Monday, September 14, 2015

A bússola eleitoral do Expresso

O Expresso e a SIC lançaram uma ferramenta, a "bússola eleitoral", que pretende ver qual é o partido político de que estamos mais próximos:


Muitas críticas têm sido levantadas a esse quadro, como a CDU ser mais "libertária-cosmopolita" que o Bloco de Esquerda, ou o PNR (de extrema-direita) estar ao centro.

Estive a tentar perceber porque é que a CDU aparece como mais "libertária-cosmopolita" que o BE; nas perguntas de "Sociedade", a única que poderia explicar essa diferença era a CDU "discordar" no ponto "Independentemente dos seus recursos, as famílias numerosas devem receber benefícios sociais e fiscais" e o BE "concordar totalmente"; mas porque é que os autores dizem que a CDU "discorda" e o BE concorda "totalmente"? Segundo eles a CDU discorda porque votou contra uma alteração ao código do Imposto sobre Veículos criando isenções para famílias numerosas (o BE votou contra na primeira votação e absteve-se na votação final) e as alterações ao IMI criando bonificações para as famílias numerosas (por mais voltas que dê ao site da Assembleia da República, não consigo descobrir quem votou contra e a favor disso, mas em muitas Assembleias Municipais o BE tem votado contra).


Ou seja, não me parece que a diferença de posição entre o PCP/PEV e o BE na questão das famílias numerosas seja tão grande que faça sentido um "discordar completamente" e outro "concordar" (e mesmo a posição do BE sobre o abono de família parece-me mais uma defesa da universalidade dos serviços públicos - na linha "programas para pobres tendem a ser programas pobres" - do que propriamente uma defesa das famílias numerosas).

Também me parece discutível que o BE "discorde completamente" de que "Deve haver um alargamento das áreas em que a União Europeia define as políticas" - sim, realmente o BE no seu manifesto eleitoral para as europeias [pdf] fala em "desobediencia democrática à EU e suas imposições, recusando de forma intransigente, quaisquer perdas de soberania"; mas no mesmo documento também diz que "a UE deve passar a ter instrumentos próprios de gestão de dívida que representem um recurso dos Estados-membros, mas beneficiem dos custos de financiamento que um espaço como a União Europeia pode proporcionar" e que "[a] definição de mínimos europeus para a tributação de todos os rendimentos do capital (lucros, dividendos, etc.) é a única forma de travar a dinâmica da concorrência fiscal no espaço europeu".

De qualquer maneira tenho dúvidas que faça sentido juntar (como parece ter sido feito) juntar a atitude face à UE com a atitude em questões sociais numa única dimensão ("tradicionalista-nacionalista vs. libertária-cosmopolita"); em países como o Reino Unido e  nalguns da Europa de Leste há efetivamente uma forte ligação entre conservadorismo social e euroceticismo, que justifica juntar esses pontos numa única dimensão; mas em Portugal não sei se será o caso (talvez um gráfico tridimensional - com "europeísmo vs. euroceticismo" como a 3º dimensão - fizesse mais sentido; aliás, num inquérito semelhante acercas das eleições europeias foi esse o sistema usado).


Ora, o problema desse arranjo gráfico (que divide a esquerda da direita pela economia e considera as questões sociais como transversais à divisão esquerda-direita) é que no mundo real das ideologias, tanto as questões económicas como as questões sociais são questões esquerda vs. direita; afinal, o que creio ser a questão esquerda-direita original (direita - o rei deve poder vetar definitivamente as leis aprovadas pelo parlamento; esquerda - o veto real apenas pode adiar a aprovação da lei) hoje em dia seria de certeza considerada uma questão social. Nesse aspeto, gráficos similares norte-americanos, como o de On the Issues ou o dos Advocates for Self-Government parecem-me melhores: os eixos do gráfico são basicamente os mesmos, mas o gráfico tem uma inclinação de uns 45º, de forma que tanto liberalismo económico como conservadorismo social vão para a direita. Aplicando isso ao gráfico do Expresso, teríamos:


É verdade que, mesmo assim, o gráfico continuaria a ter coisas talvez contra-intuitivas, como o Livre ficando o partido mais à esquerda (provavelmente devido ao seu europeísmo, que reforça a componente libertária-cosmopolita) - mas mesmo no gráfico anterior o Livre aparecia como um dos dois partidos/coligações mais à esquerda, junto com a CDU; mais estranho seria o MRPP ficar à direita do PS, mas de qualquer forma já era algo de estranho no gráfico original estar à direita da CDU, do Bloco e do Livre (os autores da "bússola" têm mesmo certeza que o MRPP "discorda totalmente" da reestruturação da dívida?? Só se for "discordar totalmente" no sentido de não quererem reestruturação mas repúdio puro e simples da dívida - mas essa posição é mais defender uma forma extrema de reestruturação do que verdadeiramente ser contra).

1 comment:

João Vasco said...

Eu achei as perguntas desse teste péssimas, e a forma como eles interpretaram as respostas ainda piores.

Os resultados são completamente absurdos, mesmo sem atender às considerações feitas neste texto.

Ainda assim, para justificar que o PS esteja consideravelmente menos à esquerda que BE e CDU eu diria o seguinte: a linha esquerda direita deve realmente unir o extremo libertário-menos protecção da propriedade privada (esquerda na dimensão económica) vs autoritário-mais protecção da propriedade privada (direita na dimensão económica). No entanto, os dois eixos não têm de ter a mesma dimensão: para os portugueses as questões económicas têm sido muito mais relevantes no curto/médio prazo que as restantes (feliz ou infelizmente, tem sido assim).
Assim, se o eixo económico for muito maior que o outro, a projecção do PS no eixo oblíquo fica consideravelmente à direita da CDU e BE, e o L/TdA fica muito mais próximo da CDU e BE.

Mas eu até iria mais longe, o L/TdA deveria realmente ficar à direita na dimensão económica, ao contrário daquilo que o gráfico "apanha", e isso surge como uma demonstração da fraqueza/inadequação das perguntas. A CDU e BE propõem a nacionalização do sector financeiro e outros sectores estratégicos, o L/TdA propõe algo apesar de tudo mais recuado: não fazer nenhuma privatização adicional e fazer auditorias / procurar mecanismos legais de reverter as privatizações realizadas durante a última legislatura. É uma questão essencial, que passa completamente ao lado do teste.

Enfim, se o L/TdA ficasse à direita na dimensão económica, o eixo europeu fosse separado do eixo libertário (como no teste da Vox) e o eixo libertário fosse menor que o eixo económico, veríamos o L/TdA à direita de BE e CDU, o que até faz o seu sentido.

Claro que para pessoas que dêem mais importância ao eixo libertário (como é capaz de ser o meu caso), o L/TdA continuaria um pouco à esquerda do BE/CDU, mas quando apresento o posicionamento do L/TdA tento fazê-lo tendo como referência um eixo comum à generalidade da população, onde o eixo económico é mais importante.