Numa discussão no Facebook sobre o RBI, um amigo dizia que simpatizava com a ideia, mas só a defenderia quando lhe demonstrassem que era viável com um valor que não fosse miserável nem financiado por "especulação financeira".
Um pouco de contexto - a referência ao valor miserável tinha a ver com a ideia que eu tinha sugerido de um RBI de 200 euros por adulto e 100 por menor; a referência à especulação financeira tinha a ver com o exemplo do Alasca, cujo RBI é financiado pelos rendimentos dos investimentos feitos com os direitos de exploração petrolífera.
Vou tentar responder a essas questões aqui, quer porque comentários do Facebook não são o meio mais adequado para exposições aprofundadas, quer porque isto pode ser de interesse para mais gente do que apenas para quem estava a ler a conversa (penso que o meu amigo não se vai importar).
Primeiro, a questão do "valor miserável" - o valor de 200 euros (um pouco mais que os 178,15 euros do RSI, um pouco menos que os 201,53 euros da pensão não contributiva) será assim tão pouco? Imagine-se uma família com um pai, uma mãe (ambos com um ordenado de 600 euros) e um filho; 200 euros por adulto mais 100 euros por criança levaria a que o rendimento mensal desta família passasse de 1200 para 1700 euros - não me parece um salto assim tão pequeno (se calhar é quase a diferença entre estar na "classe baixa" ou na "classe média"). Bem, a minha ideia era a implantação do RBI ser acompanhada pela abolição do RSI, das pensões não contributivas, do abono de família e talvez do valor mínimo da dedução especifica do IRS, pelo que o aumento do rendimento desta família não iria ser bem 500 euros (iriam perder 26,5 euros do abono de família, e talvez pagar mais - em conjunto - 88 euros de IRS por mês).
Eu suponho que a referência a "valor miserável" resulta do que eu penso ser um equívoco à volta do RBI - que a ideia seria dar a cada pessoa um rendimento que lhe permitisse deixar de trabalhar se assim o entendesse (e o "incondicional" tem vindo a ser interpretado sobretudo como "mesmo que não faça nada" - e a crescente tendência para apresentar o RBI como solução para o problema imaginário do desemprego supostamente causado pela automatização imaginária vai nesse linha), e efetivamente seria difícil alguém viver só com 200 euros por mês (ou uma família de 3 pessoas com 500 euros); mas a ideia não é (ou, pelo menos, não era) essa - de certa maneira, é (era?) quase a oposta: criar uma prestação social que abranja também quem trabalha e não apenas os desempregados e "excluídos" (como, seja por decisão explícita - como no subsídio de desemprego - ou por resultado implícito - como no RSI - acaba por acontecer com os subsídios atualmente existentes), e sem os desincentivos a procurar trabalho que tendem a ocorrer nos sistemas atuais (ou seja, a ideia implícita no "incondicional" até era mais "recebes sempre, mesmo que até tenha um bom emprego com um bom ordenado" e não tanto "recebes sempre, mesmo que a única coisa que faças na vida seja tocar guitarra na Rua do Comércio").
[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]
Tuesday, December 29, 2015
Ainda o Rendimento Básico Incondicional
Publicada por Miguel Madeira em 12:24