Numa conversa no Facebook sobre o que poderemos chamar a teoria da personalidade Jung/Myers/Briggs/Keirsey (sigam os links para perceber do que se trata - para simplificar vou chamar "MBTI", embora não tenha sido exactamente esse o modelo em discussão), pareceu emergir uma tendência para liberais terem o tipo de personalidade INTJ, o que faz lembrar a teoria de que anarco-capitalistas tenderão a ser INTJ e anarco-socialistas INTP.
Isso levantará duas grandes questões - 1) Será verdade ou apenas o resultado de simples acaso? 2) Qual o mecanismo? Nomeadamente, o que poderá levar os "J" a irem mais para a direita e os "P" para a esquerda?
A respeito da primeira questão, eu não me admirava que "introvertidos" e "intuitivos" estejam largamente sobre-representados em discussões em fóruns da internet (os "extrovertidos" preferem falar com pessoas de carne e osso e os "sensitivos" não têm grande interesse em discussões muito aprofundadas); também é provável que o gosto dos introvertidos pela introspecção e dos intuitivos por teorias e modelos abstractos os torne mais predispostos a fazerem testes on-line de personalidade; finalmente, é provável que os intuitivos sejam mais interessados em politica que a média. Assim, temos que uma pessoa com um posicionamento politico claro e que esteja a falar on-line sobre tipos de personalidade será muito provavelmente um INxx.
Há uns tempos foi feito um estudo nos EUA comparando o "liberalismo"-conservadorismo em matérias económicas e sociais, não com o MBTI mas com outro modelo - o dos "5 factores da personalidade" ("neuroticismo", "extroversão", "abertura", "agradabilidade" e "conscienciosidade" - de novo, ler o link); ora, há estudos [pdf] mostrando uma correlação entre 4 dos "5 factores" e o MBTI (mais exactamente, "extroversão" está - surpreendentemente - correlacionada com E, "abertura" com N, "agradabilidade" com F e "conscienciosidade" com J).
Bem, e que conclusão chegava o tal estudo? Que o conservadorismo económico estava associado com positivamente com "extroversão" e "conscienciosidade" e negativamente com "agradabilidade", "neuroticismo" e "abertura"; já o conservadorismo social estaria positivamente associado com "conscienciosidade" e negativamente com "abertura" (no caso do conservadorismo social, as associações parecem-me bastante intuitivas). "Traduzindo" da terminologia dos "5 factores" para a do o MBTI (que tem a vantagem de usar siglas em vez de palavras que eu nem sei bem como traduzir), o conservadorismo económico seria então tipicamente ESTJ e o conservadorismo social xSxJ.
Agora, a segunda questão: poderia haver algum mecanismo lógico que levasse um INTP a ser um socialista libertário ou um anarco-socialista, e um INTJ a ser um liberal ou um anarco-capitalista?
Uma possivel razão para ancaps e liberais serem muitas vezes "J" - um Estado tem sobre o seu território direitos muito semelhantes aos de um proprietário sobre a sua propriedade (no fundo, o Estado pode-se considerar um proprietário imobiliário em ponto grande; e numa sociedade anarco-capitalista, um proprietário imobiliário seria muito parecido com um Estado em ponto pequeno); quando esse assunto se discute, liberais e sobretudo ancaps levantam muitas diferenças entre a autoridade do Estado e a autoridade do proprietário, mas por norma a discussão acaba por chegar ao ponto "o proprietário adquiriu legitimamente a sua propriedade (e, se não for o caso, a sua expropriação é aceitável), e o Estado não adquiriu legitimamente o seu território"; mas tal implica ter um teoria bem definida sobre em que situações é justa a aquisição de propriedade, e considerar que a justiça ou injustiça de uma situação actual pode ser determinada com base em acontecimentos de há centenas de anos; tal é muito mais atractivo para um "J"; um "P" tenderá a considerar tanto o Estado como a Propriedade (e se calhar tudo...) como simples convenções, que foram estabelecidas e podem ser alteradas se assim se entender, logo tenderão a vé-los como instituições relativamente semelhantes (por alguma razão o anarco-capitalismo de Murray Rothbard, jusnaturalista, é muito mais popular que o de David Friedman, que penso ser mais contratualista).
Outra possivel razão: nem INTPs nem INTJ gostam muito que lhe venham dar ordens - como "I", gostam de estar sozinhos, como "N" preferem a imaginação à realidade (logo preferirão actividades em que tenham margem para inventar em vez de simplesmente executar) e como "T" são pouco dados a estarem emocionalmente dependentes de outros pessoas; mas um INTJ, seguro de si e das suas ideias, não terá grande problema em dar ordens a outros se tal for necessário; já um INTP dificilmente terá a firmeza suficiente ou a motivação para impor a sua vontade a outros - a sua atitude natural será mais "não me venham chatear muito, que eu também não chateio ninguém" (compare-se esta descrição do tipo INTJ - "INTJs are natural leaders, although they usually choose to remain in the background until they see a real need to take over the lead. When they are in leadership roles, they are quite effective, because they are able to objectively see the reality of a situation, and are adaptable enough to change things which aren't working well. They are the supreme strategists - always scanning available ideas and concepts and weighing them against their current strategy, to plan for every conceivable contingency" com a do tipo INTP - "INTPs do not like to lead or control people. They're very tolerant and flexible in most situations, unless one of their firmly held beliefs has been violated or challenged, in which case they may take a very rigid stance.")
Assim, para uma pessoa que não gosta de receber ordem mas não tem problemas em as dar, um sistema de micro-autoridades descentralizadas, como na combinação liberal de um Estado pequeno (ou não existente, no caso dos ancaps) e de autoridade hierárquica no local de trabalho é aceitável; já para uma pessoa que não gosta nem de dar nem de receber ordens, é mais atractiva "a abolição de todas as formas de autoridade e dominação, na politica, no trabalho, na família, na educação...", à maneira socialista libertária (claro que se poderia argumentar que para um INTP faria mais sentido defender um sociedade de pequenos produtores autónomos, à Prodhoun, Spooner ou Tucker do que uma sociedade de colectivos de trabalhadores, à Bakunine ou Kropotkine, mas pode ser que este ache que, a partir do momento em que a tecnologia obriga muitas pessoas a trabalhar em conjunto, o colectivo autogerido é um mal menor comparado com a autoridade de um patrão).
Claro que isto é um raciocínio puramente especulativa, até porque é duvidoso que a teoria da personalidade em que se baseia tenha um sólido fundamento cientifico.