Thursday, May 04, 2006

A América Latina e o "populismo"

A respeito da politicas de Evo Morales, Hugo Chavez, etc., surge muita gente a dizer "o populismo tem sido a desgraça da América Latina". Mas será? Afinal, a maior parte dos países sul-americanos passaram muito mais tempo sobre regimes militares aliados à oligarquia latifundiária do que sobre regimes "populistas". Veja-se a Guatemala - será que a causa da pobreza na Guatemala foram dos 3 anos (1951-54) em que Jacobo Arbenz governou o país? E El Salvador, Honduras, Paraguai, etc. que "populismos" lá houve?

Agora, o contra-exemplo: o país latino-americano que é, talvez, o maior caso de sucesso (em termos de prosperidade económica e estabilidade do sistema parlamentar) é a Costa Rica - ora a Costa Rica é dos países que teve uma mais duradoura influência "populista": o partido mais importante, o "Partido da Libertação Nacional" (mais ou menos o equivalente ao nosso PS), actualmente está convertido ao chamado "neo-liberalismo" mas, inicialmente era um partido "populista", muito inspirado pela APRA peruana. Após a revolução de 1948, o PLN criou o mais desenvolvido sistema de assistência social da América Latina, nacionalizou os bancos, lançou impostos de 65% sobre os lucros da United Fruit (e nacionalizando os seus caminhos-de-ferro privados), etc., tudo medidas que (pela ideologia dominante) deviam ter levado o país à ruina.

Agora, na minha opinião, qual é a causa da pobreza da América Latina? Creio que, basicamente, é a forma como a terra foi distribuida durante a colonização. Na América do Norte (ou pelo menos, no norte da América do Norte - a Virginia, Luisiana, etc. são outra história), a colonização foi feita de modo mais ou menos informal, em que um grupo de familias chegava a um território, instalava-se lá, dividia a terra, cultivava-a, etc. dando, assim, origem a uma sociedade de classe média, composta por pequenos e médios proprietários.

Pelo contrário, a America Latina foi colonizada pelo método de a Coroa conceder territórios a "capitães-donatários" ou a encomenderos, que por sua vez concediam parcelas de terreno a colonos, etc. criando-se, assim, uma espécie de versão transantlantica do feudalismo europeu, dominada pelos grandes latifundiários.

Claro que isto não é uma norma universal. P. ex., a já referida Costa Rica foi colonizada muito "à norte-americana" - como, por um lado, era uma zona de dificil acesso e, por outro, devido às epidemias, já havia poucos indios (logo, pouca mão-de-obra), a oligarquia colonial não lhe deu muita importancia, acabando o território por ser ocupado, largamente, pelos tais pequenos e médios agricultores. Em sentido inverso, na América do Norte, além das plantações esclavagistas do Sul dos EUA, também no Quebec e no rio Hudson surgiram sistemas de tipo "semi-feudal", que vieram a ser abolidos no século XIX.

Bem, mas porque é que uma grande desigualdade na repartição da riqueza (nomeadamente da terra) cria pobreza? Além da razão imediata (para um dado grau de riqueza, quanto maior a desigualdade, mais pobres são os pobres), há também outro efeito a longo prazo - o sector da sociedade que mais contribui para o "progresso" (técnico, cientifico, etc.) costuma ser a "classe média", logo as sociedades com grandes classes médias tendem a evoluir mais depressa do que aquelas em que quase só há ricos e pobres. Já há século e meio, o filósofo individualista norte-americano Lysander Spooner fez uma reflexão curiosa a este aspecto (no seu texto "Poverty: its Illegal Causes and Legal Cure"):

"the ex­treme, neither of poverty, nor of wealth, is favorable to invention. The man, who has much wealth, is either too much engrossed by the care of it, or too much sunk in the luxurious indulgencies it affords, to have either time or incli­nation left for such mental exertions as are required for mechanical invention. On the other hand, the man, whose extreme poverty leaves him no respite from manual toil, and affords him no accumulations beyond his daily bread, has no opportunity to cultivate any mechanical genius with which nature may have endowed him, or to mature and realize any mechanical conceptions that may visit his mind-because to do so would require leisure, subsistence, arid some little capital with which to make experiments. Thus the two ex­tremes of society contribute nothing to the list of mechanical inventions. Neither the serfs nor the nobles of Russia, neither the slaves nor the slaveholders of America, neither the nobility nor the starving portion of the population of England and Ireland, make labor-saving inventions. On the other hand, in New England, where wealth is more equally distributed than perhaps in any other portion of the world, more labor-saving inventions are probably made than by any other people of equal number on the globe. And if the wealth of New England were distributed still more equally among the population, and if men labored more for themselves respectively, and less for others for wages, time number of valuable inventions would undoubtedly be still greater-because, if time wealth were more equally distri­buted, few or more would be so rich as to have their inventive powers smothered or stupefied by luxury, or over­whelmed by the care of their wealth; and, on time other hand, few or none would be so destitute as to have their powers fettered by poverty. But all, or nearly all, would be precisely in those moderate circumstances, that would at once stimulate their minds to the greatest activity, and also afford them leisure and capital for experiments"

5 comments:

Anonymous said...

o problema da america latina tem duas faces.

por um lado, ditaduras de direita com modelos economicos que já são bem conhecidos.

por outro lado, quem faz as coisas são sempre os mesmos ou generais ou burocratas ou aspirantes a burocratas.

permanecendo intocavel a oligarquia.

sobre a nacionalização ser populista ou não, só cito um exemplo: Noruega, essa infame republica popular.

Miguel Madeira said...

Ou, já agora, o Chile, aonde Pinochet não voltou atrás com a nacionalização do cobre.

Miguel Madeira said...

Ou seja, a respeito das nacionalizações -privatizações, nem no Chile foi bem como JCD está à espera na Bolivia


http://ablasfemia.blogspot.com/2006/05/notcias-de-hoje-e-de-amanh.html

Anonymous said...

só por toda esta excitação da direita portuguesa, gostava que na bolívia a coisa corresse bem.

veremos onde isto vai parar.

Anonymous said...

olof palm precisou de 20 anos para tornar a suecia o que ela é hoje.
as transformações são lentas.