Um "Rendimento Básico Incondicional" é um subsidio supostamente pago por igual a toda a gente - ricos ou pobres, empregados ou desempregados, que procurem emprego ou que passem o dia o jogar LinCity no computador.
Uma clássica objeção (ou sequência de objeções) que pode ser feita ao RBI é esta apresentada por Francisco Louçã:
Nesse plano, o rico e o pobre deveriam receber o mesmo rendimento incondicional, porque são iguais.Para responder a essa objeção, pode ser útil analisar um sistema de RBI de uma forma algo diferente da forma como é normalmente apresentado - em vez de o vermos como um subsidio pago igualitariamente a todos (já que na verdade uns vão receber e outros pagar), poderemos fazer uma análise um pouco mais complexa e definirmos um sistema de RBI como um sistema em que o imposto sobre o rendimento líquido de transferência (isto é, o que se paga de imposto sobre o rendimento menos o que se recebe em dinheiro de apoios sociais) tem as seguintes propriedades:
Este princípio parece-me dificilmente aceitável, pouco prático na condução da política, susceptível das maiores revoltas e enigmático no seu propósito. É certo que os defensores do RBI atenuam esta crítica dizendo: pois é, o rico recebe o mesmo que o pobre, mas o rico vai ter de pagar mais impostos e o pobre não. (...) Mas então se se dá e tira ao rico, para quê a manigância?
- o valor do imposto é negativo para o rendimento zero (ou seja, quem não tem rendimentos é um beneficiário líquido)
- a taxa marginal de imposto é sempre nula ou positiva (ou seja, um aumento do rendimento nunca origina um aumento de subsidio a receber ou uma redução do imposto a pagar: quanto maior o rendimento, menor o subsidio ou maior o imposto - ou, quando muito ficará na mesma)
- a taxa marginal de imposto pago pelos beneficiários líquidos é igual ou inferior à taxa marginal de imposto paga pelos contribuintes líquidos (ou seja, quando um beneficiário liquido recebe mais um euro de rendimento a redução no valor do subsidio é menor - ou, no máximo, igual - ao aumento de imposto que um contribuinte líquido sofre quando recebe mais um euro de rendimento)
Para percebermos melhor vamos comparar o RBI com duas possíveis alternativas - um sistema estilo Rendimento Social de Inserção, e um sistema estilo "subsidio aos baixos salários" (como Earned Income Tax Credit norte-americano)
O RSI compartilha as duas primeiras propriedades com o RBI, mas distingue-se pelas taxas marginais altíssimas a que os seus beneficiários estão sujeitos: na versão mais pura o RSI funciona pelo sistema de dar a toda a gente que ganhe menos que um dado valor o que falta para atingir esse valor; desta forma, qualquer aumento de rendimentos do beneficiário será compensado por uma redução de igual valor, o que corresponde a uma taxa marginal de imposto de 100% - na verdade, no RSI realmente em vigor os rendimentos do trabalho são contabilizados por 80% do seu valor, o que significa que a taxa marginal acaba por ser também de 80% e não de 100%, mas continua a ser um valor bastante elevado. Se quisermos (e é em parte uma das ambições deste post) estabelecer uma taxonomia rigorosa das várias formas de subsidiação social, eu definiria um sistema "tipo RSI" como um sistema em que os beneficiários líquidos estão sujeitos a uma taxa marginal mais alta que os contribuintes líquidos com menores rendimentos, ou que uma pessoa que esteja no ponto de transição entre beneficiário e contribuinte.
Em principio, acho que qualquer sistema que combine um imposto progressivo ou proporcional sobre o rendimento com um subsidio atribuído apenas aos mais pobres irá ter as propriedades acima descritas.
