Tuesday, July 25, 2017

É possivel um RBI que não tenha grandes custos e que não desincentivo o trabalho?

The 2 most popular critiques of basic income are both wrong, por Dylan Matthews:

Making the case for universal basic income (UBI) has always required advocates to address two criticisms of the idea:
1. Giving people cash will cause them to work less, hurt the economy, and deprive them of the meaning that work provides in life.

2. Providing an income floor set at a reasonable level for everyone is unaffordable.

Call these the work critique and the cost critique. (...)

Let’s take the work critique first. University of Chicago economist Ioana Marinescu recently conducted a wide-ranging review of the literature on unconditional cash programs for the Roosevelt Institute, focusing on programs in the US and Canada. She examined experiments in the 1970s and ’80s that evaluated “negative income taxes” (NITs, essentially basic incomes that phase out as you earn more), Alaska’s Permanent Fund (which taxes oil extraction and returns the money directly to every man, woman, and child through an annual check), and a dividend the Eastern Band of Cherokees issued to members of the tribe from casino revenues.

All of these cases find reductions in work that are, at most, modest. (...)

The cost critique is even simpler than the work critique. (...)

In an absolute must-read paper for anyone interested in the basic income debate, the University of Michigan’s Jessica Wiederspan, Elizabeth Rhodes, and Luke Shaefer estimate the cost of the US adopting a negative income tax large enough to wipe out poverty. To be conservative and get a high-end cost estimate, they assume that such a program would discourage work substantially.

Despite that, they find that a household-based negative income tax, set at the US poverty line and with a 50 percent phaseout rate, would cost $219 billion a year. That’s almost the same as the combined cost of the earned income tax credit (which supports the working poor), Supplemental Security Income (itself basically a negative income tax but only for the elderly and disabled), food stamps, cash welfare, school meal programs, and housing subsidies. You could swap those programs out, put a guaranteed income in their place, and wipe out poverty entirely.
Não confio muito que ambas as críticas estejam erradas.

Para começar, no que diz respeito ao trabalho, é necessário distinguir entre o efeito-rendimento e o efeito-substituição; receber subsídios tende a fazer as pessoas trabalhar menos por dois mecanismo diferentes:

- O efeito-rendimento consiste em simplesmente o beneficiário passar a ter mais dinheiro, logo tem menos necessidade de trabalhar

- O efeito-substituição consiste no mecanismo do tipo "se eu arranjar um emprego a ganhar 600 euros perco o subsidio de 400, logo no fundo vou ganhar só 200; e por 200 euros não vale a pena".

Supostamente a grande vantagem do RBI sobre sistemas estilo Rendimento Social de Inserção é que a redução do trabalho só acontece via efeito-rendimento, já que como o subsidio não é cortado quando o rendimento aumenta, não acontece o efeito-substituição (ou só acontece na medida em que tem que pagar mais impostos, não por via do subsídio). Assim, o RBI terá muito menos o efeito de levar as pessoas a não trabalhar, em comparação.

Mas, se para a despesa ser comportável, e vai cortar o RBI à medida que o rendimento vai aumentando (como no modelo sugerido por Wiederspan, Rhodes e Shaefer, em que para cada 100 dólares de rendimento adicional que o beneficiário receba, o RBI é cortado em 50 dólares, a que imagino se junte ainda os impostos pagos direta ou indiretamente sobre o rendimento), então o RBI (se é que ainda lhe podemos chamar "RBI" neste caso) também vai reduzir o trabalho via efeito-substituição.

Ou seja, não podemos simultaneamente usar o exemplo do Alasca ou dos cherokees (em que há um rendimento distribuído mesmo igualitariamente por toda a gente) para dizer que o RBI não reduz a oferta de trabalho, e depois usar a proposta de Wiederspan, Rhodes e Shaefer (com um pseudo-RBI que se diminui à medida que o rendimento aumenta) para dizer que um RBI não vai sair muito caro.





https://www.vox.com/policy-and-politics/2017/7/20/15821560/basic-income-critiques-cost-work-negative-income-tax

Tuesday, July 18, 2017

Rendimento Básico Incondicional - os limites de uma ideia

A basic income really could end poverty forever - But to become a reality, it needs to get detailed and stop being oversold, por Dylan Matthews (Vox):

Basic income advocates like to talk in effusive terms about the idea’s cross-partisan appeal, how it unites radical Marxists like André Gorz and libertarians like Milton Friedman and American heroes like Thomas Paine and Martin Luther King Jr. They speak of its radical potential to remake society, and position it as an inevitable and necessary response to an incoming torrent of technological change. (...)

