Tuesday, November 17, 2015

Porque os bancos andaram a emprestar a Portugal?

No Destreza das Dúvidas, Fernando Alexandre interroga-se sobre "o que terá levado os mercados financeiros a cederem-nos crédito a jorro, mesmo depois de se terem tornado evidentes os bloqueios estruturais que conduziram à estagnação da nossa economia desde o início do século XXI. O rendimento de Portugal deixou de crescer, o desemprego não parou de aumentar e os activos da economia portuguesa desvalorizaram-se, mas continuaram a emprestar-nos dinheiro."

 É verdade que em termos reais a economia portuguesa quase não cresceu este século - mas será que da perspetiva de um credor o crescimento real será o mais relevante? Imagine-se que eu emprestava 100.000 euros a alguém (um estado, um indivíduo, uma empresa, penso que não faz grande diferença) no estrangeiro, vivendo num país (usando o euro como moeda) com um crescimento económico real de -10% (ou seja, com a economia em recessão profunda)... e uma inflação de 80%; apesar da recessão seria um investimento muito arriscado? Talvez não - mesmo que o rendimento real do meu devedor estivesse a diminuir, o seu rendimento nominal estaria a aumentar, e é sobretudo o rendimento nominal dele que me interessa para saber se ele vai ter capacidade para me pagar os 100.000 euros (e mais os juros) de volta.

Pode-se dizer que se a inflação nesse país é assim tão alta, não é boa ideia emprestar dinheiro a alguém nesse país, já que a inflação vai reduzir bastante os juros reais (ou, então, só emprestar a um juro nominal elevado) - mas a mim a taxa de inflação no país onde vivem os meus devedores não me interessa para nada para o meu juro real, faço as contas é com a inflação do meu país; um exemplo, se eu vivo no país A com uma inflação de 2%, é melhor negócio fazer uma aplicação financeira no país B, com um juro nominal de 5% e uma inflação de 6%, do que no país C, com um juro nominal de 3% e uma inflação de 0%.

Bem, e então como evoluiu o crescimento nominal e real da economia portuguesa neste século?

Foi à base de dados do Eurostat, peguei nas estatísticas "GDP and main components - Current prices [nama_gdp_c]", "GDP and main components - Price indices [nama_gdp_p]" e "GDP and main components - volumes [nama_gdp_k]" (confesso que não estou seguro que estas sejam as melhores estatísticas para investigar o que quero saber, mas foram as primeiras que achei), de 2000 a 2010 para alguns países, trabalhei-as um bocadinho, e cheguei a estes resultados:



Taxa de crescimento
PIB real Inflação PIB nominal
Euro-18 12,1% 20,7% 35,2%
Alemanha 10,0% 10,8% 21,9%
Irlanda 27,4% 17,5% 49,7%
Grécia 22,3% 31,7% 61,1%
Espanha 22,4% 35,6% 66,0%
França 11,7% 20,4% 34,5%
Itália 3,7% 24,9% 29,5%
Portugal 7,1% 26,8% 35,8%

Atenção que estas percentagens são o crescimento total de 2000 a 2010, não é uma taxa anual de crescimento; bem, e o que concluo daqui? Que em termos de crescimento real Portugal foi uma desgraça no século XXI, mas em termos de crescimento nominal não foi mau de todo (esteve abaixo dos outros PIIGS, mas a um nível similar à média da zona euro); logo, se fizer sentido assumir que para os credores o crescimento nominal seja mais importante que o real, poderá estar aqui uma explicação para estes terem demorado uma década até deixarem de emprestar dinheiro?

1 comment:

João Vasco said...

Isto só se aplica no caso específico dos dois países terem a mesma moeda, mas taxas de inflacção consideravelmente diferentes (o que é o caso que interessa para Portugal dentro da zona euro - e muito me surpreenderam as diferenças abissais na inflacção, deve ter sido o ajustamento à nova moeda).

No caso em que os países têm moedas diferentes, creio que importa bastante a inflacção no país devedor, visto que isso vai ter impacto no câmbio. Ou seja, se a dívida estiver denominada na moeda do país do devedor, a inflacção no país devedor vai conduzir a que a dívida valha menos na moeda do país do credor.
Claro que a dívida poderia estar denominada na moeda do país do credor, mas a História demonstra que quando a inflacção é muito alta pode existir o risco dessa dívida ser redenominada ajustando-a à variação cambial (por se estar a tornar insustentável).
Em ambos os casos, a inflacção no país do devedor deve realmente ser uma preocupação do credor.