[Esta é uma daquelas questões para o CN]
Há dias, aparecia na televisão uma senhora do Calvário dizendo que a culpa das cheias era dos prédios novos que tinham sido construídos (ou coisa parecida). Há uns tempos, também havia quem dissesse que umas inundações no Estrumal tinham sido agravadas pelos prédios que tinham sido construídos por cima do monte (bem visíveis na fotografia).
Vamos admitir que este cenário é verdadeiro: que as novas construções, ao reduzirem a área de infiltração de água, estão a agravar as inundações (a chuva que antes era absorvida pelos terrenos, ou se acumulava em poças, agora desce como um rio a toda a velocidade pelos arruamentos). Nessa situação (repito, assumindo que o fenómeno está efectivamente a verificar-se), poderá considerar-se que os proprietários dos terrenos recentemente urbanizados estarão a "agredir" os direitos de propriedade dos que vêm as suas casas inundadas?
É que esta situação parece-me um pouco mais complexa que a da poluição, p.ex. (aqui, os eventuais agressores não estão a produzir o "agente incomodativo", como acontece com as fábricas ou com as sardinhadas; "apenas" deixaram de o reter na sua propriedade, como costumavam fazer).
Há dias, aparecia na televisão uma senhora do Calvário dizendo que a culpa das cheias era dos prédios novos que tinham sido construídos (ou coisa parecida). Há uns tempos, também havia quem dissesse que umas inundações no Estrumal tinham sido agravadas pelos prédios que tinham sido construídos por cima do monte (bem visíveis na fotografia).
Vamos admitir que este cenário é verdadeiro: que as novas construções, ao reduzirem a área de infiltração de água, estão a agravar as inundações (a chuva que antes era absorvida pelos terrenos, ou se acumulava em poças, agora desce como um rio a toda a velocidade pelos arruamentos). Nessa situação (repito, assumindo que o fenómeno está efectivamente a verificar-se), poderá considerar-se que os proprietários dos terrenos recentemente urbanizados estarão a "agredir" os direitos de propriedade dos que vêm as suas casas inundadas?
É que esta situação parece-me um pouco mais complexa que a da poluição, p.ex. (aqui, os eventuais agressores não estão a produzir o "agente incomodativo", como acontece com as fábricas ou com as sardinhadas; "apenas" deixaram de o reter na sua propriedade, como costumavam fazer).
11 comments:
Porventura a questão deve ser colocada ao nível público e não ao nível privado.
Antes de comprarem ou construírem as suas casas, os particulares tiveram de obter licença por parte da respectiva Câmara Municipal, que dispõe dos técnicos qualificados para a avaliação dessa questão. Nestas questões, o estatuto não profissional dos particulares parece-me determinante.
Sendo a utilização do solo e construção é submetida a controlo público a priori, em principio, para prevenir este tipo de situações, creio que se deve colocar a questão ao nível da responsabilidade civil extra-contratual do Estado, caso esses particulares lesados tenham a pretensão de ser indemnizados pelos danos que causaram.
resumindo regras de construçao e ordenamento do territorio... algo que nao entra nem nunca entrou do vocabulario de presidentes de camara e ministerios.
mas é claro que podem sempre avogar PIN, projecto de interesse nacional e entao já vale tudo. se para outros casos isso aconteceu porque nao aqui?
É evidente que, quando se permite a construção na propriedade X, se alteram os direitos (e deveres) de propriedade também na propriedade Y sua vizinha.
Vou-lhe dar um exemplo ainda mais flagrante. Eu tenho uma terra minha plantada com eucaliptos. O vizinho dessa terra foi autorizado a construir a sua moradia junto à minha propriedade. A partir desse momento, eu passo a ser OBRIGADO POR LEI a, regularmente, limpar o mato dos meus eucaliptos, manter a minha terra limpinha, com o fim de evitar incêndios que possam afetar a moradia do meu vizinho.
Ou seja, os meus direitos E DEVERES como proprietário foram seriamente (e financeiramente, uma vez que limpar o mato de uma propriedade custa, todos os anos, algum dinheiro) afetados pela decisão da Câmara Municipal de permitir que o meu vizinho construísse ali a sua vivenda.
Luís Lavoura
"Ou seja, os meus direitos E DEVERES como proprietário foram seriamente (e financeiramente, uma vez que limpar o mato de uma propriedade custa, todos os anos, algum dinheiro) afetados pela decisão da Câmara Municipal de permitir que o meu vizinho construísse ali a sua vivenda."
Não. Os deveres como proprietário do LL derivam do facto de ter, de sua iniciativa, adquirido um terreno plantado (posteriormente plantado) de eucaliptos, facto esse que cria um risco objectivo e realista sobre os seus terrenos vizinhos.
Se esse risco é resolvido por medidas cautelares obrigatórias, como é o caso, ou por via de responsabilidade civil, esse é outro problema. Mas quem criou o problema foi a escolha do LL em relação ao seu terreno, não a autorização (ou melhor, a vontade) de construir do vizinho.
O facto de uma pessoa ser soberana na sua propriedade não impede que possa ser responsabilizado por danos sobre propriedades terceiras por esse usufruto.
JLP, não.
1) O ponto fundamental não é o facto de o terreno ter eucaliptos lá plantados. Nada na lei me proíbe de os ter (ou de ter qualquer outra árvore) lá. O problema reside em crescer mato no terreno. Mato, silvas, ervas, o que você quiser: vegetação rasteira espontânea. A qual no Verão seca e propaga fogos de forma especialmente rápida.