You can’t assume away politics, though. And when you take a look under the hood of major plans from basic income advocates, the politics begin to look daunting. The coalition between left and right evaporates, the idea’s economic inevitability looks fanciful, and the promise that the plan could end poverty forever looks more dependent on technical details than you might think. (...)

We have gone through large automation shocks before; are self-driving trucks really a bigger step than, well, trucks were? And if trucks and washing machines and all the other labor-saving inventions of the 20th century didn’t put anyone permanently out of work, but instead shifted the kind of work that was being done, why would we think matters would be any different in the 21st century? Why could the laundry workers of the 1940s find new jobs but the truck drivers of the 2020s can’t?

Indeed, as my colleague Matthew Yglesias is fond of pointing out, technological productivity growth is actually well below historical averages. These are days of miracle and wonder, but our grandparents seem to have lived through even more miraculous times and did not see work disappear in the process.


Tuesday, July 11, 2017

Exercícios para desenvolver o cérebro versus jogos de computador

O Público dá destaque a uma notícia de título "Sabe aqueles exercícios que desenvolvem o cérebro? Talvez não o desenvolvam assim tanto", dizendo que  "os exercícios cognitivos vendidos por empresas para melhorar as capacidades neurológicas não trazem mais benefícios do que um simples videojogo".

No entanto, indo ver o estudo propriamente dito (de qualquer maneira, é um ponto a favor do Público terem posto um link para o estudo na notícia - grande parte das publicações on-line portuguesas não fazem isso quando falam de "estudos", e é uma trabalheira para encontrar o estudo e confirmar se tem alguma coisa a ver com o que é noticiado) parece-me um pouco mais complexo.

Em primeiro lugar, parece-me que o que está a ser testado é mais o efeito desses "exercicios" sobre coisas ligados à capacidade de autocontrole do que propriamente à capacidade intelectual em sentido estrito:

Increased preference for immediate over delayed and for risky over certain rewards has been associated with unhealthy behavioral choices. Motivated by evidence that enhanced cognitive control can shift choice behavior away from immediate and risky rewards, we tested whether training executive cognitive function could influence choice behavior and brain responses. (...) Pre- and post-training, participants completed cognitive assessments and functional magnetic resonance imaging (fMRI) during performance of validated decision-making tasks: delay discounting (choices between smaller rewards now vs. larger rewards in the future) and risk sensitivity (choices between larger riskier rewards vs. smaller certain rewards).
Ou seja, o que está a ser testado é se os participantes, após os treinos, "aprendem" a preferir o longo-prazo ao curto-prazo e o seguro ao arriscado.

Eu posso estar completamente enganado, mas tenho a ideia que as pessoas que fazem/compram esses exercícios tem com motivação primeira desenvolver e treinar o raciocinio, conseguirem pensar mais depressa, etc., não tento aumentar a sua autodisciplina e auto controle (ainda mais que creio que esses exercicios são frequentemente direcionados para a população mais idosa, cujas preocupações sejam mais "não quer ficar senil e com o raciocínio atrofiado" e não tanto "não quero ser um esgroviado que não pensa no futuro e gasta tudo em copos, mulheres [alterar de acordo com sexo e preferência] e motos de alta cilindrada").

Ordoliberalismo e neoliberalismo

A respeito desta discussão entre Vital Moreira e João Rodrigues sobre se o "ordoliberalismo" é uma variante do "neoliberalismo", suspeito que o problema talvez esteja na história da palavra "neoliberalismo", que dá-me a ideia ter 3 sentidos distintos:

a) Nas décadas a seguir à II Guerra Mundial, era praticamente a mesma coisa que "ordoliberalismo", tendo o "neo-" o sentido de ser um "novo liberalismo", modernizado e sem os radicalismos do liberalismo clássico tradicional; p.ex., o texto de 1951 de Milton Friedman, "Neo-Liberalism and Its Prospects" [pdf] define "neoliberalismo" de uma forma praticamente idêntica a "ordoliberalismo"

