaridade formal.

Mas será que este ponto é relevante? Penso que não, por duas razões.

Em primeiro lugar, a teoria que propus neste post (recordo: «os indivíduos mais dados à "criação intelectual" aprendem melhor lendo livros numa biblioteca pública do que assistindo a aulas formais») é capaz de ser mais um cliché romântico do que algo solidamente estabelecido.

Em segundo, toda esta discussão (dos benefícios sociais da educação) tem a ver com a questão sobre se justifica "subsidiar" (seja através do Estado ou de patrocínios ou bolsas atribuídas por privados) a educação. Ora se existirem pessoas que preferem aprender e aprendam melhor como autodidactas, duvido que a existência de "cenouras" (bolsas, patrocínios, subsidios, benefícios fiscais, etc.) seja suficiente para os fazer frequentar a escola formal; o que levará uma pessoas dessas a frequentar a escola serão mais os "paus" (escolaridade obrigatória, leis exigindo certas licenciaturas para certas profissões, etc.)


*O "transtorno de personalidade esquizóde" é uma condição caracterizada por "por um retraimento dos contactos sociais, afectivos ou outros, preferência pela fantasia, actividades solitárias e a reserva introspectiva, e uma incapacidade de expressar seus sentimentos e a experimentar prazer"; não confundir com esquizofrenia (os esquizofrénicos normalmente tem esses sintomas, mas têm também alucinações, ouvem vozes, etc.; pelo contrários, os esquizóides têm perfeita noção da realidade, mesmo que não participem muito nela); e, já agora, nem "esquizóide" nem "esquizofrénico" têm NADA A VER com ter várias personalidades.

1 comment:

tiago said...

na minha opinião os apoios do estado criam falsas expectativas, pioram o ensino, perde-se riqueza, produtividade e tempo.

uns exemplos:

1- ha empresas que preferem pagar formação a pessoas não licenciadas, a contratar estas pessoas. porque com a formação têm uma maior certeza nas capacidades das pessoas e não têm que pagar os ordenados altos que os licenciados exigem. uma licenciatura de 3 anos, não tem comparação face a uma formação directa numa empresa. e muito provavelmente um licenciado iria necessitar da mesma formação que o não licenciado.

2- a qualidade dos professores recentemente formados tem descido (facto que acho bastante preocupante) e que está em parte relacionado com a subsidiação do ensino. Actualmente um sistema de ensino em que não existe flexibilidade, sujeito às ordens do governo, e em que o mérito não é reconhecido faz com que a profissão de professor perca a sua importância. E grande parte das pessoas que vão para professores, não vão pela paixão, vão pelas baixas notas, pela facilidade, e por no final ao menos terem uma licenciatura.resulta em professores cada vez menos preparados, com menos paixão e que vão ensinar a próxima geração.

3- uma pessoa aprende mais facilmente aquilo que sente que realmente precisa. o ensino superior está cheio de disciplinas cujo objectivo, não é aprender, mas passar. pode-se passar a copiar, pode-se passar com trabalhos plagiados, não interessa. interessa é passar. diria que estas disciplinas representam uma percentagem muito elevada dos cursos. e creio que em parte vem desta subsidiação dos estudos. se soubéssemos quanto custa cada professor, se soubéssemos quanto custa cada aula, provavelmente teriamos uma atitude mais critica em relação aos planos de estudos o que resultaria numa maior eficiência.

4- mesmo após 5 anos de estudos, uma pessoa não está preparada para o mercado de trabalho. formamos pessoas aos 25 anos sem preparação para entrar directamente no mercado de trabalho.

5- a banalização do ensino superior. Já nem se devia chamar superior. daqui a pouco vamos ser todos mestres e daqui a uns 15 anos todos doutores. mas não somos mais espertos. mas isto pode até ser uma coisa boa, porque com a banalização pode ser que as pessoas dêem mais valor às verdadeiras capacidades das pessoas e não aos símbolos.