2) Nada na lei me proíbe de ter mato crescido nos meus terrenos em geral. Mas a lei é muito explícita em que os terrenos num raio de 50 metros em redor de uma casa devem estar limpos de mato. Só esses. Os outros, não.
3) O meu terreno já lá estava, já me pertencia, e já tinha eucaliptos plantados, ANTES de a Câmara Municipal ter decidido que aquela área passava a ser urbanizável e que, portanto, o meu vizinho tinha lá direito a construir a sua moradia. Ou seja, a Câmara Municipal, efetivamente, transformou um terreno no qual eu não tinha qualquer obrigação legal de limpar o mato, num terreno no qual eu passei a ter essa obrigação.
Já agora, para acrescentar:
o meu pai tinha um outro terreno, que tinha plantado com carvalhos, ainda jovens. Esse terreno fica entre duas moradias. O meu pai recebeu uma vez uma carta da Câmara Municipal a intimá-lo a proceder à limpeza do terreno (eliminação dos matos), sob pena de a Câmara a fazer e depois lhe imputar os custos.
O que acontecera fôra, evidentemente, que algun dos vizinhos se queixara à Câmara do mato que estava no terreno do meu pai.
Quero com isto dizer que o ponto fulcral não são os eucaliptos ou carvalhos, mas sim o mato. Nada me proíbe de plantar carvalhos ou eucaliptos perto de uma casa (a uma distância mínima de 7 metros). Masposso ser intimado a limpaa o mato de um qualquer terreno, mesmo que inculto, que fique a menos de 50 metros de uma casa.
"1) O ponto fundamental não é o facto de o terreno ter eucaliptos lá plantados. Nada na lei me proíbe de os ter (ou de ter qualquer outra árvore) lá."
Pois não, mas obriga de forma cautelar a quem os tem que minimize o risco contra terceiros. Ninguém lhe está a retirar o direito a ter eucaliptos. Está somente a associar a essa decisão livre uma obrigação.
Como já disse, o teor dessa obrigação é discutível: se é cautelar ou se é uma obrigação de arcar com as suas responsabilidades civis futuras. Mas nem interfere com o seu direito nem com o estatuto da sua propriedade.
"Mas a lei é muito explícita em que os terrenos num raio de 50 metros em redor de uma casa devem estar limpos de mato. Só esses. Os outros, não."
Porque os outros, naturalmente, não colocam em perigo terceiros pelo facto de terem mato.
"3)"
Mesmo sem discutir a legitimidade dessa discricionaridade da Câmara, o LL é que devia estar ciente quando optou por plantar eucaliptos ou por comprar um terreno com eles plantados do ónus que este acarretava, caso alguém na sua periferia optasse por usufruir do seu terreno em moldes que essa sua escolha pudesse vir a causar danos objectivos.
Não se pode vir agora queixar de um acto de liberdade do seu vizinho (que não comporta qualquer risco para o seu terreno como é a construção de uma casa), comparando-o com a sua decisão de ter eucaliptos e mato no seu terreno, esta sim decisão sujeita de causar danos potenciais nos seus vizinhos.
Acrescentando: se o LL quiser ter um chiqueiro em casa - inicialmente isolada - (uma decisão livre), não se deve poder queixar se for obrigado no futuro a terminar essa actividade ou a ter que investir para minimizar o seu impacto sobre terceiros se alguém, algum dia, for viver para o seu lado e se vir vítima no seu terreno, de problemas de salubridade e de saúde pública com causa directa na sua actividade.
Não estamos a falar de nada muito diferente.
JLP, de acordo com a sua lógica, todos os proprietários em todo o país deveriam ter os seus terrenos todos cobertos de cimento, para que neles não pudesse jamais crescer qualquer mato que pudesse eventualmente causar um qualquer fogo.
Repito ao JLP que o problema do meu terreno, de qualquer terreno, não é o facto de nele terem sido plantados eucaliptos, ou qualquer outra árvore, ou de nele não estar plantada árvore nenhuma: o problema do meu terreno é que cresce nele, espontaneamente, mato. Esse crescimento é totalmente independente do facto de o terreno ter plantados eucaliptos, sobreiros, carvalho, cepas, ou nada.
finalmente um post onde se discutem os fundamentos da esquerda
Este post (e a discussão procedente) têm mais relevância ideológica do que talvez pareça.
Na minha opinião, o próprio facto desta discussão existir contribui para evidenciar o carácter da propriedade como uma construção social.
"o carácter da propriedade como uma construção social"
Claro. A propriedade privada realmente existente, no mundo real e concreto, é uma constução social, conformada por leis e/ou por costumes.
É como eu deixar crescer mato nas minhas propriedades. Se as minhas propriedades confrontarem com popriedades rústicas (sem prédios), então a lei permite-me, perfeitamente, que eu deixe as minhas propriedades todas cobertas de mato e silvas - mesmo que esse mato possa arder e transmitir o incêndio às propriedades adjacentes, mesmo que essas silvas cresçam e invadam as propriedades vizinhas. Mas, se a minha propriedade confrontar com propriedades urbanas (com casas), então a lei obriga-me a manter a minha propriedade limpa de mato.
Luís Lavoura
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