b) A partir dos anos 80, "neoliberalismo" começou a ser usado pela esquerda para designar o movimento de privatização e desregulamentação da economia e redução dos impostos posto em prática por governantes como Reagan e Thatcher, e tendo como ideólogos Hayek e os economistas da Escola de Chicago, como Milton Friedman; neste sentido, o "neo-" tem um significado puramente cronológico, de ser, em termos temporais, uma nova vaga de liberalismo, depois do liberalismo do século XIX e do pré-I Guerra Mundial. Pode-se argumentar que Friedman mostra que os dois estão ligados, já que este escreveu o tal texto de 1951 sobre o "neoliberalismo" no sentido de ordoliberalismo, mas parece-me que não se pode fazer esse salto; em primeiro lugar, nem é certo que o Friedman dos anos 70/80/90/00 pensasse o mesmo que o de 1951; e, de qualquer maneira, não é por, pelos vistos, aceitar a politica anti-trust que Friedman é frequentemente chamado de "neoliberal" - é por todas as suas outras posições anti-intervenção e anti-regulação, e seria à mesma (ou se calhar ainda mais) chamado de "neoliberal" se fosse contra as leis anti-trust

c) Em certa altura, a partir dos anos 90, e com as políticas de Clinton, começou também a chamar-se, nos EUA, "neoliberais" aos "liberais" (no sentido norte-americano, isto é, social-democratas) mais adeptos de alguma desregulamentação (e talvez sobretudo dos acordos internacionais de comércio livre) - é praticamente a mesma coisa que na Europa se chamou "terceira via" (é neste sentido que, p.ex., um Brad DeLong se define por vezes como um "neoliberal"). Agora aqui, tal como no primeiro caso, o "neo-" tem a conotação de ser um "novo liberalismo", modernizado e sem os radicalismos do liberalismo tradicional - só que neste caso, o liberalismo tradicional é o "liberalismo" norte-americano dos anos 60/70. Diga-se que por vezes este sentido também se mistura com o anterior; p.ex., quando nas presidenciais de 2016 (nomedamente nas primárias Democratas) se dizia que Hillary Clinton representava as políticas neoliberais, dá-me a ideia que umas pessoas estavam a usar "neoliberal" neste sentido e outras no anterior

Por norma, o primeiro e o terceiro sentido são autoproclamados; já o segundo sentido praticamente só é utilizado pelos seus críticos.

Monday, July 10, 2017

Populismos

Há anos escrevi que "populista" quer dizer ou "politico de direita europeu de que não gosto" ou "politico de esquerda sul-americano de que não gosto".

Lembrei-me disto lendo este texto de Dani Rodrik (via Tyler Cowen):

The populist backlash may have been predictable, but the specific form it took was less so. Populism comes in different versions. It is useful to distinguish between left-wing and right-wing variants of populism, which differ with respect to the societal cleavages that populist politicians highlight and render salient. The US progressive movement and most Latin American populism took a left-wing form. Donald Trump and European populism today represent, with some instructive exceptions, the right-wing variant (Figure 2). What accounts for the emergence of right-wing versus left-wing variants of opposition to globalization?

Thursday, July 06, 2017

O Estado deve pagar o ensino superior? E a quem?

O economista inglês Andrew Lilico sugere que apenas os melhores alunos deveriam receber bolsas de estudo e os restantes deveriam pagar o custo da formação universitária.

Under this system, poor but gifted students would receive full funding and maintenance. There would be no means testing. Outside the top 10-12 per cent of students, all that the state would really be doing would be addressing liquidity issues. There would be state support only for the top 35 per cent of students.

We can afford to fund higher education to a much greater extent, but only if we do so by focusing that funding on a much smaller group of students — the most gifted being the most appropriate group to focus upon.

That does not mean that only 35 per cent of students would attend. Others would doubtless attend, funding themselves from parental resources, private sector loans or extra jobs.
Já agora, uma vista de olhos pelos motivos pelo qual ele considera que o Estado financia a educação (nomeadamente a superior):
There are three proper reasons:

1 The Externality Argument – Higher education delivers benefits to society as a whole in addition to those benefits experienced by the student herself. That means a pure market is likely to under-provide higher education (fewer people will go than is best for society).

2 The Liquidity Argument – People will gain the most from higher education if they attend when relatively young, when their minds are most flexible and they have longer post-education to reap its rewards. But early in life people will not have been able to establish a track record with banks and other lenders, and so may find it difficult to obtain loans against their future human capital improvements.

