Segundo o Expresso, esta é a estratégia proposta por João Ferreira do Amaral para sair do euro:
- Manutenção do valor em euros dos depósitos na banca lusa. O Estado honraria as suas dívidas em euros. Esta garantia seria dada pelas autoridades nacionais e comunitárias, em conjuntoEu, quando escrevi que "[p]oderemos discutir se a austeridade-via-desvalorização é melhor ou pior que outras formas de austeridade (e eu consigo pensar tanto em razões para ser melhor, como em razões para ser pior)", realmente ocorreu-me que uma vantagem que, efectivamente, a desvalorização teria sobre a descida de salários é que, se os salários baixarem, os assalariados que tenham dívidas (e hoje em dia suponho que a maioria as tem, nem que seja para a habitação) ficam ainda mais endividados (se o salário baixa e a dívida fica na mesma, a divida em proporção do rendimento aumenta); já com uma desvalorização da moeda, tanto o valor real dos salários como das dividas baixa, logo pelo menos não há um aumento do endividamento.
- Preservação do balanço dos bancos: os créditos a famílias, empresas e Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização desta
- Evitar o incumprimento generalizado à banca: o Estado substituir-se aos devedores no montante em que o aumento da dívida em moeda nacional resultasse da desvalorização. Um acréscimo de dívida pública interno e financiado através de empréstimos junto do Banco de Portugal
- Manutenção da nova moeda numa banda de flutuação de 15% em relação a uma taxa de referência face ao euro
- Cooperação europeia: novo empréstimo a Portugal para honrar a dívida do Estado e sustentar a balança de pagamentos até a desvalorização cambial ter efeitos positivos no reequilibrio das contas externas. O BCE renovaria durante algum tempo a dívida dos bancos portugueses e criaria uma facilidade especial, temporária, de crédito aos bancos, para reagir de imediato a qualquer sintoma de pânico na transição
No entanto, o esquema de JFA nem sequer tem essa vantagem que poderia ser atribuída à desvalorização - ele propõe que o valor das dívidas à banca se mantenha constante em euros (ou seja, se o escudo desvalorizar, a dívida aumenta). É verdade que ele propõe que os aumentos do valor das dívidas resultante da desvalorização do "escudo" seja assumido pelo Estado (em vez de recair sobre os devedores), mas assim a proposta de JFA é um imenso criador de dívida pública:
- Já à partida, o valor da dívida pública do Estado português em euros manteria-se, logo a desvalorização do escudo iria fazer aumentar o valor real da dívida (se o escudo desvalorizar 30%, é de esperar que a divida pública passe de 120 para 170% do PIB)
- Como a ideia dele é o Estado assumir também os aumentos da dívida aos bancos resultantes da desvalorização, então ainda mais dívida iria ser gerada para isso: imagine-se alguém que deve 40.000 euros ao banco; o seu ordenado é convertido em escudos, que depois são desvalorizados em 30% - assim, para o devedor não ficar a dever mais por causa da desvalorização, o Estado teria que assumir 12.000 euros da dívida. Agora imagine-se isso multiplicado por milhões de famílias e a adicionar à divida pública que já iria em 170%...
JFA propõe que o aumento da dívida para assumir as dívidas privadas seja feito através do Banco de Portugal - o que me parece implicar imprimir dinheiro; mas facilmente se corria o risco de cair-se num ciclo vicioso, em que se imprimia escudos para o Estado assumir dívida privada, gerando uma maior desvalorização do escudo, obrigando assim o Estado a assumir mais dívida, para o qual teria que imprimir mais moeda e desvalorizando ainda mais o escudo.
Em última instância, todo o plano de JFA para sair do euro parece-me ter por base que a União Europeia e BCE iriam emprestar-nos dinheiro em quantidade e num prazo suficientemente amplos para sustentar o brutal aumento da dívida, e provavelmente que iria comprar escudos nos mercados internacionais para não os deixar desvalorizar muito mais que os 30% previstos.
Mas, se o resto da UE estivesse disposta a fazer uma tão grande transferência de dinheiro para Portugal (e provavelmente também para a Grécia, Chipre, Espanha e sabe-se lá que mais...), estaríamos sequer a discutir a hipótese de sair do euro?
[Noto que me estou a basear só no artigo do Expresso; é possivel que no seu livro JFA aborde melhor a questão e até responda aos pontos que aqui levantei]
[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]