Já um sistema tipo "subsidio salarial" distingue-se por:
- o valor no imposto é nulo para o rendimento zero (ou seja, quem não tenha rendimentos nenhuns não recebe nada)
- a taxa marginal de imposto começa por ser negativa para os rendimentos mais baixos (ou seja, para quem ganhe menos que determinado rendimento, o subsidio é tanto maior quanto mais se ganha, e só acima desse valor é que o subsidio começa a diminuir)
A grande vantagem é que, como os beneficiários de um sistema "tipo RBI" estão sujeitos a a uma taxa marginal de imposto muito menor que os beneficiários de um sistema "tipo RSI" o desincentivo ao trabalho e o perigo dos beneficiários ficarem presos na tal "armadilha da pobreza" também é muito menor (e, sendo menor o desincentivo implícito ao trabalho haverá também menos tendência para querer combater esse desincentivo através de mecanismos como "planos de inserção" ou pondo os beneficiários sob tutela dos burocratas da segurança social).
Também (no fundo pelas mesmas razões) utilizar um mecanismo "tipo RBI" para apoiar os trabalhadores com baixos salários (e não apenas os "excluídos") parece-me mais viável do que um mecanismo "tipo RSI" - num mecanismo "tipo RSI" alargar a cobertura de forma a cobrir parte substancial dos trabalhadores mal pagos iria, temos que reconhecer, levar muitos deles a abandonar a força de trabalho (ou então sujeitá-los aos tais programas de "acompanhamento" e vigilância para impedir isso); já um mecanismo "tipo RBI" pode ser facilmente calibrado para tornar os trabalhadores mal pagos beneficiários líquidos sem desincentivo significativos ao trabalho (é só combinar um subsídio formal relativamente alto com taxas de imposto baixas ou nulas para esses trabalhadores).
Quanto ao sistema "tipo subsidio salarial" tem o problema oposto ao RSI: incentiva demasiado ao trabalho; como o subsidio só é pago a quem tenha trabalho e, para os trabalhadores piores remunerados, até é maior quanto mais se trabalhe, isso leva a que um empregador que pague baixos salários tenha provavelmente mais facilidade em arranjar empregados do que se não houvesse subsídio nenhum - ou seja, um subsidio aos baixos salários facilmente se transforma, na prática, de um subsidio aos trabalhadores que recebem baixos salários em um subsidio aos patrões que pagam baixos salários.
Ainda sobre este tema dos vários tipos de sistemas de subsidiação redistributiva, o meu post de 2013, O RBI pode fazer baixar os salários?
[É possível que, nos próximos dias, escreva mais qualquer coisas, aqui e/ou no Vias, sobre as reservas de Louçã ao RBI]
1 comment:
O texto do Louçã teve partes que me pareceram ou patetas ou demagógicas, em particular a indignação com o facto dos ricos receberem uma prestação social numa situação onde existem falta de recursos. Esse é exactamente o argumento da direita contra o SNS, o sistema educativo, etc.. que a esquerda caracteriza como "defender o assistencialismo". Agora Louçã, ignorando qualquer resquício de consistência, defende as posições da direita.
Posto isto, o texto dele tem uma parte muito convincente, e tenho pena que muitos defensores do RBI ignorem esta questão.
É uma crítica concreta, que não está centrada nos princípios e valores abstractos subjacentes ao RBI (onde parece uma ideia muito interessante), mas sim focada na realidade concreta do orçamento português. Qual a receita necessária, e como consegui-la sem IVAs na casa dos 100% ou subidas avassaladoras no IRS, ou cortes indesejáveis nas prestações sociais.
Se bem compreendo o teu texto, uma subida no IRS não te pareceria necessariamente algo pernicioso, desde que o valor líquido pago (tendo em conta a prestação recebida) fosse menor ou igual.
Se o LIVRE defender a mesma ideia, terá de ser muito claro no que diz respeito a subidas nas taxas ("brutas") de IRS, quanto deverão subir (podem rondar os 70%-80%!), etc.. E aí, suspeito que o apelo eleitoral do programa pode ser afectado.
Mas pelo menos essa parece ser uma resposta honesta e consistente à crítica do Louçã. Geralmente vejo simplesmente uma vontade de fugir ao assunto.
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