As notícias sobre o Plano B de Varoufakis parecem-me algo confusas, mas, pelo que já deu para perceber, parece-me que era simplesmente o plano que há meses se fala de o Estado grego emitir "promissórias" dizendo "vale 100 euros (pagáveis quando for possível)" e usá-las para pagar despesas (nomeadamente salários e pensões), com a diferença de que em vez de imprimir papelinhos, iria-se criar uma plataforma virtual em que cada número de contribuinte teria uma password e seria associado a uma espécie de conta-corrente que seria creditada quando o Estado grego fosse fazer pagamentos a alguém (podendo depois os utilizadores transferir "euros virtuais" de uns para os outros). Atendendo a que o emprego anterior de Varoufakis era gerir um mercado de trocas de itens virtuais entre jogos de computador ("troco uma chave para abrir uma masmorra no jogo A por uma vida adicional no jogo B"), talvez a ideia tenha vindo daí.
Creio que o que está a chamar mais a atenção para o caso é a parte do hacking - como o programa da autoridade tributária grego era gerido por técnicos da troika e não pelo ministério das finanças grego, para obter a lista dos números de contribuinte para introduzir na plataforma virtual foi necessário um amigo do Varoufakis perito em informática "hackear" o programa da autoridade tributária, o que dá um ar de thriller a isto (embora no fim a ideia fosse obter informação que, em circunstâncias normais, qualquer governo teria acesso - a lista dos NIFs).
Agora a questão era se se iria conseguir que o "euro virtual" fosse aceite pelos agentes económicos como um meio de pagamento equivalente ao verdadeiro euro - mantenho a minha teoria sobre isso: o euro virtual iria manter uma cotação aproximada a 1 euro real enquanto fossem criados menos euros virtuais (via despesa pública) do que o necessário para pagar impostos (se um euro real e um "euro virtual" fossem igualmente válidos para pagar um euro de dívidas fiscais, e houvesse menos "euros virtuais" em circulação do que dinheiro a pagar de impostos, a cotação euro real / "euro virtual" iria ser próxima do 1: se o euro real valesse muito mais que o "euro virtual", na altura de pagar os impostos toda a gente tentaria trocar euros reais por virtuais para pagar os impostos em "euros virtuais" - p.ex., se o "euro virtual" fosse valorizado em meio euro, quem tivesse 100 euros a pagar de impostos iria preferir trocar 50 euros reais por 100 euros virtuais e usá-los para pagar o imposto do que pagá-lo com 100 euros reais - , fazendo subir a cotação do "euro virtual").
Adenda 1: este artigo do Varoufakis parece confirmar que se tratava realmente a implementação em formato virtual do tal sistema das "promissórias"
Adenda 2:
Parece haver muito mais noticias sobre isto com títulos estilo
"Varoufakis pretendia piratear dados dos contribuintes" do que com
títulos "Varoufakis pretendia criar moeda paralela virtual", o que
indica que é mesmo a parte do "hacking" que está a chamar a atenção
(aliás, suspeito que se não fosse a história do hacking a apimentar a
coisa, o assunto mal teria aparecido nos jornais, já que o resto da
notícia tem a ver com uma questão bastante técnica - a ideia de uma
moeda paralela virtual - que a maior parte da imprensa nem acharia
apelativa).
[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]
Monday, July 27, 2015
Ainda o "Plano B" de Varoufakis
Publicada por Miguel Madeira em 16:40