Thursday, July 26, 2012

Sobre armas e "lei do mais forte"

Acerca deste assunto, uma história que o meu pai uma vez contou, ocorrida em Moçambique, imagino que por volta de 1970 (não sei se ele assistiu à cena ou se, mais provavelmente, ouviu contar; nem sei se os pormenores são verdadeiros):

Um "chefe de posto" do interior, já idoso e não muito imponente fisicamente, veio passar uns dias de folga à cidade (a então Lourenço Marques); num café ou restaurante ou bar ou coisa assim, uns quantos "matulões" começaram a se meter com ele, ao que ele respondeu:

- Eu vim aqui para me divertir, não para me chatear; se têm algum problema, vamos lá fora, aquele terreno resolver o assunto.

Chegados ao tal terreno, já os outros se preparavam para dar uma "carga de pancada" ao senhor, quando este saca de uma pistola. Perante isto, pediram-lhe desculpa e deixaram-no em paz, após o que este comentou:

- Pois, desde que inventaram estas coisinhas já não há homens fortes.

10 comments:

João Vasco said...

Já tinha ouvido uma história muito diferente, com uns skinheads nazis e um punk, que também acabava com um «vocês são maiores que eu, mas desde que o homem inventou a pólvora acabaram-se os tamanhos».

Mas a «moral» dessa história é enganadora. Nesse caso o velho tinha armas e os «brutos» não, mas se todos tivessem em vez de ser a lei do mais forte em músculos e reflexos e perícia, seria a lei do mais forte em pontaria, reflexos e perícia.
Com a diferença que num caso a probabilidade do mais forte matar o mais fraco seria apesar de tudo mais reduzida. E a diferença quanto à probabilidade de uma morte acidental então nem se fala.

Miguel Madeira said...

Suspeito que os efeitos da diferença de força fisica num luta com socos são maiores que os efeitos da diferença de habilidade a disparar numa luta com armas.

Isto é, numa luta puramente fisica quase de certeza que o mais forte ganha (a única maneira que eu vejo de, numa luta mano-a-mano, o mais fraco ganhar é conseguir, num golpe de sorte, deitar o adversário ao chão e a partir daí golpeá-lo a partir de cima); já numa luta a tiros (sobretudo se não for como aqueles duelos imaginários do Oeste) acho que há uma probabilidade significativa de não ser o melhor atirador a ganhar a luta.

João Vasco said...

Talvez isso seja verdade, mesmo que a minha parca experiência de paintball me diga que uma equipa experiente não dá hipóteses a uma amadora.
Mas historicamente a pólvora veio de facto mudar a estrutura de poder no sentido de o democratizar, quando antes estava concentrado nas mãos dos melhores combatentes, o que dá razão a essa ideia - os números são mais importantes face à perícia porque os confrontos dependem menos da perícia.

O problema é que quanto a isso, a pólvora já é uma coisa do passado. A estrutura de poder hoje tem condições para estar pouco democratizada quer as armas de fogo estejam acessíveis ou não. Com aviões, helicópteros, armas nucleares, tanques, e até um armamento de infantaria que lembra os cavaleiros com armadura pesada da idade média, nem sequer «mini-guns» facilmente acessíveis poderiam «democratizar» o acesso ao poder de fogo.

E quanto a rixas, há um factor adicional que não considerei que dá a um dos lados uma grande vantagem sobre o outro: a disponibilidade para matar. O ser capaz de premir o gatilho sem hesitações, sem ponderar as consequências fatais desse acto.
Tendo em conta a diferença de consequências entre uma rixa sem armas de fogo, e uma com armas de fogo, creio que mais facilmente estamos «na lei da selva» no segundo caso.
E com armas de fogo controladas, a minha impressão é que rixas entre adultos são apesar de tudo relativamente raras. Se não resultarem em mortes/danos permamentes, a importância delas não é assim tão grande.

CN said...

Uma coisa me parece óbvia, se o poder pode ter armas o melhor é todos poderem ter armas, o resto é pormenor.

Quanto a poder ter armas em sítios públicos em todo o lado, isso parece-me assunto para localismo e referendos.

Quanto a privados, todos podem (ou devem poder) exigir que com armas não entra.

João Vasco said...

«Uma coisa me parece óbvia, se o poder pode ter armas o melhor é todos poderem ter armas»

Para outros o contrário disso «parece óbvio»...

CN said...

Pois, mas esses querem que o poder use as armas para impedir pelas armas que o não-poder possa ter armas.

João Vasco said...

Ou acreditam que só deve ter armas quem está mandatado pela maioria da comunidade, ou acreditam em muitas outras coisas. O «parece óbvio» é que não colhe enquanto argumento.

CN said...

"Ou acreditam que só deve ter armas quem está mandatado pela maioria da comunidade"

Pois, o que é uma comunidade e o que demarca quem está dentro da comunidade (e obrigado a ela) e fora (não obrigado a ela) não é nada óbvio.

Anonymous said...

o joao vasco na sua ideologia anti autoritaria parece fazer uma boa defesa do poder e do autoritarismo, mesmo que pelo reconhecimento de uma maioria

João Vasco said...

Anónimo,

Essa observação não está fundamentada.

Na verdade o poder de uns sobre outros é sempre inevitável. Por exemplo: ou se proíbe o furto, impondo a vontade da maioria aos ladrões, ou não se proíbe, impondo a vontade dos ladrões à maioria. Não há qualquer arranjo social que permita escapar à imposição.

Se a imposição será sempre inevitável, interessa maximizar a liberdade, minimizando os efeitos da imposição.
Por vezes devem ser as maiorias a impor regras aos indivíduos (como por exemplo no caso do furto), noutras as maiorias devem abster-se de controlar os indivíduos (por exemplo: não devem impedir o indivíduo de consumir drogas).

No caso concreto das armas, é perfeitamente razoável assumir que os indivíduos sentem menor imposição caso apenas uma minoria por eles mandatada tem meios para matar com facilidade.
Tal como no caso do furto, a sua proibição (uma imposição sobre quem quer furtar) implica que as pessoas podem andar mais descansadas sem terem de estar sempre a vigiar os seus bens; também no caso da proibição das armas a sua proibição (uma imposição sobre quem quer tê-las) implica que as pessoas podem andar mais descansadas, com uma probabilidade de serem assassinadas muito mais reduzida (como se verifica empiricamente).

Sou um individualista, mas não sou um individualista ingénuo. Sei bem que há muitas situações em que não negar a liberdade de um indivíduo fazer X implica necessariamente negar a outro a liberdade de não sofrer X - desde um furto, a um tiro.