Tuesday, January 30, 2007

E depois das 10 semanas?

Do campo do "Não" recorre-se frequentemente ao argumento "E se uma mulher abortar depois das 10 semanas? O que é que lhe acontece?".

Em primeiro lugar, a maioria esmagadora dos casos que têm ido a tribunal parecem ser de abortos antes das 10 semanas; ora se mesmo hoje em dia, em que em termos penais é igual abortar às 8 semanas ou aos 8 meses, grande parte dos abortos já são feitos antes das 10 semanas, isso ainda será mais assim se o aborto até às 10 semanas for despenalizado.

Mas, vamos à questão - o que deve acontecer às mulheres que abortem a partir do prazo legalmente estabelecido? Acho que devem ser julgadas e, caso se comprove o facto, multadas (ou, em alternativa, efectuarem alguma forma de trabalho comunitário); talvez deva ser dada a possibilidade de uma mulher poder evitar o julgamento se confessar e aceitar submeter-se a uma pena pré-estabelecida. Também acho que a pena deve ser mais pesada para abortos depois das 20 semanas, quando já há actividade cerebral no feto.

Porquê multa e não prisão, perguntarão? Porque eu acho que a prisão, a fazer sentido, será como forma de impedir a continuação da actividade criminosa; ora, não me parece que a probabilidade de uma mulher que fez um aborto voltar a faze-lo se ficar em liberdade seja muito alta (no caso de que a auxilia a fazer o aborto - médicos, parteiras, etc. - já poderá fazer sentido a prisão, se o fizerem de forma regular)

Outra questão que se poderá pôr é "porquê às 10? Se o argumento é o da actividade cerebral, porque o limite não é às 20 semanas?". Pelo que li sobre o assunto, a mim não me repugnaria muito que o limite fosse às 20 semanas; no entanto, penso que o limite de 10 semanas é mais que suficiente para quem decidir fazer um aborto o fazer, logo também não me repugna que o limite seja às 10 (ou seja, não me repugna uma mulher ser impedida ou punida por efectuar um aborto após esse prazo - porque é que não o fez antes?). Além disso, tal como a construir uma ponte ou um prédio normalmente se contrói os alicerces com muito mais resistência do que a força que se espera que venham a suportar, talvez faça algum sentido estabelecer o limite para o aborto antes do momento em que, em principio, começa a actividade cerebral.

Nota importante - as multas que referi atrás devem ser calibradas em função do rendimento da mulher.

10 comments:

aL said...

«as multas que referi atrás devem ser calibradas em função do rendimento da mulher.»

Miguel, não compreendo a razão para esta diferença na aplicação da lei, não é suposto que a lei se aplique a todos os indivíduos de forma igual? Alei não pode ser discriminatória, não pode haver uma justiça para rendimentos elevados e outra para rendimentos baixo.

Miguel Madeira said...

Porque, se assim não fosse, é que não haveria igualdade na aplicação da justiça - seria muito mais fácil fazer um aborto aos 8 meses para uma mulher de altos rendimentos do que para uma de baixos.

aL said...

desculpa Miguel mas não compreendo essa tua argumentação. se o crime é o mesmo qual a razão para as penas estarem indexadas ao rendimento individual?!

«é que não haveria igualdade na aplicação da justiça»

e consideras que assim há igualdade na aplicação da justiça, sendo profundamente discriminatória?

Miguel Madeira said...

Imaginemos que, em vez de multa, eu dizia que as mulheres que abortassem deviam ser condenadas a 2 anos de cadeia.

A aL acharia isso discriminatório?Afinal, estar 2 anos presa é um prejuizo muito maior para uma mulher de altos rendimentos do que para uma de baixos (assumindo que estamos a falar de rendimentos do trabalho, que se perdem se se estiver preso).

aL said...

Miguel, o que está a ser punido é o acto [criminoso], dado que ambas cometeram o mesmo crime a punição deverá ser idêntica.

Agora aquilo que propões é que esteja inscrito na legislação uma discriminação gritante, e com isso eu não posso concordar!

JoaoMiranda said...

Miguel,

Ainda sobre a questão do aborto ser ou não uma causa natural da esquerda:

http://prolife.liberals.com/

Miguel Madeira said...

Mas se a multa fosse igual, a punição não seria verdadeiramente identica - pagar uma multa de, p.ex., 500 euros é completamente diferente para uma mulher que ganhe 400 euros/mês e para uma que ganhe 3.000 euros/mês.

Anonymous said...

Miguel, honestamente... continuo sem vislumbrar um argumento forte para tal discriminação!

No entanto se me falares que em vez de um sistema de escalões, seria um valor percentual fixo do rendimento, aí já aceito melhor...

De qualquer das formas, penso que o sistema de trabalho comunitário seria sempre uma melhor solução!

Miguel Madeira said...

"No entanto se me falares que em vez de um sistema de escalões, seria um valor percentual fixo do rendimento, aí já aceito melhor..."

Era mais ou menos isso que eu estava a pensar (aliás, num dos meus comments anteriores até estive para escrever algo como "se todas as mulheres pagarem 2% do seu rendimento anual de multa, aonde está a discriminação?")

aL said...

«Era mais ou menos isso que eu estava a pensar» ;)

De qualquer das forma considero que o serviço comunitário é bastante mais útil do que a multa, e que poderia ser mais comummente aplicada, como por exemplo nos casos de violação do código da estada...