Este post no Facebook de Alexandre Mota lembra-me de algo que tenho pensado há algum tempo - é que há 3 tipos possíveis de políticas orçamentais que tendem a ser indistintamente chamadas "política de direita":
a) Qualquer política que reduza a despesa pública, mesmo que aumente os impostos
b) Qualquer política que reduza os impostos, mesmo que não reduza ou até aumente a despesa
c) Uma política de redução simultânea da despesa e dos impostos
Compare-se, p.ex, Reagan (com uma política largamente do tipo b) com Thatcher (com uma política largamente do tipo a), ou talvez nem isso), que muitas vezes até são apresentados como se fossem quase gémeos ideológicos.
Isto que vou escrever agora talvez já seja um bocado arrevejado, mas até me parece que poderemos associar essas diferentes politicas orçamentais com diferentes correntes especificas:
- A política a), cortar primordialmente na despesa, penso que é mais típica dos democratas-cristãos e conservadores europeus, frequentemente com grandes evocações de "contas em ordem", "não podemos gastar mais do que temos" ou até "temos que fazer como uma boa dona-de-casa.."
- A política b), cortar primordialmente nos impostos, sem grandes preocupações com a desesa, parece-me mais típica do conservadorismo norte-americano, por um lado, e da direita "populista", por outro, com argumentos diversos - umas vezes abertamente keynesianos, outras vezes recorrendo à supply side economics, outros com argumentos starve the beast;
- A política c), cortar nas despesas e nos impostos, parece-me mais típica dos liberais.
Diga-se que as políticas a) e b) têm, perante a c), a vantagem de serem vendáveis a um eleitorado em que a maior parte das pessoas recebe mais em subsídios ou sob a forma de serviços públicos do que paga de impostos - e provavelmente muitas pessoas que sonham com c) acham que a melhor maneira de o atingir é mesmo alternar b) com a) em vez de dizer abertamente que se quer c) - a tal estratégia de starve the beast.
E à esquerda, não haverá também várias políticas orçamentais? Bem, à partida eu conseguiria imaginar quase o simétrico:
a1) Aumentar a despesa pública sem aumentar os impostos
b1) Aumentar os impostos sem aumentar a despesa
c1) Aumentar a despesa e os impostos
Mas o problema é que aqui a margem é mais estreita - por norma basta um governo baixar os impostos ou a despesa para ser considerado "política de direita" (a menos que se trate de baixar impostos específicos - como impostos regressivos sobre o consumo - ou despesas específicas - como as militares - que sejam particularmente impopulares à esquerda), logo seria necessário manter os impostos milimetricamente idênticos para fazer a política a1 (se os subisse um pouco estaria a fazer a política de esquerda c1), e se os descesse um pouco estar a fazer a política de direita b) ou a despesa milimetricamente idêntica para fazer a política b1 (mutatis mutandis).
Assim diria que a diferenças entre políticas orçamentais de esquerda acabam por se resumir a
d) aumentar mais os impostos que as despesas, reduzindo o deficit
e) aumentar mais as despesas que os impostos, aumentando o deficit
Mas aqui não sei se será fácil associar as duas políticas a correntes definidas - a esquerda mais radical (nomeadamente a mais entusiasmada pela "Teoria Monetária Moderna") tende a preferir a política e) e a moderada a d), mas não me parece que seja uma regra muito rígida; e, por outro lado, isto leva-me a duvidar da minha tentativa de associar os vários tipos de políticas orçamentais de direita a ideologias específicas - afinal, se na área que eu conheço melhor não consigo fazer essa associação, é duvidoso que a consiga fazer com precisão para a área que eu conheço pior.
Outros posts que acho que podem ter alguma relação com isto - Keynesianismo e Estatismo e o acabado de escrever A "economia do lado da oferta" como "noble lie"; e acho que o clássico Political Aspects of Full Employment, de Michael Kalecki também interessa para aqui, ainda que de forma à primeira vista algo indireta.
Saturday, December 21, 2019
Politicas orçamentais ao longo do espectro político
Publicada por Miguel Madeira em 02:42
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