Carlos Guimarães Pinto escreve que «O Liechtenstein, um dos mais pequenos países do Mundo, atribuiu o direito constitucional de secessão a cada uma das suas 11 regiões. Uma verdadeira nação só pode ser construida nesta base. A força pode juntar um grupo de territórios, mas só a cooperação voluntária torna esse agregado territorial numa nação. O Reino Unido é hoje muito mais uma nação do que ontem.»; a tal Samuel da Paiva Pires responde que «o autor do post não operacionaliza conceptualmente o que entende por "nação", o que, todavia, não o inibe de avançar para a utilização do qualificativo "verdadeira"» e que «decreta o autor que só (e sublinho a utilização da palavra "só") a cooperação voluntária torna um agregado territorial numa nação. Não é sequer necessário pensar muito para encontrar bastos e diversos exemplos que permitem perceber quão errada é esta proposição. A não ser, claro, que o autor parta de uma definição de "nação" que exclua as conceptualizações teóricas mais comuns».
Mas a visão de Carlos Guimarães Pinto sobre o que é uma nação será assim tão exótica? O próprio Samuel de Paiva Pires remete para um texto dele sobre o conceito de nação [pdf], onde a dada altura apresenta duas tradições distintas:
Estes dois entendimentos correspondem, grosso modo, à distinção entre nação entendida de forma subjectiva e de forma objectiva. A concepção objectiva é tributária de diversos autores alemães, franceses e britânicos, não apenas da concepção racial germânica, como sejam Gobineau, Otto Amon, Vacher de Lapouge, Augustin Thierry e H. Stewart Chamberlain. A componente germânica não deixa de ganhar particular relevo, definindo-se nação “por um conjunto de características objectivas, exteriores e hereditárias que se impõem aos indivíduos”, nomeadamente, “a raça ou etnia, a língua, depois o território, os costumes e a religião”, que se constituem como critérios definidores de uma nação, “facto que alheia o nível de consciencialização e qualquer atitude voluntária por parte das populações em questão”. (...)
Por outro lado, a concepção subjectiva, tem como grande precursor o já referido
Ernest Renan, autor que desde logo aponta factos que obstam à concretização da nação
assente em noções de raça, território, língua ou religião. Nem a Alemanha escapa à
mistura de sangue, até porque a história humana difere da zoologia; os Estados Unidos e a Inglaterra, a América espanhola e Espanha, Portugal e o Brasil, são apenas exemplos de diferentes nações que falam a mesma língua, ao passo que a nação suíça alberga várias línguas; a religião tornou-se, em grande parte, um assunto do foro individual, em que cada um crê e pratica o que quer; e, por último, em relação ao território, acreditar que os limites de uma nação advêm da geografia, é apenas uma arbitrária justificação para a violência. Definindo-a primeiramente de forma negativa, i.e., em relação ao que não é, Renan conceptualiza positivamente a nação como “uma alma, um princípio espiritual. Duas coisas que, a bem dizer, são apenas uma, este princípio espiritual. Uma está no passado, outra no presente. Uma é a posse em comum de um rico legado de recordações; a outra é o consentimento actual de, o desejo de viver em conjunto, a vontade de continuar a fazer valer a herança que se recebeu indivisa.
[Essas duas definições de nação fazem-me lembrar do que escrevi aqui, de que tanto principio da soberania dos estados como o principio do direito dos povos à auto-determinação são frequentemente englobados na designação "soberania nacional"]
Ora, se pegarmos na definição "subjectiva" de nação (que requer o tal "desejo de viver em conjunto"), efetivamente faz sentido assumir que uma "nação" é tanto mais "nação" quanto a sua existência for o resultado do consentimento voluntário dos individuos (ou, no mínimo, das localidades/municipios/provincias/regiões/etc.) que a compoêm (já que se as partes constituintes de uma nação estiverem lá a contragosto, quer dizer que não há "desejo de viver em conjunto").
Ainda vagamente a respeito deste assunto (só nos últimos parágrafos), também o meu post O neo-nasserismo de Helena Matos
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