3 The Glory Argument – Once we had kings, dukes, and other Great Men of the past who acted as benefactors and promoters of art and research and other goods provided through universities. Modern governments tend to tax away much of the surplus wealth that Great Men used in this way (for other socially important programmes such as health and income support). That means there would be a loss from reduced philanthropy if the government did not at least replace the philanthropy of these Great Men.

Higher education obviously provides other important social functions, but these are not good reasons for government intervention in it. For example, one of the main purposes of higher education is as a “consumption good” — the university life, with its freedom of thought, bonding experiences and general fun is a great thing to be part of. But things we enjoy doing and benefit from are usually best paid for by us, not the government.

Similarly, much is made of the benefits of education in preparing students for working life in a modern economy — that it is an investment with a high personal return. In which case, people will be more than willing to invest and government intervention will not be needed.
As duas primeiras razões (externalidade e liquidez) parecem-me muito os que apresento aqui ("externalidade") e aqui ("liquidez"); mas Lilico é muito mais otimista face ao mercado poder resolver o fator "liquidez" - "I suspect people would find it fairly easy to borrow privately to fund education if the state did not lend to them and if financial markets were healthy (the latter possibly still not being so, post-2007)." - do que eu - "um empréstimo à educação que verdadeiramente não criasse "constrangimentos de tesouraria" ao beneficiários seria um que durante o curso pagasse, não só livros e propinas, mas também o equivalente ao ordenado que o beneficiários receberia se estivesse a trabalhar em vez de a estudar (ou talvez um valor um pouco abaixo, assumindo que estudar é mais divertido que trabalhar) e que, depois, pudesse ser amortizado em suaves prestações durante 20 ou 30 anos - ou seja, um empréstimo que cobrisse todo o custo da educação, e tivesse um prazo de amortização comparável ao período em que a educação gera rendimentos (que é basicamente o tempo de vida activa do individuo). Posso estar enganado, mas penso que não são frequentes os empréstimos com essas condições."

Mas a ideia que este artigo me despertou foi outra - até que ponto a proposta de Lilico, de que o Estado só deveria pagar a universidade dos melhores alunos (independentemente do seu rendimento), não era, na prática, o que vigorava em Portugal até 1993 (quando as propinas nas universidades públicas era simbólicas)? Isto é, os melhores alunos iam para a universidade pública (gratuita), e os outros, se quisessem tirar um curso universitário, iam para a privada, a pagar (OK, a Universidade Católica - privada, paga e para os bons alunos - sai um bocado deste esquema, mas tirando isso era a regra geral).

Tuesday, July 04, 2017

Conservadores, progressistas e "produtos alternativos"

All the “wellness” products Americans love to buy are sold on both Infowars and Goop, por Nikhil Sonnad (Quartz):

There are two Americas, we’ve been told.

There’s Duck Dynasty America and Modern Family America. There’s“gosh” America and “dope” America. Sometimes, though, Americans unite around a common idea. Like the healing powers of eleuthero root, cordyceps mushrooms, and “nascent iodine.”

Near the end of a profile of Amanda Chantal Bacon, founder of the “wellness” brand Moon Juice, the New York Times Magazine noted that many of the alternative-medicine ingredients in her products are sold—with very different branding—on the Infowars store. That’s the site run by Alex Jones, the radio show host and conspiracy theorist who has saidthat both the shooting at Sandy Hook Elementary School and the Boston Marathon bombing were staged. Moon Juice is frequently recommended by Gwyneth Paltrow’s wellness blog, Goop; it’s a favorite of Hollywood celebrities and others who can afford things like $25 “activated cashews.” Infowars, on the other hand, is a dark corner of the American right, heavy on guns, light on government intervention, and still very mad at Obama.

We at Quartz have created a compendium, from Ashwagandha to zizyphus, of the magical healing ingredients both sides of the political spectrum are buying, and how they are presented to each. We looked at the ingredients used in products sold on the Infowars store, and compared them to products on the wellness shops Moon Juice andGoop. All make similar claims about the health benefits of these ingredients, but what gets called “Super Male Vitality” by Infowars is branded as “Sex Dust” by Moon Juice.
Não me admirava que noutros assuntos (p.ex., vacinas) também haja alguma sobreposição entre a "esquerda Hollywood" e a "direita Infowars".